Lepra, leproso e estigma no Brasil


"A presença do estigma no caso da lepra se apresenta na legislação brasileira do início do século XX. Para Leila Gomide, vários espaços passíveis de representações sobre a doença, eram responsáveis pela difusão e permanência do preconceito para com os doentes. Assim, a legislação, o discurso dos médicos, as medidas adotadas visando conter o avanço da doença – o isolamento –, tudo isso estaria baseado no estigma, que acompanhou os doentes desde a Idade Média. Para tanto, os médicos conclamavam a mobilização da população, invocando o medo que sempre acometia a população quando se tratava da lepra. Esse medo coletivo no qual se apoiavam os higienistas, serviam para que a população tivesse uma reação positiva frente às medidas higiênicas adotadas em relação à lepra. Esse sentimento, no caso da lepra, era fortemente despertado, à medida que constitui um forte componente do imaginário coletivo em todos os tempos: o processo de “leprostigma”.

O isolamento dos doentes também foi alvo de estudo na dissertação de mestrado de Luciano Marcos Curi.36 O período por ele estudado (1935-1976) corresponde ao momento em que o Estado brasileiro é pressionado por determinados segmentos da sociedade e, assim, edifica uma rede institucional voltada exclusivamente para a luta contra a lepra.Essa rede, composta por leprosários, preventórios e dispensários, marcaria e estigmatizaria a vida de todos.

“Defender os sãos e consolar os lázaros” explora, assim, a questão do estigma, onde procurou compreender os acontecimentos, mitos, memórias e tragédias ocorridos com os doentes de lepra durante o período em que o isolamento dos leprosos era uma medida obrigatória no país. Assim, o autor defende que a lepra não era vista apenas como uma doença, mas como uma categoria que combinava perigo infectante, indivíduos indesejáveis e exclusão social. Esta dissertação procurou ainda contextualizar o isolamento dos leprosos no Brasil a partir de um conjunto de práticas discursivas e não-discursivas, buscando esclarecer inclusive o entrelaçamento da filantropia com a medicina e o Estado nas atividades referentes à lepra durante o século XX.

Dessa forma, podemos dizer que o trabalho de Luciano Curi abordou um período em que o doente de lepra era visto de uma maneira diversa de qualquer outro doente. Para o combate da lepra fora criada uma rede institucional própria e a sua profilaxia baseava-se quase que exclusivamente no recolhimento dos acometidos em locais apropriados para esse fim, onde em geral passariam o resto de suas vidas. O autor buscou o contexto em que se tornou possível a prática de reclusão dos doentes no período proposto, que se encontrava revestida de ampla significação social e de inúmeros discursos que postulavam tal procedimento.

Sua pesquisa vai além dos discursos sociais, recuperando também o drama vivido pelos doentes ao serem integrados na rede institucional criada especificamente para eles, com a intenção de eliminar a endemia que assolava o país. Nota-se que a questão do estigma está permeando todo o desenvolvimento do trabalho, como forma inclusive de justificar as políticas implementadas nesse sentido.

Para Curi, o antigo leproso não equivale ao atual hanseniano. Desde a antiguidade até o século XIX, a igreja, a medicina e a população em geral reconheciam a lepra como uma categoria ampla que abrigava uma série de outras doenças dermatológicas, hoje reconhecidamente distintas. Assim, a hanseníase seria apenas o mal biológico e a lepra, além do primeiro, agregaria traços de “uma espécie de ser simbiótico que reúne os traços do fenômeno biológico juntamente com os da cultura”, fenômeno que Foucault chamou de “delirante”.

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É isso!

Fonte
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VÍVIAN DA SILVA CUNHA: “O ISOLAMENTO COMPULSÓRIO EM QUESTÃO. POLÍTICAS DE COMBATE À LEPRA NO BRASIL - 1920-1941”. (Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde, da Casa de Oswaldo Cruz, Fundação Oswaldo Cruz, como requisito parcial para a obtenção do Grau de Mestre. Orientador: Prof. Dr. GILBERTO HOCHMAN). Rio de Janeiro, 2005.

Nota:

O título e a imagem inseridos no texto não se incluem na referida tese.

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