“A Igreja Universal do Reino de Deus vem se expandindo rapidamente no campo religioso brasileiro, em especial, segundo alguns autores (Pierucci & Prandi, 1996; Almeida, 1996; Mariano, 1999) a partir do final da década de 1980, quando conseguiu comprar a Rede Record de televisão. Houve uma reação em cadeia contra esse investimento, tanto por parte da mídia escrita quanto televisiva, acusando-a de exploração e comercialização da fé (Campos, 1999).
A organização da Igreja Universal se caracteriza pelo poder centralizado nas mãos do bispo Edir Macedo e pelo uso de métodos de abordagem junto aos fiéis que são constantemente renovados, conforme pudemos verificar no capítulo anterior. Uma das maneiras pelas quais a Igreja Universal ganhou visibilidade no atual cenário religioso brasileiro foi a utilização da mídia, meio pelo qual passou a alcançar um público mais amplo (Campos, 1999; Brasil, 2003).
Dessa exposição nos meios de comunicação resultaram críticas, às quais ainda mais acentuadas às suas práticas monetárias. A especulação sobre seu crescimento não envolve somente o aumento do número de adeptos, mas o volume de dinheiro que arrecada e, também, a forma como este é investido. O montante de dinheiro movimentado pela Universal é considerado exorbitante e inaceitável (Mariano, 2002), uma vez que se trata de uma instituição religiosa e que, portanto, deveria investir em obras sociais e não em fins lucrativos ou promover o enriquecimento pessoal dos seus dirigentes.
A Folha de São Paulo, dia 7.12.2003, apresentou uma reportagem sobre os cultos da Igreja Universal voltados aos empreendedores que desejassem melhorar nos negócios, ressaltando no sub-título da matéria que é preciso “dar para receber”. A transcrição de algumas frases ditas pelo bispo Darlan durante a reunião de uma segunda-feira no 4.º andar do Templo da Fé, em Santo Amaro, zona sul de São Paulo, classifica os pequenos empresários e comerciantes como um alvo fácil desta igreja que prega promessa de prosperidade. Segundo a reportagem, o bispo apontara durante o culto para uma pasta de papelão onde se lia: “Meus projetos para 2004 serão em dólar”. E teria dito: “olha quanta nota, é isso que vai ter na sua vida”. Em outro momento da pregação afirmou que “Deus quer fazer algo grande e, principalmente, que vai entrar dinheiro que nem água”. A reportagem estabeleceu relação entre a presença maciça de pequenos empresários e comerciantes nas reuniões de prosperidade da Igreja Universal e dados disponibilizados pelo SEBRAE (Serviço de Apoio à Micro e Pequenas Empresas) a respeito da perspectiva de fechamento de cerca de 31% das empresas no ano de 2004 no estado de São Paulo. (Folha de São Paulo: 7.12.2003).
Na reportagem, a referência às práticas monetárias da Igreja Universal se restringe ao dízimo. Segundo a mesma, para que o fiel acesse a abundância de Deus precisa ter fé e acreditar nesse Deus que tudo pode. Em seguida, deve-se fazer o sacrifício dando o dízimo - 10% do que ganham - para melhorar de vida. Não foi mencionada nessa reportagem a prática monetária da oferta. Toda a circulação monetária que ocorre no ritual da Igreja Universal foi identificada por meio da categoria “dízimo”. Essa é uma prática aceita pelos praticantes das religiões cristãs. Portanto, a reiteração feita pelo jornalista, que reflete a opinião pública, é à maneira de exigir-se a doação em dinheiro sob a forma de sacrifício.
O sociólogo Leonildo Silveira Campos (1999), sugere que é a mídia a grande responsável por divulgar a imagem da IURD como uma instituição religiosa dominada por um grupo de pessoas que têm por finalidade a “comercialização” pura e simples do sagrado (pág. 190).
Campos verifica que pouco mudou no discurso da imprensa sobre as seitas milagrosas da década de 1950 a 1980. A posição desta - na defesa do povo simples e humilde - é caracterizada pela denúncia daqueles que se encontram à mercê de exploração por “charlatanistas em nome da fé” (pág. 183). Várias matérias jornalísticas produzidas sobre a IURD, nesse período, denunciam o seu enriquecimento “imoral”.
Ricardo Mariano (2002) afirma que quando a Igreja Universal se expandiu na mídia, tornaram-se correntes as críticas às práticas com base em juízos de valor ou de cunho moral. Os estudos acadêmicos também fazem o mesmo tipo de crítica, por vezes pouco se distinguindo das críticas do senso comum.
Mariano analisa a relação das igrejas neopentecostais com o dinheiro, tomando as práticas da Igreja Universal, no que diz respeito aos meios de arrecadação de dinheiro, como objeto de análise. Esse fenômeno religioso, segundo ele, constitui um campo de investigação “complexo, abrangente e relevante”, pelo fato de envolver a questão da transformação de igrejas em empresas lucrativas (Mariano, 2002, pág. 115).
Essa perspectiva de análise não é nova. A identificação dessas igrejas pentecostais “empresas de cura divina” nos termos de Duglas Monteiro, data dos anos de 1970 (Mariano, 2002; pág. 116). Reginaldo Prandi (1996) no texto “Religião paga, conversão e serviço”, investe nessa perspectiva de análise sugerindo que houve mudança de significado da conversão religiosa ocorrida nos últimos anos no Brasil, associando-a à mobilidade social dos conversos. Há hoje uma multiplicidade de escolhas e “ofertas” dos “serviços” prestados pelas igrejas. Prandi considera essa “oferta” sob o ponto de vista das relações de compra e venda efetuadas no mercado, identificando as igrejas como instituições que se apropriam do estilo de “ofertas”, “propaganda” e “linguagem comercial” do mercado. O adepto, por sua vez, é visto como consumidor desses bens e serviços e, também, um investidor, em vista da função das práticas monetárias de que participa nessas igrejas. Essa perspectiva de análise chama atenção para a organização das relações no campo religioso a partir das relações capitalistas de mercado, porém, deixa de considerar a especificidade do sagrado tomando a mercadoria como qualquer outra.
Pierucci (1996) avança a crítica nessa direção sugerindo que o Estado deveria intervir nas negociações entre a igreja e o fiel quando este se sentir lesado ou ludibriado, fazendo assim valer seus direitos de consumidor reconhecidos pelas leis do Estado. Ricardo Mariano (2002) aponta para essa intervenção do Estado como sendo, em tese, uma idéia boa na medida coibiria ações lesivas e ilegais. No entanto, considera que na prática essa ação seria de difícil execução, sob quais bases (em quais provas) se pautariam os poderes públicos se não está em jogo a quebra de contratos formais? (Mariano, 2002; pág. 22).
Leonildo Campos (1999) recusa o conceito de “mercantilização” da religião porque considera esse conceito uma “arma de guerra ideológica ou apologética, que pouco esclarece a eficácia comunicativa da Igreja Universal” (Campos, 1999, pág. 202). Segundo ele, as metáforas do “teatro”, “templo” e do “mercado” permitem ler atividades proselitistas da Universal do ponto de vista da eficácia de sua comunicação. Concentrando-se na análise das estratégias de marketing e na capacidade de persuasão dos pregadores da Igreja Universal, o autor afirma que estas vêm garantindo não apenas a permanência dessa igreja no campo pluralista brasileiro, como também sua expansão ao redor do mundo.
Usando conceitos e perspectivas de análise da área de marketing para compreender as estratégias expansionistas iurdianas, Leonildo Campos (1999) sugere que estes visam satisfazer os “desejos” e exigências do público-alvo desta igreja. Basicamente são duas as maneiras de se registrar os anseios daqueles que procuram os “serviços religiosos” da Igreja Universal: (1) a anotação dos pedidos de oração, pelas telefonistas, que ocorrem durante os programas de rádio e televisão; (2) a transcrição de mensagens escritas pelos próprios adeptos no “livro de orações”, localizado na maioria das vezes em frente ao templo, antes das reuniões. Estas mensagens recolhidas pelos pregadores iurdianos servem para antecipar atitudes, campanhas e reuniões.
Como vimos no capítulo anterior, a organização temporal das atividades proselitistas dessa igreja, em campanhas bimestrais e distribuição dos temas das reuniões nos dias da semana, revela essa permanente comunicação com os adeptos, permitindo uma padronização dos bens religiosos adequados a cada segmento e transformando os participantes do processo em sócios do empreendimento, que lhes oferece rendimentos simbólicos, enquanto a igreja-empresa se capitaliza para investir na sua própria expansão. Campos (1999) aponta para um bem simbólico básico oferecido pela Igreja Universal àqueles que a procuram: o despertar da fé. Essa idéia é acionada em todas as reuniões, ativando-se nos adeptos atitudes positivas como a certeza da vitória e a disposição para lutar e vencer as aflições do cotidiano.
Como fixar o valor das bênçãos religiosas? Segundo Leonildo Campos, a Igreja Universal introduziu no meio religioso a fixação desses valores em base monetária. Mas em lugar de tematizar essa troca, circulação-mercadoria, o que se propaga é que é necessário “sacrificar para Deus” para obter suas bênçãos. A lógica do “sacrifício” foge às regras do mercado. A prática do dízimo é a pedra de toque do processo de monetarização do sacrifício (Campos, 1999; pág.233). Segundo o autor facilita a transação entre as partes, “enquanto esconde, por trás da aparente igualdade de condições, uma fundamental distorção de ‘preços’”. Se os bens religiosos têm por objetivo proporcionar felicidade e bem-estar físico e espiritual, como podem ser taxados em moeda corrente se as relações entre homem e Deus estão fundamentadas na gratuidade do ato de dar e receber?
Como pretendemos demonstrar, na Igreja Universal, o que se esconde daqueles que a freqüentam não é apenas a desigualdade da base de troca na doação do dízimo, mas o principal beneficiado pela prática monetária do sacrifício. Neste ponto não nos distanciamos da análise de Leonildo Campos (1999) e outros autores que reiteram nas suas perspectivas de análises o discurso institucional. Porém, em lugar de imaginar que os adeptos simplesmente “obedecem”, isto é, são “passivos”, pretendemos demonstrar que na prática das doações eles também jogam, manipulam as prescrições da Igreja.
Antes, porém, é preciso entender como essa relação igreja/adeptos é formulada na literatura sobre o tema. O pagamento a Deus é apropriado pela igreja. Como opera o discurso da igreja no escamoteamento da sua participação nas “apostas” feitas com Deus? Nesse contexto é que a mediação do dinheiro se legitima, como forma de “oferta a Deus” e instrumento de continuidade dessa atividade simbólica dos pastores.
O dinheiro é concebido pela Teologia da Prosperidade como meio para a resolução de problemas financeiros, espirituais e pessoais, promovendo a cura das enfermidades do corpo e da “alma”. Mariano (1999) identifica esta relação de troca entre o fiel e Deus, por meio da mediação sacrificial do dinheiro, como regida pelo princípio da reciprocidade, tal como formulado por Marcel Mauss [1925] (2003).
Segundo Ricardo Marino, a Teologia da Prosperidade sustenta que a:
“humanidade foi libertada do pecado original e das maldições da lei de Moisés: enfermidades, pobreza e morte espiritual. (...) No novo pacto estabelecido por Cristo, a fé constitui o elemento fundamental para se alcançar tais bênçãos. Pela fé, os cristãos podem possuir tudo o que determinarem verbalmente em nome de Jesus. Saúde perfeita ou cura de enfermidades, prosperidade material, triunfo sobre o Diabo, uma vida plena de vitória e felicidade, ‘direitos’ dos cristãos anunciados pela Bíblia figuram entre as bênçãos mais declaradas por eles” (Mariano, 1999; págs. 153-54).
Nessa perspectiva, o fiel passa a ter direitos, biblicamente estabelecidos. A Igreja Universal do Reino de Deus sustenta que para alcançá-los e, principalmente, saber mantê-los, é preciso ativar o circuito da dádiva por meio da prática do dízimo e da oferta.”
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É isso!
Fonte:
Tatiana Savrassoff Oliveira: "O Jogo das Dádivas: Considerações sobre a prática da aposta na Igreja Universal do Reino de Deus”. (Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Faculdade de Filosofia, Letras e Artes da Universidade Federal do Paraná como requisito parcial à obtenção do grau de Mestre em Antropologia Social, sob a orientação da Prof.ª Dr.ª Sandra Jacqueline Stoll). Universidade Federal do Paraná. Curitiba, 2006.
Nota:
"Empresas de cura divina"
O título e a imagem inseridos no texto não se incluem na referida tese.
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