Malthus, Darwin e Marshall

“Desde o final do século XVIII, com os escritos de Adam Smith, tem início a formulação de teorias com caráter científico – mesmo que com um ar filosófico - que tinham o objetivo de explicar a produção, distribuição e consumo de produtos. A partir daí, diversos autores, como David Ricardo, Thomas Malthus, Stuart Mill ou mesmo Karl Marx, passaram a sustentar suas teses políticas em modelos analíticos econômicos, principalmente, a respeito dos mecanismos e leis da acumulação capitalista.

As opiniões se diversificaram, algumas tornaram-se realmente opositoras. No século XX, os acontecimentos históricos reais favoreceram uma ou outra quase que em movimento pendular. Cada tempo histórico possuiu um pensamento convencional que se sobrepôs aos outros, mesmo que por pouco tempo. (FIORI, 2000)

No século XIX até o início do século XX, o pensamento convencional foi o laissez-faire. Neste período, as pessoas responsáveis nos países industriais acreditavam em uma doutrina muito simples: mercados livres e moeda estável. Se você acertasse essas coisas, a economia cuidaria de si mesma. O laissez-faire foi essencialmente a visão do “livre mercado”, no sentido de que o funcionamento da economia deveria ser deixado a cargo da “mão invisível” (ações individuais levariam ao bem-estar social).

Como exemplo das teorias econômicas que surgiram neste período de laissez-faire – foram selecionadas aquelas com maior potencial explicativo do objeto de estudo – o economista inglês Alfred Marshall (1988) publicou no final do século XIX, mais precisamente em 1890, o livro “Princípios de Economia”, que tem um capítulo especial sobre as externalidades das localizações industriais especializadas.

Marshall (1988), da mesma maneira que Porter (1990), apreciava o pensamento de Ricardo (1974), assim como exposto em sua obra-prima: “linha
de pensamento iniciada por comerciantes medievais e continuadas por filósofos franceses e ingleses na última metade do século XVIII (...) Ricardo e seus seguidores desenvolveram a teoria da ação da livre iniciativa (ou, como diziam, da livre concorrência), a qual continha muitas verdades que provavelmente terão valimento em todos os tempos”. (MARSHALL, 1988, p.22)

O Livro Quarto de Princípios de Economia possui dois capítulos que muito inspiraram o pensamento de Michael Porter. No capítulo VIII, intitulado “Organização Industrial”, Marshall explicou que as raças capazes de sobreviverem à pressão do aumento de população sobre os meios de subsistência o fariam por meio da organização, tirando “todo o proveito possível dos recursos existentes nos lugares em que vivem”. (MARSHALL, 1988, p. 203)

Ele desnudou a relação entre organização industrial, raciocínio econômico, e sobrevivência do mais apto (princípio biológico). As diferenças de organização, para Marshall, separariam animais superiores dos inferiores, compreensão alcançada primeiro pelos biólogos. Neste caminho, o autor inglês reconheceu o legado de Adam Smith (1974) na inserção da idéia de organização na Economia por meio da teoria das vantagens econômicas provenientes da divisão do trabalho.

Para Marshall (1988), a organização industrial, seja para usufruir das economias externas ou internas, por meio da subdivisão de funções, seria a chave para se entender na Economia o que a Biologia já havia diagnosticado: os seres superiores altamente especializados é que teriam aptidão para vencer
na luta pela vida.

(...) o ensaio histórico de Malthus sobre a luta pela vida levou Darwin a pesquisar sobre o efeito que essa luta pela vida exercia sobre o mundo vegetal e animal, daí resultando a descoberta da influência seletiva que essa luta sempre exerceu. Desde então a biologia já pagou, com juros, a sua dívida, e os economistas, por sua vez, se aproveitaram muito das analogias, numerosas e profundas, que foram descobertas entre a organização social, especialmente a industrial, de um lado, e a organização física dos animais superiores, de outro. É certo que, em alguns poucos casos, essas analogias aparentes desapareceram ao serem examinadas mais detidamente; porém, muitas das que, a princípio, pareciam meras fantasias, foram pouco a pouco completadas por outras, e acabaram por justificar sua pretensão de servir de exemplo à unidade de ação fundamental que existe entre as leis da Natureza no mundo físico e no moral. Essa unidade central se exprime na regra geral, que não comporta grande número de exceções, que diz que o desenvolvimento de um organismo, seja físico ou social, envolve uma
crescente subdivisão de funções das suas diferentes partes, ao mesmo tempo que aumenta a conexão íntima que existe entre elas. (MARSHALL, 1988, p. 203)

Charles Darwin (2005), naturalista inglês, ficou notório pela exposição do conceito de seleção natural, no qual as formas de vida participariam de um processo lento de desenvolvimento. O processo gradual de aperfeiçoamento mediante a conservação dos melhores indivíduos ocorreria devido à luta pela vida. Este princípio, pelo qual toda ligeira variação, se fosse útil, conservava se,
foi chamada por Darwin de seleção natural. Darwin (2005) aplicou o raciocínio de Thomas Malthus (1996a), economista inglês, aos animais e às plantas, e em 1838 tinha já um esboço da Teoria da Evolução por meio da Seleção Natural.

A seleção natural atuaria exclusivamente mediante a conservação e acumulação de variações que fossem proveitosas, nas condições orgânicas e
inorgânicas a que cada ser vivente estaria submetido em todos os períodos de sua vida. O resultado final seria que todo ser tenderia a aperfeiçoar-se mais e mais, em relação com as condições. Este aperfeiçoamento conduziria inevitavelmente ao progresso gradual da organização dos seres vivos. A teoria da evolução por seleção natural de Darwin (2005) tratava essencialmente que, devido ao problema do fornecimento de alimento descrito por Malthus (1996a), as crias nascidas de quaisquer espécies competiriam intensamente pela sobrevivência. As que sobrevivessem dariam origem à próxima geração, que por sua vez incorporaria variações naturais favoráveis – por mais sutis que essas pudessem ser -, e estas variações passariam de maneira hereditária à prole. Portanto, cada geração melhoraria sua adaptabilidade com relação às gerações precedentes, e este processo gradual e contínuo seria a causa da evolução das espécies. A seleção natural, como se acaba de observar, conduziria à divergência de características e à extinção das formas orgânicas menos aperfeiçoadas. Além disso, a Biologia tomava por organismos de organização superior os que apresentassem maior intensidade da diferenciação e especialização dos diferentes órgãos, portanto, a acumulação de variações realizada pela seleção natural tenderia à especialização.

É esta doutrina de Malthus aplicada ao conjunto dos reinos animal e vegetal. Como de cada espécie nascem ainda mais indivíduos dos que podem sobreviver, e como, em conseqüência disso, há uma luta pela vida, que se repete frequentemente, segue-se que todo ser, se varia, por débil que esta possa ser, de algum modo proveitoso para ele sob as complexas e às vezes variáveis condições da vida terá maior probabilidade de sobreviver e de assim ser naturalmente selecionado. Da rápida progressão em que tendem a aumentar todos os seres orgânicos resulta inevitavelmente uma luta pela existência. Todo ser que durante o curso natural de sua vida produz vários ovos ou sementes tem de sofrer destruição durante algum período de sua vida, ou durante alguma estação, ou de vez em quando em algum ano, pois, de outro modo, segundo o princípio da progressão geométrica, seu número seria logo tão extraordinariamente grande, que nenhuma região poderia suprir suas necessidades de alimentação. Consequentemente, como se produzem mais indivíduos que os que podem sobreviver, tem que haver em cada caso uma luta pela existência, já de um indivíduo com outro de sua mesma espécie ou com indivíduos de espécies diferentes, já com condições físicas de vida. Esta é a doutrina de Malthus, aplicada com duplo motivo, ao conjunto dos reinos animal e vegetal, pois neste caso não pode haver nenhum aumento artificial de alimentos, nem nenhuma limitação prudente pelo casal. (DARWIN, 2005, p.
21)

Em Thomas Robert Malthus (1766-1834), a discussão que levaria à teoria da seleção natural começou com a questão geral sobre as conseqüências da relação entre a população e os meios de subsistência. Partindo de duas leis fixas - que o alimento seria necessário para a existência do homem e que a paixão entre os sexos seria necessária e que permaneceria aproximadamente em seu atual estágio – o economista inglês concluiu que o poder de crescimento da população seria indefinidamente maior do que o poder que tem a terra de produzir meios de subsistência para o homem. Por isso, a prosperidade estaria ligada ao grau em que o aumento anual de alimento se aproximasse ou distanciasse do crescimento anual da população. Além disso, Malthus (1996a) desconfiava da capacidade ilimitada de “aperfeiçoamento” do Homem, embora reconhece-se que as dificuldades da vida contribuiriam para criar talentos. Em vez de acreditar na habilidade humana de transformar constantemente os meios que lhe proporcionariam a subsistência preferia pregar a redução no crescimento da população. A equação que envolve crescimento populacional e meios de subsistência engendrada por Malthus (1996a), que inspirou Darwin (2005), sugere algumas suposições. Para solucionar o impasse, pelo menos do ponto de vista teórico, ou se reduz o crescimento populacional, seja via escolha individual ou por ato de força emanado de uma fonte de poder coercitivo, ou os seres humanos deveriam tornar-se obcecados por inovação tecnológica, que poderia revolucionar constantemente os meios de produção de nossa sociedade e garantir a perpetuação da espécie. A primeira se parece mais com o que foi sugerido por Malthus (1996a) e a segunda opção traz muitas respostas dentro do porterismo.

Porter (1990), assim como Marshall (1988), ao analisar as condições que levam as nações ao sucesso ou ao fracasso, estabeleceu uma analogia entre a competição entre empresas e a evolução biológica. Ao estabelecer as bases da vantagem competitiva presente nos clusters, metaforicamente, PORTER (1990) utilizou os termos “habitats” e “espécies mais aptas e flexíveis”, além de outros que nos remetem à Biologia e à Teoria da Evolução. Estas são algumas das raízes das preocupações científicas no século XIX, e consequentemente, motivou o pensamento de Marshall (1988) ao construir seu edifício teórico, sobretudo, sobre a organização industrial. A preocupação de Marshall, enquanto economista, seria entender como a organização industrial utilizaria da melhor maneira possível o meio ambiente para os seus próprios fins, assim como a atenção do biólogo, segundo a lei da sobrevivência dos organismos mais aptos, seria estudar a forma como os organismos mais capazes sobreviveriam à luta pela vida por aproveitarem as vantagens que o meio oferecia.

Para não restar dúvidas sobre as profundas relações entre a Economia e a Biologia, Marshall (1988) explica alguns dos princípios que norteariam o desenvolvimento econômico: “pela aplicação de princípios eugênicos à melhoria da raça, suprida de contingentes populacionais pelas camadas mais altas antes do que pelas mais baixas, e por uma educação apropriada às faculdades de ambos os sexos”. (MARSHALL, 1988, p. 209) No capítulo X de Princípios de Economia (1988), intitulado “Organização Industrial – concentração de indústrias especializadas em certas localidades”, Marshall (1988) analisou as externalidades da chamada “indústria localizada”. Inicialmente, enumerou as condições locais que atrairiam as indústrias, quais sejam: natureza do clima e do solo, existência de minas e de pedreiras nas proximidades, fácil acesso por terra ou mar ou o patrocínio de uma corte. Em seguida, descreveu as características da indústria localizada que favoreceriam o seu desenvolvimento: procura por parte dos cidadãos de mercadorias de qualidade excepcionalmente alta (demanda qualificada), atração de operários especializados (atração de fatores) – que auxiliam na educação dos trabalhadores locais e no fomento de empresas correlatas. Estes mesmos fatores continuariam válidos atualmente. Uma leitura acurada destes capítulos do livro de Marshall já nos anteciparia 3 faces do que seria o “diamante” de Porter (1990) no final do século XX: condições de fatores e de demanda e setores correlatos e de apoio.

(...) os segredos da profissão deixam de ser segredos,e, por assim dizer, ficam soltos no ar, de modo que as crianças absorvem inconscientemente, grande número deles”; aumenta a discussão de inventos e melhorias na maquinaria, nos métodos e na organização geral da empresa. Se um lança uma idéia nova, ela é imediatamente adotada por outros, que a combinam com sugestões próprias e, assim, essa idéia se torna uma fonte de outras idéias novas. Acabam por surgir, nas proximidades desse local, atividades subsidiárias que fornecem à indústria principal instrumentos e matérias-primas, organizam seu comércio e, por muitos meios, lhe proporcionam economia de material. (MARSHALL, 1988, p. 226)

Marshall (1988) argumentou que havia três razões principais pelas quais um grupo de firmas seria mais eficiente que uma firma individual: a habilidade do grupo em manter fornecedores especializados; a indústria geograficamente concentrada permitiria um mercado comum de trabalho; e uma indústria geograficamente concentrada ajudaria a transbordar o conhecimento.”

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É isso!

Fonte:
BRUNO ALENCAR RODRIGUES: “PENSAMENTO LIBERAL: DA VANTAGEM ABSOLUTA À COMPETITIVA”. (Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Planejamento Territorial da Universidade Católica de Goiás como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Desenvolvimento e Planejamento Territorial. Orientador: Prof. Dr. Luis Estevam). Universidade Católica de Goiás. Goiânia, 2009.

Nota:
O título e a imagem inseridos no texto não se incluem na referida tese.
As referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.

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