Herbert Spencer sob influência de Adam Smith e Thomas Malthus

A INFLUÊNCIA DA ECONOMIA CLÁSSICA
“Como já fora comentado, a influência do pensamento econômico clássico sobre a obra de Spencer é bem conhecida. Spencer nutria grande admiração por Adam Smith (1723-1790), o autor de A Riqueza das Nações (1776), e a sua maior contribuição para o sistema spenceriano foi certamente o desenvolvimento do princípio da divisão do trabalho. Da mesma forma, a leitura do Ensaio sobre o Princípio da População (1798), de Thomas Robert Malthus (1766-1834), levou Spencer a dedicar grande atenção ao assunto. Malthus, neste texto, revela a discrepância entre o crescimento demográfico e a otimização da produção de alimentos.

A população, quando não obstaculizada, aumenta a uma razão geométrica. Os meios de subsistência aumentam apenas a uma razão aritmética. Uma ligeira familiaridade com números mostrará a imensidade da primeira em relação à segunda (Malthus, 1798, p.57).

E generalizando:

Pelos reinos animal e vegetal a natureza tem espalhado amplamente as sementes da vida com a mais profusa e pródiga mão. Ela tem sido comparativamente mais frugal em relação ao espaço e à nutrição para fazê-las crescer. Os germes da existência contidos neste ponto da terra, com farta alimentação e com amplo espaço para se expandir, preencheriam milhões de mundos no decorrer de uns poucos milhares de anos (Malthus, 1798, p. 57).

Dessa forma, Malthus conclui inevitavelmente:

A raça das plantas e a raça dos animais encolhem sob esta grande lei restritiva. E a raça do homem não pode, por nenhum esforço da razão, escapar dela. Entre as plantas e os animais seus efeitos são desperdícios de sementes, doenças e morte prematura. Entre a humanidade, a miséria e o vício (Malthus, 1798, p. 57).

Spencer, em seu artigo “A Theory of Population, deduced from the General Law of Animal Fertility” (1852a), estabelece um contorno interessante para a relação entre fertilidade e evolução, assim como trabalha com o conceito de demanda sobre funções. Neste artigo sugere a existência de um controle de natalidade natural, através de um comportamento sexual cada vez menos promíscuo, de acordo com o de desenvolvimento humano, existência a qual Malthus não considerava como intrínseca ao desenvolvimento intelectual. No entender de Malthus (1789), o homem moderno se entrega ao sexo com a mesma freqüência que no passado. Porém, Spencer fazia ressalvas:

E aqui se deve registrar, que o efeito da pressão da população no aumento da habilidade de manter a vida, e a redução da habilidade de multiplicar, não é um efeito uniforme, mas relativo (Spencer, 1852, p. 499).

O vigoroso ensaio de Malthus parte, segundo ele mesmo, de um argumento desenvolvido por Hume e aprofundado por Adam Smith (Malthus, 1798, p. 55). Isso se deu em resposta à perspectiva otimista sustentada por William Godwin (1756-1836) e pelo marquês de Condorcet (1743-1794), e Malthus não admitia a existência de um equilíbrio natural entre produção e população. Assim, Malthus desiludia os homens tanto no tocante a uma providência divina quanto na crença de que a humanidade conquistaria o bem-estar naturalmente. Mesmo não crendo no maravilhoso mundo do progresso que vislumbravam os iluministas e os herdeiros da revolução francesa, Malthus estruturou um dos pilares do conceito de seleção natural. Através de uma relação matemática, Malthus sustenta o princípio do crescimento desigual entre população e produção de gêneros alimentícios, o primeiro em uma progressão geométrica e o segundo em uma progressão aritmética. Disso, conclui-se que existe uma pressão exercida pelo crescimento das populações, e como conseqüência, segue-se uma competição acirrada pela sobrevivência,ocasionada principalmente pela disputa do alimento cada vez mais escasso.

Spencer aceita perfeitamente o princípio da população de Malthus, assim como sua prova matemática da discrepância entre a oferta de alimento e o crescimento demográfico. Spencer discorda de Malthus no tocante à taxa de fertilidade, defendendo que o grau de fertilidade é inversamente proporcional ao incremento das funções mentais. Dessa forma, sustentando que a humanidade se reproduziria cada vez menos, Spencer toma o partido de Godwin e Condorcet, se afastando do pessimismo malthusiano e agrupando-se aos iluministas na questão da fertilidade.

Analisando a “luta” da classe proletária pela sobrevivência na Inglaterra do século XIX, e ainda debatendo com Malthus, Spencer conclui que:

Para fazer frente às requisições do mercado, o artesão está perpetuamente aperfeiçoando suas máquinas antigas, e inventando novas; e através do estímulo de altas remunerações incitam-se os artesãos a adquirirem maiores habilidades (Spencer, 1852, p. 499).

A pressão populacional infringida sobre os habitantes da ilha neste momento de intensa transformação industrial, no entender de Spencer, levou seus habitantes ao topo da escala evolutiva, ou o mais alto grau de correspondência. Diante destas adversidades, Spencer defendia que os ingleses acabaram por desenvolver hábitos mais disciplinados, principalmente quando comparados com os “selvagens”, dotando-se, cada vez mais, de um poderoso autocontrole, como também de uma dedicação especial às laboriosas responsabilidades do dia-a-dia, em um ambiente, que por sua vez, possuía recursos cada dia mais escassos.

E admitindo isto, não se pode negar que uma posterior continuidade de tal disciplina, possivelmente sob uma forma ainda mais intensa, deve produzir um conseqüente progresso na mesma direção – um conseqüente crescimento dos centros nervosos, e um posterior declínio na fertilidade (Spencer, 1852a, p. 499).

O artigo ainda fornece outros indícios desta conexão do seu pensamento evolucionista com certos conceitos oriundos da economia clássica, aqui especialmente, a teoria da população. Fato relevante ser o artigo do ano de 1852, sete anos antes da publicação de A Origem das Espécies.

Toda a humanidade se torna sujeita, mais ou menos, à conduta disciplinar descrita; eles podem ou não avançar sob ela; mas na natureza das coisas, somente aqueles que avançam sob ela eventualmente sobrevivem. Pois, necessariamente, famílias e raças nas quais esta crescente dificuldade de obter seu sustento que o excesso de fertilidade promove, não estimulam o incremento na produção – ou seja, um desenvolvimento em sua atividade mental – estão na via expressa da extinção; e devem finalmente ser suplantados por aqueles que por tal pressão [populacional] são estimulados (Spencer, 1852a, p. 499-500).

O que esperamos ter explicitado aqui é a dívida do sistema spenceriano, e talvez, de outros naturalistas, entre eles Charles Darwin, para com os teóricos da Economia Clássica. Esta dívida se constrói a partir da incorporação conceitual do princípio da população de Malthus e do conceito de divisão do trabalho desenvolvido por Adam Smith. Darwin, inclusive, se vale do princípio malthusiano explicitamente em A Origem das Espécies.

Esta é a doutrina de Malthus, aplicada aos reinos animais e vegetais inteiros. Como nascem muito mais indivíduos de cada espécie, do que podem possivelmente sobreviver; e como conseqüentemente há uma luta pela existência freqüentemente
recorrente, segue-se que qualquer ser, se ele varia mesmo que minimamente de qualquer modo que lhe seja favorável, sob as complexas e em alguns casos, cambiantes condições de vida,terá uma melhor chance de sobreviver, e assim ser naturalmente selecionado (Darwin, 1872, p. 4).”

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É isso!

Fonte::
Daniel Cerqueira Baiardi: "Conhecimento, Evolução e Complexidade na Filosofia Sintética de Herbert Spencer". (Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação em Filosofia do Departamento de Filosofia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, para obtenção do título de Mestre em Filosofia sob a orientação do Prof.Dr. Osvaldo Pessoa Jr.). Universidade de São Paulo - USP. São Paulo, 2008.

Nota:
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