O que é comunidade científica?

"Os estudos acerca de uma comunidade científica podem ser desenvolvidos em diferentes áreas de pesquisa, como nos Estudos Sociais da Ciência ou na Sociologia, propriamente dita, na História da Ciência e da Técnica, inclusive nas pesquisas em Ciência Contemporânea, abordando Ciência, Tecnologia e Sociedade, políticas científicas, entre outras.

O termo comunidade científica, do ponto de vista conceitual, foi abordado por Michael Polanyi em Science, faith and society (1946), como república da ciência (republic of science). Nesta obra, Polaniy discutiu os processos intuitivos que colaboram com a ciência, assim como os conhecimentos tácitos fundamentais para a elaboração do conhecimento científico e, segundo o autor, esses processos
e conhecimentos são compartilhados pelos membros da comunidade científica, e estão acima das suas vontades individuais. Além disso, o grupo como um todo, deveria buscar proteção política e econômica, essencial para a sua existência.

Robert Merton (1985) abordou a ciência e a comunidade científica como uma instituição social regida por valores e normas como o universalismo, o ceticismo organizado, o desinteresse e o comunismo, que orientariam a prática científica e, não somente, como um tipo de conhecimento. Esse modelo de funcionamento da ciência institucional recebeu críticas severas em relação ao seu idealismo e distância da realidade. O próprio Merton, no entanto, ampliou o modelo, de modo a considerar o sistema de recompensas como o grande impulsionador da prática científica, que deixaria de ser desinteressada. Os quatro valores essenciais da ciência seriam então preceitos a serem perseguidos, e não um reflexo do funcionamento da ciência enquanto instituição social.

Para Thomas Kuhn (1989), por outro lado, a comunidade científica seria integrada por indivíduos que, além de compartilharem do mesmo paradigma (no seu sentido amplo, um sem número de crenças, valores, técnicas – definidos cognitivamente, que em determinado momento são adequados para a resolução do conjunto de problemas existentes), estariam comprometidos com uma maneira coletiva de se praticar ciência. Em outras palavras, segundo Kuhn, é impossível desenvolver a prática científica de modo solitário. A ciência só existe, se existe uma comunidade científica.

Kuhn, também, trabalha a ideia de que os valores que integram o paradigma seriam definidos e legitimados pelo grupo, ao contrário de Merton que trabalha com valores pré-concebidos, que deveriam ser seguidos pela comunidade científica. Tanto Merton, quanto Khun convergem para a definição da prática científica como um processo direcionado por um conjunto de crenças, princípios e normas (Kropf, 1999). A principal diferença teórica entre esses dois autores é a ênfase dada às origens dessas normas. Para Merton, as normas sociais influenciariam a prática científica de modo mais decisivo; para Kuhn, seriam as normas cognitivas. Porém, segundo Kropf (1999), tais normas não eram excludentes, mesmo porque, toda essa discussão veio a público em uma época em que se tentav
a superar a dualidade das abordagens externalista e internalista, em um contexto no qual, apenas, uma metodologia ou outra já não era suficiente para a discussão da produção do conhecimento científico. Segundo Kropf (1999)53 baseada em Gieryn (1982), entre Merton e Kuhn existia

[...] uma falsa oposição, uma vez que as dimensões orientadoras das ações dos cientistas, ainda que merecendo ênfases diferenciadas nas perspectivas dos dois autores, não são por eles tratadas como excludentes: nem Merton pretendeu que somente as normas sociais afetam a atividade científica nem Kuhn pretendeu que fosse esta influenciada apenas por normas cognitivas.

Acima de tudo, e apesar das diferenças, ambos os autores, Merton e Kuhn, estão sendo abordados no presente trabalho, pois

um aspecto comum que unifica as maneiras pelas quais Merton e Kuhn desenvolvem o tema dos valores é a importância central que ambos atribuem em suas teorias à noção de comunidade científica (Kropf, 1999).

A comunidade científica seria, como disse Kropf (1999), um “subsistema da sociedade”, com uma dinâmica própria, que engloba a interação entre seus integrantes (tanto nas disputas, quanto nos acordos), a distribuição de papéis dentro do grupo, a criação e funcionamento das normas e valores, a divulgação e valorização dos trabalhos, e a origem e natureza das recompensas.

Embora não se limite a isso, tomaremos para este estudo, a concepção mais ampla de comunidade científica como um grupo de cientistas de uma mesma região ou distantes geograficamente, que assumiram o compromisso de atuar dentro de normas construídas socialmente e valores culturais comuns, e que, por consequência apresentarão práticas científicas assemelhadas.

Adiante, ainda neste capítulo, veremos como que através do esforço para a criação de associações científicas e produção de publicações o grupo de naturalistas estudado integrou uma comunidade científica.”

---
É isso!

Fonte:
RACHEL PINHEIRO: “O que nossos cientistas escreviam: algumas das publicações em ciências no Brasil do século XIX”. (Tese apresentada ao Instituto de Geociências como parte dos requisitos para obtenção do título de Doutor em Ciências. Orientadora: Profª. Drª Maria Margaret Lopes). Universidade Estadual De Campinas. CAMPINAS, 2009.

Nota:
O título e a imagem inseridos no texto não se incluem na referida tese.

2 comentários:

  1. Sem incentivo algum, de órgãos governamentais ou privados:

    Desenvolver pesquisas e DESCOBERTAS CIENTÍFICAS no BRASIL, só contando mesmo com total apoio: da INTELIGÊNCIA INFINITA CRIADORA.

    Para saber o porquê, dessa minha afirmação:

    Acesse meu blog:

    http://descobertascientificasavancadas.blogspot.com.br/

    Parabéns pelo excelente site: Iba Mendes.

    ResponderExcluir

Excetuando ofensas pessoais ou apologias ao racismo, use esse espaço à vontade. Aqui não há censura!!!