O Nazismo e a Homossexualidade

"Dessa maneira, o Estado totalitário alemão, liderado por Adolf Hitler, detentor da soberania, decidiu quais eram as vidas com valor e aquelas indignas de serem vividas. Os homossexuais faziam parte desse segundo grupo, pois eram considerados seres inferiores, doentes, degenerados. Enfim, perigosos. Portanto, de acordo com essa mentalidade, era necessário que se controlasse tal situação, pois essa “doença” poderia se difundir e “corromper” o império germânico.

A revolução nacional-socialista deseja fazer apelo às forças que tendem à exclusão dos fatores de degeneração biológica e à manutenção da saúde hereditária do povo. Ela almeja, portanto, fortificar a saúde do conjunto do povo e eliminar as influências que prejudicam o desenvolvimento biológico da nação. (AGAMBEN, 2002, p. 154).

Com isso, chegamos aos campos de concentração, que são, portanto, o paradigma biopolítico do moderno, pois seu objetivo último é a dominação total do homem. “Os campos de concentração são laboratórios para a experimentação do domínio total, porque, a natureza humana sendo o que é, este fim não pode ser atingido senão nas condições extremas de um inferno construído pelo homem” (ARENDT apud AGAMBEN, 2002, p. 126).

Justamente porque privados de quase todos os direitos e expectativas que costumamos atribuir à existência humana e, todavia, biologicamente ainda vivos, eles vinham a situar-se em uma zona-limite entre a vida e a morte entre o interno e o externo, na qual não eram mais que a vida nua. Condenados à morte e habitantes do campo são, portanto, de algum modo inconscientemente assemelhados a homines sacri, a uma vida que pode ser morte sem que se cometa homicídio. O intervalo entre a condenação à morte e a execução, assim como o recinto dos lager, delimita um limiar extratemporal e extraterritorial, no qual o corpo humano é desligado de seu estatuto político normal e, em estado de exceção, é abandonado às mais extremas peripécias, onde o experimento, como um rito de expiação, pode restituí-lo à vida (graça ou indulto da pena são, é bom recordar, manifestações do poder soberano de vida e de morte) ou entregá-lo definitivamente à morte à qual já pertence. O que aqui nos interessa especialmente, porém, é que, no horizonte biopolítico que caracteriza a modernidade, o médico e o cientista movem-se naquela terra de ninguém onde, outrora, somente o soberano podia penetrar. (AGAMBEN, 2002, p. 166)

Foucault (1993) ressalta que, se o genocídio é, de fato, o sonho dos poderes modernos, não é por uma volta ao velho direito de matar. É porque o poder se situa e se exerce ao nível da vida, da espécie, da raça e dos fenômenos maciços da população. É o que podemos observar ao analisar o regime nazista, onde foram mortos legitimamente aqueles que constituíam uma espécie de perigo biológico para os outros, a exemplo dos judeus, não-arianos, homossexuais, ciganos, deficientes mentais, entre outros.

Populações inteiras são levadas à destruição mútua em nome da necessidade de viver. Os massacres se tornaram vitais. Foi como gestores da vida e da sobrevivência dos corpos e da raça que tantos regimes puderam travar tantas guerras, causando a morte de tantos homens (FOUCAULT, 1993, p. 149).

Portanto, o poder passou a estabalecer sobre a vida e ao longo de todo o seu desenrolar seus pontos de fixação. Ele desenvolveu-se a partir do século XVII, através de duas formas principais, afirma Foucault: o corpo como máquina – adestramento, utilidade, docilidade –, e o corpo como espécie – corpo como mecânica do ser vivo e suporte dos processos biológicos, que “são assumidos mediante toda uma série de intervenções e controles reguladores: uma biopolítica da população. As disciplinas do corpo e as regulações da população em torno dos quais se desenvolveu a organização do poder sobre a vida” (FOUCAULT, 1993, p. 152).

Retomando o dispositivo da sexualidade, formado pelas técnicas, discursos e ideias que capturam as práticas sexuais em noções normativas, ele é um dos dispositivos mais importantes da grande tecnologia do poder no século XIX, pois é através dele que se realiza o processo de sujeição que leva o indivíduo a vincular-se à própria identidade e à própria consciência e, conjuntamente, a um poder de controle externo, como afirmam Foucault e Agamben.

Através desse dispositivo, vemos, portanto, que o sujeito passa a ser constituído a partir de sua sexualidade. Para Foucault, a questão sobre o que somos, em alguns séculos, levou-nos a colocá-la em relação ao sexo.

A sexualidade é o nome que se pode dar a um dispositivo histórico: não à realidade subterrânea que se aprende com dificuldade, mas à grande rede da superfície em que a estimulação dos corpos, a intensificação dos prazeres, a incitação ao discurso, a formação dos conhecimentos, o reforço dos controles e das resistências, encadeiam-se uns aos outros, segundo algumas grandes estratégias de saber e de poder (FOUCAULT, 1993, p. 116-117).

O filósofo-historiador afirma que esse dispositivo de sexualidade, apesar de ter se desenvolvido primeiro nas margens das instituições familiares (na direção espiritual, na psicologia), vai se recentrando pouco a pouco na família. Aparecem então as seguintes novas personagens:

A mulher nervosa, a esposa frígida, a mãe indiferente ou assediada por obsessões homicidas, o marido impotente, sádico, perverso, a moça histérica ou neurastênica, a criança precoce e já esgotada, o jovem homossexual que recusa o casamento ou menospreza sua própria mulher. São as figuras da aliança desviada e da sexualidade normal (FOUCAULT, p. 121-122).

Dessa forma, no fim do século XIX, o corpo social inteiro foi dotado de um “corpo sexual”. Portanto, era necessário redefinir a especificidade da sexualidade da burguesia, uma linha que serviria de barreira à sexualidade. Assim, essa classe “se atribuiu um corpo para ser cuidado, protegido, cultivado, preservado de todos os perigos e de todos os contatos, isolada dos outros para que mantivesse seu valor diferencial” (FOUCAULT, 1993, p. 135).

Portanto, as novas tecnologias, centradas no núcleo sólido do conjunto perversão-hereditariedade-degenerescência, surgem para maximizar a vida, e não uma renúncia ao prazer ou uma desqualificação da carne. Assim, “ao invés de uma repressão do sexo das classes a serem exploradas, tratou-se, primeiro, do corpo, do vigor, da longevidade, da progenitura e da descendência das classes que „dominavam
” (FOUCAULT, 1993, p. 134). Não houve uma sujeição de uma classe, mas uma auto-afirmação de si mesma.

Foucault afirma:

É pelo sexo efetivamente, ponto imaginário fixado pelo dispositivo da sexualidade, que todos devem passar para ter acesso à sua própria inteligibilidade (já que ele é, ao mesmo tempo, o elemento oculto e o princípio produtor de sentido), à totalidade de seu corpo (pois ele é uma parte real e ameaçada deste corpo do qual constitui simbolicamente o todo), à sua identidade (já que ele alia a força de uma pulsão à singularidade de uma história). (FOUCAULT, 1993, p. 169-170).


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É isso!

Fonte:
TIAGO ELÍDIO: “A PERSEGUIÇÃO NAZISTA AOS HOMOSSEXUAIS: O TESTEMUNHO DE UM DOS ESQUECIDOS DA MEMÓRIA". (Dissertação apresentada ao Instituto de Estudos da Linguagem, da Universidade Estadual de Campinas, para a obtenção do título de mestre em Teoria e História Literária. Orientação do Prof. Dr. Márcio Seligmann-Silva). CAMPINAS, 2010.

Nota:
O título e a imagem inseridos no texto não se incluem na referida tese.

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