A definição de VERDADE para Aristóteles

A definição aristotélica de verdade

“No capítulo acima, já obtivemos os elementos necessários para formular a definição aristotélica de verdade. Vimos que a proposição, entendida como gênero, divide-se em afirmativa e negativa e que o critério que estabelece os seus valores de verdade é a correspondência (ou não correspondência) do que é afirmado (ou negado) com o estado de coisas descrito. Dito isso, podemos retirar definição aristotélica de verdade em sua formulação clássica: “dizer do que é que ele não é e do que não é que ele é, é dizer o falso;dizer do que é que é e do que não é que não é, é dizer o verdadeiro”.

E
ncontramos nas Categorias uma passagem especialmente completa e representativa da definição aristotélica de verdade (Cat. 14b16-23):

Se, com efeito, o homem existe, a proposição pela qual nós dizemos que o homem existe é verdadeira e, reciprocamente, se a proposição pela qual nós dizemos que o homem existe é verdadeira, o homem existe. Contudo, a proposição verdadeira não é de modo algum causa da existência da coisa; ao contrário, é a coisa que parece ser, de algum modo, a causa da verdade da proposição, pois é da existência da coisa ou da sua não existência que dependem a verdade ou a falsidade da proposição
(apud BARBOSA FILHO, 2003, p. 234).

Note-se que o texto citado apresenta duas teses, as quais explicitam as bases do que chamaremos logo adiante de necessidade veritativa:

(i) A convertibilidade do ser e do verdadeiro. A convertibilidade vale tanto da proposição à coisa (a voce ad rem), isto é, se uma proposição é verdadeira, o estado de coisas que ela descreve é; como da coisa à proposição (a re ad vocem), isto é, se o estado de coisas é, o enunciado que o descreve é verdadeiro. Poder-se-ia pensar, a partir dessa primeira tese, que há uma equivalência entre o ser e o verdadeiro. Todavia, a segunda tese do texto vem para afastar esse engano.
(ii) Para Tomás de Aquino e Aristóteles o ser é primeiro em relação à proposição. Isso quer dizer que não é a verdade da proposição que é a causa da realidade, mas, o contrário.

A partir disso, podemos chamar a atenção para três características da definição de proposição:

a) Deve-se levar em conta a separação entre os níveis proposicional e ontológico;
b) A prioridade do nível ontológico sobre o lógico ou discursivo;
c) A possibilidade de colocar os dois níveis em correspondência.

Com efeito, podemos retirar um resultado importante da noção de verdade apresentada: a necessidade veritativa. Estabelece-se o seguinte condicional: se uma proposição é verdadeira (ou falsa), então é necessário que o estado de coisas que ela descreve seja tal como ela o descreve. Por exemplo, se a proposição “a neve é branca” é verdadeira, então necessariamente a neve é branca. A necessidade decorre da relação de uma proposição verdadeira (ou falsa) e seu respectivo estado de coisas. Tal concepção de necessidade decorrente da noção aristotélica de verdade terá um papel central no estabelecimento do argumento determinista, na lição XIII do comentário de Tomás.

É patente que, no caso das proposições sobre o passado e o futuro, não pode haver uma correspondência atual com os estados de coisas, pois estes por definição não existem (não existem mais, no primeiro caso; não existem ainda, no segundo). Certamente, o fato de Sócrates ter sido mestre de Platão não existe hoje, mas nem por isso diríamos que a proposição “Sócrates foi mestre de Platão” não é verdadeira. Diríamos apenas que se tratou de um fato da realidade que não é mais atual, que deixou de existir – dele resta-nos apenas nossa memória e os seus efeitos transmitidos até o presente. Certamente, o fato de um estado de coisas ser atual é suficiente para haver correspondência, mas não pode ser necessário.

A noção de correspondência – a qual, como vimos, constitui o núcleo duro da concepção aristotélica de verdade – resultaria claramente problemática se por ela entendêssemos uma espécie de relação simultânea entre proposição e estados de coisas. Porém, o que autoriza Aristóteles e Tomás a dizerem que “Sócrates foi mestre de Platão” é neste momento uma proposição verdadeira, sendo que nem Sócrates nem Platão existem mais para corresponder aos termos da proposição? Solucionar essa aparente tensão, todavia, implica discorrer sobre o status do passado e do futuro, examinando a relação que eles mantêm com os modais “necessário” e “contingente”, mas o desenvolvimento deste ponto pertence por excelência às lições XIII- XV. O que podemos adiantar como solução provisória é que o ponto em questão não deve ser a correspondência atual entre proposições e estados de coisas, mas que eles tenham que estar de alguma forma dados. Se só há comparação entre coisas dadas, então só é possível valorar uma proposição se o critério para isso estiver de alguma forma dado. O passado, assim como o presente, está dado e isso garante que a comparação com a realidade seja possível. Tal compreensão da noção de correspondência ajudar-nos-á a entender por que Tomás pode dizer que as proposições sobre eventos futuros necessários, como a trajetória dos planetas, por exemplo, podem ser verdadeiras ou falsas. Deverá ficar claro, no decorrer de nossa argumentação, em que sentido podemos dizer que os eventos futuros em matéria necessária estão “dados”.


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Fonte:
ANA RIEGER SCHMIDT: “CONTRADIÇÃO E DETERMINISMO: Um estudo sobre o problema dos futuros contingentes em Tomás de Aquino”. (Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Filosofia. Orientador: Prof. Dr. Alfredo Carlos Storck). Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre , 2009.

Nota
:
A imagem inserida no texto não se inclui na referida tese.
As referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.

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