O fascínio da Natureza do Século XIX

“No decorrer do século XIX, as sociedades científicas européias, os museus e as academias de ciências executaram o papel de financiadores e de difusores das descobertas das expedições naturalistas.

A História Natural era ainda a ciência da descrição e da classificação, por oposição à procura de leis. O sentido da expressão História Natural concentrava-se no estudo da natureza em todas as suas revelações, dentro de um dos vários sentidos que ocorrem quando se fala sobre Natureza: uma coisa é natural quando se opõe à reflexão, à obrigação, ao artifício, ao humano, ao divino e ao espiritual.

O naturalista é aquele que vive no meio da natureza, por contraste com o físico, que se enclausura no laboratório. O termo História ficou inadequado à sua função, conforme os estudos foram avançando com as generalizações e leis, passando a disciplina a ser Ciências Naturais.

No entanto, a observação e a catalogação haviam reduzido a distância entre o objeto e a linguagem: “aproximara a linguagem do olhar observador e as coisas observadas das palavras. (Foucault, 1966:144)”.

Em artigo recente, a antropóloga Lilia K.M.Schwarcz expressa bem o fascínio exercido pela natureza brasileira sobre os viajantes naturalistas: “Se não tínhamos castelos medievais, igrejas da antiguidade, ou batalhas heróicas a serem lembradas, possuíamos o maior dos rios, a mais bela vegetação tropical. Entre palmeiras, abacaxis e outras frutas tropicais, apareciam representados o monarca e a nação, destacando-se a exuberância de uma natureza sem igual. (Schawarcz, 2003:17)”.

Assim, no inicio do século XIX, existia ainda um intenso interesse de conhecer os países latino-americanos, o que se concretizou com a vinda de Alexander von Humboldt a este continente. Chegando em 1800, com o botânico Bompland, pelo Cassiquiare ao rio Negro, foi proibido de penetrar no Brasil por decisão da coroa em Lisboa. (Sick,1982:49).

Alexander von Humboldt possuía um grande interesse por aves e retornou ao Brasil em 1854, já idoso, com 85 anos de idade. Nesse intervalo, muitos naturalistas visitaram o país, principalmente depois da abertura dos portos em 1808.

Muitas coleções dessa época foram financiadas por condes, barões, príncipes, imperatrizes. Em1817, chegaram ao Brasil Johannes Natterer e Johann Baptist von Spix, zoólogos, e Carl Freidrich Philip von Martius, botânico. Vieram acompanhando a princesa D.Leopoldina em uma expedição científica.

Johannes Natterer foi o que mais tempo ficou no Brasil, sempre coletando, pesquisando por 18 anos. Johannes Natterer nasceu em nove de novembro de 1787, em Laxenburg, pequena cidade ao sul de Viena, Áustria. Era filho do falcoeiro imperial Joseph Natterer, cujo interesse era colecionar insetos e aves.

Tendo montado expressivo acervo de História Natural, com o mesmo entusiasmo Johannes Natterrer estudou Química, Anatomia e História Natural nos institutos de ensino superior vienenses, onde também aprendeu a arte da taxidermia, do desenho e a lingüística.

Participou de extensas excursões científicas na Hungria, na Dalmácia e na Itália, tornando-se um perito em sua especialidade. Pelos serviços prestados em 1816, foi nomeado para o cargo de assistente da Coleção Zoológica Imperial, função que o fez conhecido na comunidade científica e política local, facilitando-lhe o convite para integrar a missão austríaca de naturalistas ao Brasil.O naturalista e zoólogo suíço Emílio
Goeldi, que assumiu a direção do Museu Paraense em 09 de junho de 1894, escreve sobre Johannes Naterrer :

O mais zeloso e o mais fecundo colecionador zoológico que pisou a América do Sul. Não o julguem pelo número de livros por ele publicados, pois são poucos - também não o julguem pela pequena ou nenhuma importância, que acaso lhe diga qualquer dicionário ou enciclopédia daqueles que vos caia primeiro às mãos na biblioteca que mais próximo for, pois os respectivos autores, por via de regra, o desconhecerão (Goeldi, 1896: 189:213).

A forma com que preparava seus materiais, o cuidado com sua técnica da taxidermia, sua classificação arrancaram os elogios e a admiração de Auguste Saint Hilaire, que se encontrou com Johannes Naterrer em Ipanema, São Paulo, quando escreveu: “Era impossível de ixar de admirar a beleza de suas aves; não vi uma só gota de sangue. (Sick, 1982:52)”.

Emilio Goeldi escreveu na bibliografia que deu a Johannes Naterrer sobre a nitidez daqueles que trilham os caminhos estreitos que o naturalista percorreu e que “alguma afinidade possuem para as predileções científicas e para o rumo específico da ocupação intelectual e estes são poucos. Dá-se com Johannes Natterer o mesmo que com o arquiteto que morre, deixando de um grande e complicado edifício apenas prontos os alicerces: quantos terão os conhecimentos profissionais e o poder mental para adivinhar o plano geral do seu todo e nos seus pormenores? (Goeldi, 1896: 189:217).”

No Brasil, empreendeu muitas expedições: percorreu o Rio de Janeiro, Paraná, Goiás, Mato grosso, Rondônia, Amazonas chegando até as fronteiras da Venezuela, Roraima e Pará. Navegou pelo Amazonas e seus afluentes: Mamoré, Madeira, Rio Negro, Rio Içana, Rio Branco, chegando a Belém. Coletou várias espécies de animais e plantas, encaminhadas à imperatriz, que se importava com e apreciava os trabalhos dos naturalistas.

Foram enviadas, conforme Helmut Sick, “12.293 aves empalhadas (representando 1.200 espécies), mais de 1.000 mamíferos, peixes, 35.000 plantas secas, milhares de objetos indígenas, etc. Quando um leigo toma conhecimento hoje do volume dessas coleções antigas, fica pasmo. Naquele tempo, porém as coleções grandes eram necessárias para construir as bases das sistemáticas, não havendo ainda o perigo de prejudicar a fauna e flora da região (Sick, 1982:52)”.

Johannes Natterer fazia anotações minuciosas sobre suas coletas, como habitat, distribuição geográfica e voz. Sofreu vários estorvos, como saques, doenças, e ataques indígenas, superando todos os obstáculos com sacrifícios. Constituiu família no Brasil, casando-se em Barcelos, no Rio Negro, com a brasileira Maria do Rego, tendo tido com ela três filhos.

Natterer então desapareceu dentro da infinita e insondável selvageria do país quase despovoado. As notícias a seu respeito foram-se tornando cada vez mais fracas. Os despachos alcançavam-no tardiamente, ou não o alcançavam. A doença do clima mortal dominou-o. Chegou mesmo a perder o seu único companheiro e parecia que a floresta ia encerrá-lo para sempre. Mas ele fazia coleções, caçava, preparava peças, empacotava-as; apesar de ter estado muitas vezes doente e quase morto, nem um só momento pensou em desistir. É difícil imaginar-se hoje em dia o que tal expedição enfrentou naquele tempo, e quanto de energia e sacrifício exigiu dos exploradores. Natterer só apareceu de novo, em Goiás, em agosto de 1823. (Ramirez, 1968).

Em nove de novembro de 1835, regressou à Europa. Entre 1838 e 1840, realizou viagens ao norte da Alemanha, Dinamarca, Suécia e Rússia, também ao sul da Alemanha, França, Inglaterra e Holanda.

Faleceu e 17 de junho de 1843. A maior parte de suas anotações perdeu-se em um incêndio em 1848. No Museu de Viena consta uma coleção de aves obtidas no Brasil, sob cuidado do Naturhistirischen Museum na Áustria.

Ele planejava fazer uma obra crítica sobre a ornitologia mundial, da análise ao estudo de campo, colhendo os devidos materiais documentais, imprescindíveis à Biologia. Foi chamado de prince of colletors pelo famoso ornitólogo Philip L.Sclater do Museu Britânico.

Existiram ainda outras expedições contemporâneas ligadas à ornitologia, como a de Spix e Martius, os mais mencionados no campo das ciências, e nelas destacam-se o príncipe Maximilian von Wied Neuwiede e dois zoólogos franceses, Conde Fancis Castelnau e Emille Deville, entre tantos outros."

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É isso!

Fonte
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Rosangela Terezinha Perotti: “JOSÉ HIDASI E OS NATURALISTAS NO “CORAÇÃO BÁRBARO DO BRASIL”. (Dissertação de Mestrado Mestrado Profissionalizante em Gestão do Patrimônio Cultural Área de Concentração: Antropologia. Orientadora: Professora Drª Izabel Missagia de Mattos). UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS. Goiânia, 2005.

Nota:
O título e a imagem inseridos no texto não se incluem na referida tese.
As referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.

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