O pensamento complexo de Edgar Morin

“Como vimos, a racionalidade complexa e o pensamento complexo não podem surgir no contexto da lógica clássica. Na verdade, o que deve acontecer é a abertura ou o enfraquecimento da lógica, para que a constatação de uma contradição não exclua sumariamente esta porção da realidade da realidade toda. Neste sentido, se o conhecimento pretende alcançar o todo, a sua lógica deve ser fraca o suficiente para poder ser transgredida. Se não há como evitar a necessidade lógica da separação dos objetos, deve-se, simultaneamente, aceitar a exigência da complexidade. Por isto a “complexidade é metalógica (engloba a lógica, embora transgredindo-a)”. Para Morin, “a complexidade salva a lógica como higiene do pensamento e transgride-a como mutilação do pensamento”. É importante notar que a complexidade não surge de alguma síntese mas vive na e a partir da dialógica entre opostos:

O pensamento complexo tem como tarefa não substituir o certo pelo incerto, o separável pelo inseparável, a lógica dedutiva-indentitária pela transgressão de seus princípios, mas efetuar uma dialógica cognitiva entre o certo e o incerto, o separável e o inseparável, o lógico e o metalógico. O pensamento complexo não é a substituição da simplicidade pela complexidade, ele é o exercício de uma dialógica entre o simples e o complexo.

Se a complexidade salva e transgride a lógica, ela passa a ser o novo referencial para o pensamento, como será possível alcançá-lo? Abaixo estão relacionados os sete principais princípios que, segundo Morin, são os guias para o pensamento complexo:

1. Princípio sistêmico ou organizacional: liga o conhecimento das partes ao conhecimento do todo, conforme a ponte indicada por Pascal (...): “Tenho por impossível conhecer o todo sem conhecer as partes, e conhecer as partes sem conhecer o todo”. A idéia sistêmica, oposta à reducionista, entende que “o todo é mais do que a soma das partes”.(...) A organização do ser vivo gera qualidades desconhecidas [emergências] de seus componentes físico-químicos. Acrescentemos que o todo é menos do que a soma das partes, cujas qualidades são inibidas pela organização de conjunto.

2.
Princípio “hologramático” (inspirado no holograma, no qual cada ponto contém a quase totalidade da informação do objeto representado): coloca em evidência o aparente paradoxo dos Sistemas complexos, onde não somente a parte está no todo, mas o todo se inscreve na parte. Cada célula é parte do todo - organismo global - mas o próprio todo está na parte: a totalidade do patrimônio genético está presente em cada célula individual; a sociedade como todo, aparece em cada indivíduo, através da linguagem, da cultura, das normas.

3. Princípio do anel retroativo: introduzido por Norbert Wiener, (...). Rompe com o princípio de causalidade linear: a causa age sobre o efeito, e este sobre a causa, (...). O anel de retroação (ou feedback) possibilita, na sua forma negativa, reduzir o desvio e, assim, estabilizar um sistema. Na sua forma mais positiva, o feedback é um mecanismo amplificador; (...). Inflacionistas ou estabilizadoras, as retroações são numerosas nos fenômenos econômicos, sociais, políticos ou psicológicos.

4. Princípio do anel recursivo: supera a noção de regulação com a de autoprodução e auto-organização. É um anel gerador, no qual os produtos e os efeitos são produtores e causadores do que os produz. (...)

5. Princípio de auto-eco-organização (autonomia/dependência): os seres vivos são auto-organizadores que se autoproduzem incessantemente, e através disso despendem energia para salvaguardar a própria autonomia. Como têm necessidade de extrair energia, informação e organização no próprio meio ambiente, a autonomia deles é inseparável dessa dependência, e torna-se imperativo concebê-los como autoeco- organizadores. O princípio de auto-eco-organização vale evidentemente de maneira específica para os humanos, que desenvolvem a sua autonomia na dependência da cultura, e para as sociedades que dependem do meio geoecológico. (...)

6. Princípio dialógico (...). Une dois princípios ou noções devendo excluir um ao outro, mas que são indissociáveis numa mesma realidade. (...). A dialógica permite assumir racionalmente a associação de noções contraditórias para conceber um mesmo fenômeno complexo. (...), por exemplo, a necessidade de ver as partículas físicas ao mesmo tempo como corpúsculos e como ondas. Nós mesmos somos seres separados e autônomos, fazendo parte de duas continuidades inseparáveis, a espécie e a sociedade. Quando se considera a espécie ou a sociedade, o indivíduo desaparece; quando se considera o indivíduo, a espécie e a sociedade desaparecem. O pensamento complexo assume dialogicamente os dois termos que
tendem a se excluir.

7. Princípio da reintrodução daquele que conhece em todo conhecimento: esse princípio opera a restauração do sujeito e ilumina a problemática cognitiva central: da percepção à teoria científica, todo conhecimento é uma reconstrução/tradução por um espírito/cérebro numa certa cultura e num determinado tempo.

O pensamento complexo é antes de tudo um guia para a constatação das limitações da lógica e do pensamento disjuntivo dominado pelo paradigma científico. Ele pode, segundo Morin, dar a cada um de nós “um lembrete, avisando: ‘Não esqueça que a realidade é mutante, não esqueça que o novo pode surgir e, de todo modo, vai surgir’. E a esperança de Morin é que o pensamento complexo trará consigo uma mudança paradigmática. Essa se faz necessária porque, no seu entender, “os indivíduos conhecem, pensam e agem conforme os paradigmas neles inscritos culturalmente. Os sistemas de idéias são radicalmente organizados em virtude dos paradigmas.” Portanto, após o despertar da complexidade por meio de pensamento complexo ele deve ser consolidado com o advento do paradigma da complexidade. Este, nas palavras de Kofman “não é uma formalização da realidade, mas um caminho através de uma realidade impenetrável.”

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É isso!


Fonte:
ROBERT WALTER BEIMS: “A RELIGAÇÃO DOS SABERES E A TEOLOGIA: O SISTEMA DAS CIÊNCIAS DE PAUL TILLICH NO HORIZONTE DO PENSAMENTO COMPLEXO DE EDGAR MORIN”. (Tese de Doutorado Para a obtenção do grau de Doutor em Teologia
Escola Superior de Teologia Instituto Ecumênico de Pós-Graduação Área: Teologia e História Orientador: Enio Ronald Mueller). São Leopoldo, 2008.

Nota:
A imagem inserida no texto não se inclui na referida tese.
As referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.

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