Os primórdios da astrologia ocidental

“A astrologia é um saber que pressupõe a inter-relação entre o que acontece na Terra e as configurações celestes. Os fenômenos naturais e sociais são interpretados a partir do movimento dos planetas, do lugar que ocupam, e das relações e proporções que estabelecem entre si no céu. Desenvolvida inicialmente na Mesopotâmia, pelos babilônicos, se expandiu pelo oriente próximo e, em contato com outros saberes e culturas – principalmente a grega e a egípcia – se transformou naquilo que é chamado de astrologia ocidental.

Já havia na cultura e religião da Mesopotâmia a reverência a um céu com características divinas, onde as estrelas e planetas eram considerados divindades capazes de influenciar acontecimentos terrestres. Um texto encontrado em Nippur, que se supõe ser de 1500-1250 a.C., pode ser considerado como a evidência da mais antiga tentativa de mapeamento do céu, já que parece medir a distância entre oito constelações, no sentido de responder a questão: “quão além está um deus (estrela) de outro deus?”.

Segundo Pingree, o interesse pelas estrelas e planetas enquanto presságios, e o reconhecimento de sua periodicidade, surgiu na Mesopotâmia depois de 2000 a.C., e começou a se desenvolver rumo a uma astronomia matemática em 1200 a.C. Porém, o desenvolvimento, por parte dos babilônicos, de um modelo matemático útil para a predição dos fenômenos celestes com algum grau de precisão se deu somente por volta de 500 a.C.

A adivinhação astral babilônica é uma explicação sistemática dos fenômenos baseada na teoria de que alguns deles são sinais enviados pelos deuses para avisar, aqueles capazes de interpretá-los, sobre os eventos futuros. Foi essa crença, a de que os céus influenciavam fenômenos que ocorriam na Terra, que fez com que os babilônicos o estudassem de forma atenta e rigorosa, no sentido de estreitar sua comunicação com os deuses.

Observaram-no e anotavam os fenômenos naturais e acontecimentos políticos e sociais que acompanhavam cada aspecto do céu – no sentido de verificar as repetições. Assim construíram suas tabelas, usando fases da Lua, localização e conjunção dos planetas, eclipses e cometas; ou seja, fenômenos astronômicos e meteorológicos nos quais baseavam suas previsões.

A série de tabletes cuneiformes, conhecida como
Enuma Anu Enli, talvez seja a mais representativa do desenvolvimento da astrologia, e também de outras formas de adivinhação, pelos babilônicos. Identificadas como sendo de aproximadamente 600 a.C., nelas estavam descritas as regras para a interpretação dos presságios, relacionando os sinais celestes e os terrestres. Para isso consideravam o lugar, a posição, o tamanho, a cor e o brilho das estrelas e planetas, além de presságios meteorológicos. E é também onde foram encontradas as mais antigas observações detalhadas dos movimentos planetários e as predições a eles relacionadas de que se tem notícia.

A especificidade da astrologia que passou a ser elaborada na Mesopotâmia se caracteriza pelo desenvolvimento de cálculos para a previsão do movimento dos planetas, visando à previsão mais detalhada dos fenômenos e dos fatos da vida dos indivíduos, e regras para a interpretação dos dados encontrados. As técnicas e métodos desenvolvidos nesse processo começaram a configurar o saber astrológico (ou astrologia), com seus conceitos e enfoque próprios. Isso se diferencia, conforme já apontado no início deste capítulo, das antigas formas genéricas de astrologia como expressão do principio cosmológico e do simbolismo astral que estabelecem relações entre o céu e a Terra (onde o movimento do Sol, as fases da Lua, e as estrelas e constelações são marcadores das estações do ano ou períodos climáticos específicos).

O zodíaco começa a ser desenvolvido em torno de 700 a.C., a partir da identificação e listagem das constelações próximas à faixa na qual os planetas corriam (que era, para os mesopotâmicos, a trajetória dos deuses). Dezessete constelações ao longo da eclíptica são marcadas e, “embora existam vários grupos de estrelas pouco familiares, a origem do zodíaco moderno está claramente aqui.”

Com a invenção do zodíaco, são dadas as condições para produção de horóscopos individuais na Mesopotâmia, o que acontece nos séculos V ou início do IV a.C. Nos textos dessa época há predições para o que acontece com a vida daquele que nasce quando cada planeta está visível no céu.

Costuma-se afirmar que foi durante o período helenístico, iniciado após as conquistas de Alexandre Magno (334-323 a.C.), que o diálogo entre diferentes povos e culturas se intensificou, gerando, como conseqüência, a abertura do ocidente grego às influências do Oriente (principalmente quanto a seus aspectos místicos e religiosos), assim como a ampliação da cultura grega aos diferentes povos e culturas do oriente próximo. Os principais reinos que se formaram no Egito, na Síria, na Macedônia e em Pérgamo, após o império de Alexandre, possuíam, em diferentes graus, uma mistura da cultura grega e da oriental. O helenismo, nova cultura que se desenvolveu dessa mistura, se estendeu por todo o mundo conhecido.

É, portanto, a partir do final de século IV a.C., que os dados e métodos em astrologia e astronomia desenvolvidos pelos babilônicos são absorvidos mais intensamente pelos gregos, que os transformam na medida em que os inserem em suas concepções racionais e filosóficas acerca do universo e seu funcionamento. Antes de Alexandre, os gregos e outras culturas já estabeleciam relações entre o céu e a Terra e conviviam com o simbolismo astral, por isso também que o saber astrológico pôde ser incorporado, pois compartilhava dessa mesma base comum.

Como exemplo do aumento da migração de indivíduos e da circulação de idéias, que ocorreu no oriente próximo após as conquistas de Alexandre e da colonização grega na Mesopotâmia, podemos citar os astrólogos Berosus e Sudines, babilônios que se estabeleceram na Grécia no século III a.C., e que contribuíram para aproximar a astrologia babilônica do pensamento grego.

O período helenístico ocupou um lugar central no desenvolvimento de novas correntes filosófico-religiosas, que expressavam o sincretismo greco-oriental. Esse momento, assim como as correntes teóricas a ele relacionadas, foi crucial para o surgimento da astrologia ocidental. A principal estrutura da teoria astrológica ocidental é certamente helenística.

Os princípios básicos da astrologia ocidental teriam surgido, em um primeiro momento, da união de aspectos da elaborada adivinhação astral babilônica, com os fundamentos da física aristotélica. O resultado foi a criação de um modelo causal do cosmos, no qual as rotações eternamente repetidas dos corpos celestes, juntamente com suas variadas (mas periodicamente recorrentes) inter-relações, produziam todas as mudanças no mundo sublunar dos quatro elementos, sujeito à geração e à corrupção.

A contribuição egípcia parece ter sido secundária, até o século II a.C. A imagem do Egito como o lugar de origem da astrologia, enquanto um saber, está ligado ao Egito helenizado dos Ptolomeus, mais especificamente à Alexandria, nos séculos III e II a.C. Na metade do século I a.C. o Egito tinha adquirido a reputação de berço da astrologia, e as maiores autoridades da astrologia helenística lá tiveram seu lugar.

Os tratados herméticos exerceram um papel fundamental na difusão dessa idéia: muitos textos astrológicos herméticos são atribuídos a Nechepso e a Petosiris – o que a princípio significaria uma contribuição da antiga cultura egípcia. Porém, Barton diz que esses textos, que se supõe serem do século I a.C., parecem ser versões egípcias da literatura de presságios mesopotamica. Ou seja, a influência babilônica é bastante presente na produção de conhecimento do Egito helenizado. Uma lista de planetas e signos zodiacais do século II a.C. é claramente baseada em figuras babilônicas. Além disso, as Tábuas Eternas, atribuídas aos egípcios a partir do século I d.C., foram compiladas dos almanaques babilônicos.

Não nos resta dúvidas de que a literatura astrológica hermética foi uma das principais correntes filosófico-religiosas na formação e consolidação da astrologia ocidental. Porém, debruçar-se sobre suas características e influências contidas na produção astrológica da Antigüidade tardia (mais especificamente, na
Astronomica de Manilius) seria uma tarefa de outro nível de exigência, em se tratando da proposta desta dissertação de mestrado, já que o hermetismo é uma vertente cuja ênfase recai sobre os aspectos mágicos e de manipulação do real, e não na previsão dos acontecimentos a partir do conhecimento do funcionamento da ordem e da natureza do céu. Sua consideração foge, portanto, ao escopo deste trabalho.”

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É isso!


Fonte:
ANGÉLICA PAULILLO FERRONI: “COSMOLOGIA E ASTROLOGIA NA OBRA ASTRONOMICA DE MARCUS MANILIUS”. (Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em História da Ciência, sob a orientação do Prof. Dr. Roberto de Andrade Martins. Pontifícia Universidade Católica – PUC. São Paulo, 2007.

Nota:
A imagem inserida no texto não se inclui na referida tese.
As referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.

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