Freud VS Edir Macedo

A interpretação que a IURD faz da possessão
"Para a IURD possessão “é o estado em que uma pessoa é possuída por espíritos imundos” e segundo sua doutrina, os demônios desejam possuir e destruir as pessoas devido ao fato de os seres humanos, que eram inicialmente criaturas menores que eles, terem alcançado a posição que lhes pertencia. Estão condenados ao suplício eterno, não há salvação para eles, entretanto, tentam arrastar o maior número possível de almas para o mesmo fim. Dessa forma, movidos pela inveja e revolta só pensam em se aproveitar e destruir vidas. O que aumenta o problema é que normalmente uma pessoa possessa não se encontra a mercê de apenas um demônio, mas de uma legião deles. No Brasil estes entes são agradados ou cultuados como verdadeiros deuses, principalmente pelos seguidores das religiões afro-brasileiras como a macumba, a quimbanda, o candomblé ou a umbanda, assim como pelo kardecismo e outras ramificações espiritualistas.

A doutrina iurdiana prega que os demônios possuem uma personalidade e querem se expressar. Por isto, procuram corpos para se apossarem e cumprirem seu intento. Dessa forma, orixás, caboclos e guias nunca são realmente bondosos com seus “cavalos”, sempre exigem muito deles e os punem caso não sigam suas ordens. O diabo é o grande responsável por toda essa “armação” cuja finalidade é enganar as pessoas. Muita gente bem intencionada acaba acreditando nos poderes destes entes tornando-se seus escravos. Deus não criou os demônios, criou sim anjos que se rebelaram e se transformaram em demônios. Ele sabia o que iria acontecer depois, mas muniu o homem do livre arbítrio para que este escolhesse entre servir ao Senhor ou ao diabo. O Altíssimo permite que os demônios atuem, mas por meio da palavra do Cristo ensina as pessoas como vencê-los e a Satanás. A luta contra estes seres torna-se importante devido à necessidade de se valorizar a salvação eterna e para testar a fidelidade dos seres humanos. Os demônios são seres muito exigentes em relação aos seus seguidores. Por desejarem a entrega completa do ser deles, interferem de forma intensa na vida dos indivíduos, ditando até mesmo a maneira de se vestirem. Aqueles que almejam abandoná-los são ameaçados e castigados. Nos cultos realizados pela IURD durante a manifestação dos espíritos, os possuídos ficam completamente transformados. Há pessoas que se comportam com extrema agressividade, outras agem como crianças e algumas ficam quietas, como se estivessem mortas.

Alguns demônios possessores, os chamados espíritos enganadores, não se manifestam, mas agem discretamente nas mentes das pessoas. Manifestando ou não, gostam de se alojar na mente porque ali podem causar maiores estragos. Quando se localizam no sistema nervoso tornam a vítima mais vulnerável. Pequenas coisas a irritam, provocando brigas e desavenças que podem terminar em assassinato. Assim, estes espíritos imundos são os responsáveis por inúmeras tragédias, pois um possesso é capaz de realizar coisas terríveis, podendo matar alguém ou fazer com que tire a própria vida. Tudo vai depender do quanto de angústia a queestá sujeito, do número de demônios que se encontram em seu corpo e de como a sociedade o acolhe. O medo é uma poderosa arma que o diabo utiliza para dominar. Pessoas com mania de perseguição, medo de morrer, de serem atacadas, dentre outros, acabam buscando proteção em amuletos e imagens, o que as torna mais miseráveis e doentes. Os demônios têm a intenção de matar (o corpo), roubar (a vida e tudo que ela oferece de bom) e destruir (a natureza divina dos indivíduos e a família). Influenciam os possessos a pensarem fixamente em tirar a própria vida, mas nem todo endemoninhado é suicida, entretanto, todo aquele que deseja realizar ou chega a cometer o suicídio é.

O “desenvolvimento” pregado pelo espiritismo se restringe, segundo a doutrina da IURD, a uma entrega completa da vida nas mãos dos demônios. Quando o “desenvolvimento” chega a um nível agradável aos espíritos, inicia-se uma verdadeira briga entre os guias mais fortes para se possuir a “cabeça” do médium, aumentando o sofrimento deste que passa a sentir fortes dores de cabeça. Enquanto brigam por sua “cabeça” tem início buscas vãs a médicos e calmantes. As dores aumentam a ponto, muitas vezes, de a vítima ir parar em sanatórios ou cometer suicídio. Lugares como sanatórios, presídios, hospitais e manicômios estão repletos de gente possuída. Os demônios só não levam todos os adeptos do espiritismo à loucura porque se assim o fizessem ficariam sem ter quem divulgasse sua doutrina.

Tudo que existe de ruim na face da Terra é obra de Satanás e seus anjos rebeldes. Eles são os causadores dos maiores infortúnios sofridos pelos seres humanos e, portanto, também das enfermidades, porque é o demônio quem lhes dá vida. Esta justificativa é de fácil compreensão, pois, qualquer doença possui um elemento causador que gera o mal. Normalmente este agente causador é um vírus, uma bactéria, um elemento qualquer que ataca o organismo danificando-o. Este ser invisível que provoca tanto estrago nos corpos possui vida, força, mobilidade. Toda essa energia e vitalidade não podem ser obra do Altíssimo que jamais daria vida a algo tão destrutivo. Então a força destes microorganismos só pode ser de responsabilidade do diabo. Entretanto, é bom que se saiba que nem todo doente é endemoninhado. Há pessoas que possuem o espírito da enfermidade, mas nem por isto estão possuídas: “Uma pessoa pode estar cheia do Espírito Santo, mas devido à má alimentação ou a um distúrbio qualquer, ficar enferma”.

A interpretação psicanalítica da possessão
Freud acreditava que um dos motivos para a crença dos seres humanos na ocorrência e influência de entidades como os demônios encontra-se na origem da formação das primeiras sociedades. Os povos primitivos acreditavam na possibilidade de os pensamentos serem capazes de causar estragos ou benefícios, na existência de poderes secretos, na volta dos mortos e na realização imediata dos desejos. Mesmo com o posterior desenvolvimento e a criação de novas crenças, as antigas ainda persistem no interior das pessoas e estão prontas para serem aceitas novamente caso algum indício de sua existência surja. Fenômenos como a crise epiléptica e a loucura sempre provocaram uma certa sensação de estranheza nos indivíduos, pois revelam forças muitas vezes desconhecidas no semelhante, mas que possuem traços tênues de sua existência em regiões longínquas do seu próprio ser e por isto da mesma maneira que a IURD, a Idade Média atribuía a essas doenças a influência do diabo. Na Idade Média as neuroses encontravam-se na origem das histórias de possessão e feitiçaria.

Assim, os histéricos de agora eram os exorcizados e queimados nas fogueiras séculos atrás. Atualmente a histeria apresenta algumas características novas, um pouco diferentes das enfrentadas por Freud no final do século XIX e início do século XX. Entretanto, mesmo com uma roupagem um pouco modificada, ainda mantém características muito semelhantes àquela época.

A principal marca das doenças histéricas é a inexistência de lesão no órgão ou de justificativa para o não funcionamento de determinada função, embora algo de errado esteja acontecendo com parte do corpo. Assim, muitos dos sinais apresentados como estigma da possessão podem ser equiparados e tomados como sintomas histéricos. Para a IURD os principais males sofridos pelos endemoninhado são: medo, a falta de sono, vícios, desmaios ou ataques epilépticos, dores de cabeça constantes, nervosismo, vontade de cometer suicídio, depressão, enxergar vultos ou escutar vozes e sofrer de males de que os médicos não descobrem as causas. A história da psicanálise é marcada por casos de histeria com sintomas parecidos aos apresentados pela IURD como sinal de possessão. Ataques, paralisias, delírios, dores intensas em várias partes do corpo sem danos orgânicos aparentes, ameaças de suicídio, irritabilidade e desmaios. Tudo isto é encontrado na obra de Freud como exemplos de sintomas histéricos tratados por ele.

O sintoma histérico surge como uma maneira de resolver um conflito psíquico. O ego para se defender de uma representação irreconciliável (representação sexual) provoca uma clivagem entre ele e esta representação. A fim de resolver o conflito, surge o sintoma, que no caso da histeria é denominado conversão. O sintoma não pretende realizar uma reconciliação, mas provocar a cisão da representação. Dessa forma, o ego provoca a separação entre esta e o seu afeto (excitação psíquica) para diminuir a força da representação, e a excitação psíquica encontra descarga na inervação somática. A representação incompatível que invariavelmente tem uma conotação sexual se torna inconsciente e o afeto relacionado a ela busca uma descarga no corpo. De qualquer forma, em todos os casos que envolvem um sintoma histérico, “no fim chegamos infalivelmente ao campo da experiência sexual”. É a sexualidade que dá a força impulsora aos sintomas e suas manifestações e, por isto, eles podem ser encarados como “a atividade sexual do doente”.

Uma crise epiléptica tida como sinal de possessão também pode ser a manifestação de uma crise histérica, pois este sintoma permite a descarga de excitação, por meio da via somática, com que o psiquismo não consegue lidar. A histeria pode se adaptar e modificar de acordo com a situação, a fim de conseguir o alívio que seria obtido normalmente em uma descarga sexual. Também os desmaios, tão valorizados pela IURD como marca da possessão: “Uma moça quase perdeu um emprego porque todas as sextas-feiras desmaiava...”, são muito comuns em ataques histéricos, sendo que a perda da consciência, nestes casos, se relaciona aos momentos de clímax ligados ao intenso prazer sexual durante o coito. No caso das dores, normalmente pode-se perceber uma estreita relação simbólica entre a causa determinante e o sintoma histérico. Uma das características deste é sua grande intensidade. As dores mais comuns no dia a dia são normalmente as escolhidas para exercerem uma função na histeria. As dores de cabeça decorrentes de várias fontes diferentes são uma das preferidas. A dor histérica, como as dores de cabeça descritas pela IURD, é sempre de grande intensidade. A ameaça de suicídio, tratada pela IURD como uma forma de os demônios darem cabo às suas intenções de destruir os seres humanos, é uma das formas da pessoa histérica chamar atenção para o seu sofrimento, como no Caso Dora tratado por Freud, em que deixa o rascunho de uma carta em local propício ao acesso dos pais, dizendo seus intentos de tirar a própria vida, pois não a suportava mais.

Ao longo das histórias descritas pela IURD no livro “Orixás, Caboclos e guias” para exemplificar os casos de possessão, pode-se verificar que na grande maioria são as mulheres que manifestam os espíritos. No livro “Orixás, Caboclos e guias” há relatado vinte e sete casos de possessão. Destes, três casos não deixam claro o sexo dos possuídos, mas, dos vinte e quatro restantes, vinte e um são de mulheres, o que remete a história de que normalmente eram elas quem compunham, em sua maioria, o grupo dos perseguidos por estarem possuídos pelo diabo na Idade Média e Moderna. Dentre as características da histeria está a constante insatisfação com a vida, manifestada pelas histórias de sofrimento contadas com muitos detalhes. Sempre queixosa de sua má sorte, utiliza-se de suas mazelas para mobilizar aqueles que estão a sua volta, na tentativa de angariar atenção e afeto. O culto da IURD oferece um palco onde ela pode encenar sua história e um público para assisti-la. Além disso, o ato de falar sobre o sintoma pode servir como meio de descarga de excitação, possibilidade dada pela IURD, que ainda coloca o histérico livre da responsabilidade de seu sintoma, pois os espíritos são os causadores do sofrimento físico. Dessa forma, a manifestação demoníaca acaba por trazer uma série de ganhos aos possessos oferecendo a possibilidade de um alívio físico (descarga de excitação) e psicológico (a culpa é do demônio) que não encontrava, até então, uma maneira de ser alcançado.

Como se pode notar, a instituição aqui estudada fornece todo um arcabouço teórico que justifica os sintomas histéricos, oferecendo uma “psicologia espiritual” capaz de explicar as causas dos males sofridos pelas pessoas. Ela se apóia na idéia de os demônios, associados à falta de dedicação à palavra de Deus, penetrarem nos corpos dos seres humanos e assim efetuarem os estragos à saúde. A IURD prega que Satanás é capaz de criar o espírito da vida que dá existência às enfermidades e que o Pai está completamente isento da responsabilidade de criar elementos que tanto sofrimento causam aos indivíduos. Usa uma linguagem simples, carregada de simbolismos presentes no imaginário das classes populares, o que permite a facilitação da comunicação entre Instituição e adeptos. Assim, é mais fácil para o sujeito identificar em si mesmo o elemento que o prejudica (demônio) e nomeá-lo. Para a psicanálise o que existe são conflitos recalcados que emergem em forma de sintoma. Cada pessoa, em função de sua história individual, vai ter motivos particulares para desenvolver determinado sintoma. Embora estes sejam semelhantes, cada sujeito passa por experiências singulares, responsáveis por sua ocorrência, ou seja, a paralisia histérica de uma pessoa não é causada pelo mesmo motivo que a paralisia histérica de outra e se o for, é por pura coincidência. Mas, para a IURD, todos têm o mesmo motivo como origem do mal, o demônio, o que os torna parecidos uns com os outros, provocando uma identificação coletiva. Dessa forma, o sintoma recebe uma significação sendo simbolizado e muitas vezes desaparece completamente. O grande problema disto é que em função de o sujeito não saber lidar com os motivos inconscientes que estão por trás do sintoma, estes permanecem atuando no aparelho psíquico, provocando o aparecimento de um novo problema. É como se ele vestisse de uma outra roupagem."

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É isso!

Fonte:
Alexandra Iamara de Oliveira Albano: “RELIGIÃO E PSICANÁLISE: O CASO IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS”. (Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciência da Religião como requisito parcial à obtenção do título de mestre. Orientador: Eduardo Gross). Universidade Federal de Juiz de Fora. Juiz de Fora, 2006.

Nota:
O título e a imagem inseridos no texto não se incluem na referida tese.
As referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.

Um comentário:

  1. EU O CONVIDO A IR EM UMA IGREJA UNIVERSAL, PRINCIPALMENTE ÀS TERÇAS E SEXTAS E VOCÊ PODERÁ COMPROVAR SE SUA TESE TEM OU NÃO FUNDAMENTO. DAÍ VOCÊ VERÁ SE É COISA DO PSICO OU ESPIRITUAL. OBRIGADO!

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