O Teísmo de Jean- Jacques Rousseau.

“O tema religião se mostra muito relevante no pensamento de Rousseau, na medida em que reconhece a importância da religião para a prática da boa moral, e como uma espécie de controle das paixões humanas. Conforme ele afirma nas notas de rodapé da Profissão de Fé, ao se referir a questão do juízo final pregado em diversas religiões como forma de castigo ou recompensa as ações humanas, e por haver castigo, inibe os homens das más ações, conseqüentemente se mostram mais eficazes do que as leis morais, como lemos neste trecho: “Filósofos, tuas leis morais são muito bonitas, mas mostra-me, por favor, a sanção que elas têm. Pára um momento de dar voltas e diz-me claramente o que colocas no lugar do Poul-Serrbo” (ROUSSEAU, 2004, p.449). Apesar disso, Rousseau não propõe uma forma de religião que tenta inibir as ações e sentimentos humanos pelo fanatismo.

Se para o autor é necessário que o Estado possua uma religião, é preciso então identificar qual é a mais adequada a ele. Ele concluirá que a proposta religiosa mais benéfica ao Estado é a religião civil, que compreendemos como parte do teísmo; pois a religião civil é fundamentada nos preceitos teístas. Seus dogmas incentivam a adoração natural a Deus, à prática da boa moral, além de banir do estado a intolerância religiosa.

Assim, é preciso então compreendermos o conceito de teísmo no pensamento de Rousseau, em toda a sua totalidade. Ao lermos a Profissão de Fé e o capítulo da Religião Civil do Contrato Social, percebemos que o teísmo é conceituado pelo filósofo, nessas obras, de maneiras distintas, mas que se completam em um sentido geral. No Contrato Social, ele a define como religião civil, e a conceitua como:

(...) uma profissão de fé puramente civil cujos artigos compete ao soberano fixar, não precisamente como dogma de religião, mas como sentimentos de sociabilidade, sem os quais é impossível ser-se bom cidadão ou súdito. (ROUSSEAU, 2005, p. 134)

A religião civil é puramente moral e não é constituída em forma de instituição religiosa. Por mais que se admita a existência de Deus, não se percebe a necessidade de se estabelecer rituais para cultuá-lo. Deus é reconhecido enquanto divindade poderosa, entretanto, para reconhecê-lo como tal, também não há a necessidade da existência de templos e organização hierárquica. Por ser uma religião civil, ela fica sob a responsabilidade do soberano. Isso porque o que essa religião pretende é estabelecer no Estado os preceitos de sociabilidade, liberdade, a conservação e a pratica da boa moral e adoração natural a Deus; além de impedir a prática da intolerância religiosa.

Mas por que a proposta de uma nova forma de religião ao Estado, em detrimento das outras? Podemos perceber em toda a filosofia rousseauísta a necessidade da preservação da liberdade, sendo ela o principal de todos os direitos naturais e que deve prevalecer no Estado, todavia como uma liberdade civil;

Sendo a liberdade um dom recebido da Natureza em virtude de sua qualidade de homens, não tem seus pais o menor direito de os despojar; de sorte que, se para estabelecer a escravatura foi preciso praticar violência contra a natureza (...).(ROUSSEAU, 2005, p. 196.)

Rousseau concebe a liberdade como algo imanente ao homem, é da natureza humana ser livre, conforme citação acima retirada do segundo Discurso no momento em que o autor questiona a escravatura, e a julga como uma violência à natureza humana. “O homem nasce livre e a toda parte se encontra sob ferros” (ROUSSEAU, 2005, p. 21). E nesse contexto o autor entende em seus estudos que as religiões históricas constituídas conduzem a prática da intolerância religiosa, que é uma negação da liberdade, de uma condição essencial do homem. Dessa forma a religião civil parece ter como principal objetivo eliminar do Estado a possibilidade da prática de dogma que ele denomina como negativo.

Rousseau se mostra contrário às instituições por julgar que as mesmas conduzem ao dogma negativo. A instituição católica se fundamenta na revelação e se apresenta como intermediária entre Deus e os homens, ensinando por meio de rituais como servir a Deus; não sendo dessa forma possível cultuar Deus sem passar pela autoridade dos sacerdotes, eles seriam como representantes da divindade na terra, “(...) dizem-me que era preciso uma revelação para ensinar aos homens a maneira pela qual Deus deveria ser servido” (ROUSSEAU, 2004, p.420). O que para Rousseau não passa de uma “má” interpretação da revelação feita pelos teólogos da igreja. Aquele que não serve aos padres não pode servir a Deus. O homem nascido em outra cultura, que professa outra religião não alcançará a salvação. Todavia a doutrina católica pode parecer verdade aos seus fieis, mas a outros não, como vemos no capitulo Da Religião Civil.

A Igreja Católica por ser hierarquicamente organizada, assim como o Estado, compete pela lealdade dos cidadãos, “Tudo que rompe a unidade social nada vale; todas as instituições que põem o homem em contradição consigo mesmo não servem para coisa alguma” (ROUSSEAU, 2005, p.130). Os cidadãos que se professam católicos passam a ter dois soberanos, a Igreja e o Estado, devendo servir a ambos. Isso provoca uma divisão no homem, ele passa a ser cidadão e fiel. Conseqüentemente não irá cumprir integralmente seus deveres de fiel e cidadão. Todos os atos dos fieis devem estar em acordo com as normas do clero, mesmo que estejam em contradição com os deveres de cidadão. Entretanto, mesmo católicos, esses homens não deixaram de serem cidadãos, devendo necessariamente cumprir com os deveres decretados pelo seu soberano. E esses deveres podem estar e contradição com os da sua religião, como por exemplo, em caso de guerra.

A instituição religiosa não tolera aquele que não a professa. A igreja se afirma como única entidade verdadeiramente santa; assim como as demais instituições religiosas, cada qual com sua revelação acreditam ser a intermediária entre Deus e os homens. Segundo Rousseau se submetermos às revelações a um exame racional e da consciência, chegaríamos à conclusão de que os dogmas dessas religiões são obscuros e não levam a adorar a verdadeiramente Deus.

Considerava essa diversidade de seitas que reinam na terra e se acusam mutuamente de mentira e de erro e perguntava: Qual delas é a certa? Cada qual me respondia: É a minha; cada qual dizia: Só eu e meus partidários pensamos corretamente; todos os outros estão errados. E como sabeis que vossa seita é a certa? Por que Deus o disse. E quem vos disse que Deus o disse? Meu pastor, que o sabe. Meu pastor disse-me para crer nisso e eu creio; ele me garante que todos os que dizem coisa diferente mentem, e eu não lhes dou ouvidos. (ROUSSEAU, 2004, p. 421)

Ele nos explica que a escolha de uma religião não é racional, mas pode ser cultural ou territorial. Se nascermos em um país católico herdaremos a religião de nosso país ou de nossos pais, o mesmo ocorrerá com quem nasce em um país protestante; ou seja, dizer que um culto está errado traz conseqüências terríveis para aquele que o professa, isso é um erro, pois esse fiel não escolheu essa ou aquela religião, mas ela foi imputada a ele desde o nascimento, logo não possuiu culpa alguma. Deus não julgaria mal um inocente, pois ele é justiça. Por isso não se pode saber qual religião é a correta. Contudo somos dotados de consciência e razão, que nos capacita, a saber, o certo e o errado, e se submetermos as religiões a essas faculdades, verificaremos o quanto obscuros e conseqüentemente absurdos são todos os rituais; além disso, Deus não requer rituais, mas a adoração pura vinda do coração.

É ter uma vaidade muito louca imaginar que Deus tenha um interesse tão grande pela forma da roupa do padre, pela ordem das palavras que ele diz, pelos gestos que faz no altar e por todas as suas genuflexões. Ah! meu amigo permanece com toda a tua altura e continuarás bem perto da terra. Deus quer ser adorado em espírito e em verdade (ROUSSEAU, 2004, p.420).

Se as religiões históricas não são adequadas ao Estado, Rousseau propõe então o teísmo como à única religião que só trará benefícios ao Estado e será responsável pela boa moral da sociedade. Contudo o conceito dessa religião é de difícil definição, pois pode ser considerado como uma religião civil, pois essa é uma espécie aplicabilidade do teísmo; como o cristianismo primitivo, pois o Deus de Rousseau é o mesmo Deus cristão, conforme mostraremos com mais clareza no decorrer dessa reflexão; e ainda pode ser entendida como religião natural, aquela cujo a adoração a Deus vem do coração; todas elas formam o conceito de teísmo.

Nesse contexto, um dos princípios fundamentais do teísmo pode ser resumido nessa frase: “Deus quer ser adorado em espírito e em verdade” (ROUSSEAU, 2004, p.420), nesse sentido, a religião dos evangelhos ou cristianismo é aquela que apresenta o culto mais puro a Deus, “(...) é a pura e simples religião dos Evangelhos, o verdadeiro teísmo, e o que se pode denominar de direito divino natural” (ROUSSEAU, 2005, p.129). O cristianismo primitivo é uma religião totalmente espiritual, descrita nos evangelhos, que se constitui sem a necessidade de uma organização institucional hierárquica. Ela também é chamada de “religião do homem” e é baseada numa moral que tem como princípio fundamental à adoração a Deus. Para o genebrino, ela é uma religião santa de caráter universal, que reconhece todos como irmãos, como filhos de Deus. Assim, a religião do homem também pode ser concebida como teísmo.

Contudo, mesmo afirmando ser essa o verdadeiro teísmo, Rousseau também apresenta criticas a religião do homem. Para ele, ela é positiva enquanto culto puro ao divino, e por isso santa.

(...) a religião do homem ou cristianismo, não o de nossos dias, mas o dos Evangelhos, que é de todo diferente. Por essa religião sagrada, sublime, verdadeiramente, os homens, filhos do mesmo Deus, se reconhecem todos como irmão, e a sociedade que os une não se dissolve, nem na morte. Mas essa religião, não tendo nenhuma relação particular com o corpo político, deixa entregue às leis a única força que de si mesmas tiram, sem lhes acrescentar nenhuma outra; e, devido a isso, um dos grandes laços da sociedade particular fica sem efeito. Ainda mais, ao invés de unir os corações dos cidadãos ao Estado, ela os afasta, como, aliás, de todas as coisas terrenas. De minha parte, nada conheço mais contrário ao espírito social (ROUSSEAU, 2005, p.129).

Rousseau reconhece que ela estipula valores que são positivos, como por exemplo, a honestidade, a bondade natural. Contudo, a pureza dessa religião desenvolve uma espécie de inocência que é nociva ao Estado. O cristão não tem interesse nas questões sociais, e por mais que possa cumprir seus deveres de cidadão, ele não deseja a felicidade terrena, a liberdade e ordem social, sua atenção está voltada unicamente para a adoração divina e a conquista da salvação espiritual."

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É isso!


Fonte:
LUCIANA XAVIER DE CASTRO: "RELIGIÃO EM ROUSSEAU: A PROFISSÃO DE FÉ DO VIGÁRIO SABOIANO". (Dissertação apresentada ao programa de Pós- graduação em Filosofia da Universidade Federal de Uberlândia, como requisito parcial para a obtenção do título de mestre em Filosofia. Área de concentração: Filosofia Moderna e Contemporânea Linha de Pesquisa: Ética e Conhecimento Orientador: Prof. Dr. Luiz Felipe Netto de Andrade e Silva Sahd). Universidade Federal de Uberlândia. Uberlândia, 2010.

Nota:
A imagem inserida no texto não se inclui na referida tese.
As referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.

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