A influência de Darwin e Feuerbach sobre Freud

“Dentre os inúmeros nomes ligados ao iluminismo e que exerceram forte influência sobre Freud, podemos mencionar alguns: Spinoza, Voltaire, Diderot, Darwin , Feuerbach, todos pensadores que já haviam se dedicado ao estudo do fenômeno religioso. Dentre esses, destacamos dois especificamente; Darwin e Feuerbach. Em 1859, Darwin publica A evolução das espécies, com seus estudos sobre a seleção natural e sobre a teoria da evolução, que colocaram em cheque a doutrina religiosa, a qual explicava o universo e tudo que nele habita, como uma criação divina.

O evolucionismo além de ser uma teoria científica revolucionária, foi alçado como um estandarte na luta contra o conservadorismo religioso, ao assestar duros golpes contra doutrinas tradicionais
como as da providência divina ou da bondade intrínseca da criação (DRAWIN, 2005, p.45)

A teoria de Darwin questionou as concepções mais arraigadas sobre a criação, especialmente aquela exposta no conhecido livro do Gênesis. Podemos constatar a influência darwiniana, nos escritos de Freud, especialmente no seu livro Totem e Tabu, onde utiliza o mito da horda primitiva, inspirado cientificamente por Darwin, para compreender as raízes mais arcaicas do sentimento religioso. Freud explicitamente confessa a grande admiração que tinha por Darwin.

Já Feuerbach, cujo pensamento filosófico foi marcado pelo interesse por Deus e pela religião, causou grande impacto em Freud. A seu respeito, ele declarou ao seu amigo Silberstein em 1875, "entre todos os filósofos este é o homem que mais venero e admiro" (GAY, 1989, p. 43). Não é de estranhar que nutrisse tamanha admiração por Feuerbach, afinal a essência da sua filosofia consistia em afirmar que toda manifestação religiosa não passava de uma ilusão; sendo que Deus não criou o homem, foi o homem que criou Deus. Para Feuerbach, toda consciência que o homem tem de Deus nada mais é do que a consciência de si mesmo. Não é, pois, de estranhar que defina religião como "o conjunto de relações do homem consigo mesmo, ou, melhor, com o próprio ser, considerado como um outro ser" (NICOLA, 2005, p. 367). Em sua obra mais importante, "A essência do Cristianismo", publicada em 1845, Feuerbach expõe a relação da imagem de Deus com o intelecto humano; "como pensas Deus assim pensas a ti mesmo" (FEUERBACH, apud NICOLA, 2005, p.368). Ainda sobre o pensamento desse filósofo Marilena Chauí resume:

No século XIX, o filósofo Feuerbach criticou a religião como alienação. Os seres humanos vivem, desde sempre, numa relação com a natureza e, desde muito cedo, sentem necessidade de explicá-la e o fazem analisando a origem das coisas, a regularidade dos acontecimentos naturais, a origem da vida, a causa da dor e da morte, a conservação do tempo passado na memória e a esperança de um tempo futuro. Para isso, criam os deuses. Dão-lhes forças e poderes que exprimem desejos humanos. Fazem-nos criadores da realidade. Pouco a pouco, passam a concebê-los como governantes da realidade, dotados de forças e poderes maiores dos que os humanos. (CHAUI, 2003, p.264)

Eis, portanto, a síntese da construção filosófica de um dos pensadores, cuja influência sobre o estudo freudiano do fenômeno religioso, é inegável. Veremos, posteriormente, como a construção freudiana acerca das ilusões religiosas se assemelha a essa postura de Feuerbach.

Desse modo, entendemos que é exatamente no período em que Freud se debruça sobre a elaboração da teoria psicanalítica que explode, sob a pressão do Iluminismo, o movimento humano de libertação das amarras religiosas. É aqui que o apogeu da ciência positivista declara a inexistência de um ser superior e põe em cheque qualquer crença que se oponha aos seus parâmetros. Sendo assim é atribuída à religião uma significação de origem repressora, aprisionadora e até castradora. O simples ato da crença passa então a ser percebido enquanto um
empecilho ao desenvolvimento da razão e, conseqüentemente à construção científica. As respostas para os mais diversos enigmas da vida, que durante a Idade Média, eram buscadas e encontradas no contexto místico-religioso, são agora dependentes da luz da razão, cabendo ao homem responder a tudo. Sendo assim a religião passa a ser vista sob a perspectiva crítica: deixava o homem em total ignorância e impedia o avanço científico e tecnológico. A respeito dessa crítica Eugenio Trias (2000, p:113) analisando o papel da razão iluminista, escreve: "A religião, na medida em que é cobaia da razão, é conduzida até o tribunal da ciência, da razão (ou da genealogia da vontade de poder), com o objetivo de ser examinada, interrogada, experimentada e questionada".

E prossegue em sua análise: Toda a riqueza e variedade da experiência religiosa e dos “jogos lingüísticos” por ela promovidos é então reconduzida, seguindo sua inconsciente verdade, até essa via de mão única que, de maneira autoritária, se estabelece em tais discursos da razão exclusiva. (op.cit.)

Os ideais iluministas, sem dúvida, fizeram parte da formação do cientista Freud, instigaram-no para a pesquisa, sendo que suas marcas e indícios parecem estar presentes em toda sua obra. Conforme Drawin (2005, p.36) "a influência cientificista na formação e na obra de Freud salta aos olhos". Tamanha influência aparece em vários dos seus escritos acerca da religião, porém, de modo mais nítido e veemente, em dois deles: O futuro de uma Ilusão (1927) e, uma das Novas Conferências Introdutórias sobre Psicanálise (1933) denominada A questão de uma Weltanschauung. Nesses escritos, podemos constatar de maneira mais nítida, a grande influência que a ideologia cientificista exerceu sobre o pensamento de Freud, posicionando-o, na linha de frente, contra os ideais religiosos e a favor da ciência. Posteriormente retomaremos a temática da influência positivista sobre o pensamento freudiano; incluindo um comentário mais detalhado sobre essas obras.

Estamos cientes de que Freud foi marcado pelos ditames da ciência positivista de sua época, em busca da compreensão do aparelho psíquico, mas essa não foi, de modo algum, a única influência a qual recebeu ou que esteve sobre ele. Que Freud foi um filho do iluminismo por ter absorvido muitos dos seus ideais, especialmente a crítica à religião, não resta dúvida. "É muito compreensível, portanto, que, sob vários aspectos, Freud possa e deva ser considerado como um
verdadeiro Aufklärer. O seu espírito iluminista transparece do modo como olha a razão, concebe a ciência e critica a religião" (ROCHA, 1994, p.466).

Todavia não podemos deixar de mencionar que ele também foi um crítico desse mesmo movimento, quando descobriu que a maior parte da vida psíquica é inconsciente e que a razão não tem tanto controle assim, como se pensava. De acordo com Rocha (1994, p.466) "... este filho da modernidade é igualmente um dos seus críticos. [...] quando descobre que grande parte da vida psíquica tanto das pessoas sadias quanto dos doentes mentais é regida por forças que não são controladas pela razão". Tal descoberta lhe custou caro e colocou a psicanálise sob a feroz crítica dos cientistas mais arraigados. De certo modo, Freud subverteu a cultura filosófica de seu tempo ao declarar que a razão, na verdade, não domina todas as instâncias da vida psíquica. O feixe de luz da razão, até então venerado, não conseguia anular a importância que tinha o lado sombrio do psiquismo, sobretudo na elucidação do conflito psíquico que estava na base dos distúrbios e das doenças psíquicas. Nas palavras do próprio Freud (1917, p. 336): "o ego não é senhor nem mesmo da sua própria casa".

No que diz respeito à religião, especificamente, o que nos chama a atenção em Freud, é o fato de que mesmo sob a influência cientificista de sua época, conseguiu dar um passo à frente, elaborando a teoria psicanalítica, demonstrando independência de tal influência. O que fica inquestionável em Freud é a sua grandeza em ser um filho do seu tempo e, igualmente, um homem além do seu tempo.

Acreditamos que a partir de seu tempo e de sua vida, Freud começou a tecer sua construção sobre o estudo da religião em toda complexidade e grandeza, ou mesmo, foi sob essas influências que ele pôde elaborar seus possíveis discursos utilizados na elucidação de tão importante tema.”

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É isso!

Fonte:
Karla Daniele de Sá Araújo Maciel: “O percurso de freud no estudo da religião: Contexto histórico e epistemológico, Discursos e Novas Possibilidades”. (Dissertação entregue ao Mestrado em Psicologia Clínica, da Universidade Católica de Pernambuco, como requisito à obtenção do título de Mestre em Psicologia. Orientador Profº Drº Zeferino de Jesus Barbosa Rocha). Universidade Católica de Pernambuco. Recife , 2007 .

Nota:
O título e a imagem inseridos no texto não se incluem na referida tese.

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