Um pouco da história da Química no Brasil

O Desenvolvimento da Química no Brasil

“Iniciamos com uma indagação: Será que existiam atividades químicas no Brasil colonial?

Alguns estudiosos (Vargas, Farias, Neves e Silva) consideram a natureza de determinados conhecimentos dos povos indígenas brasileiros como o testemunho de atividades que hoje denominamos processos químicos. Exemplo desse conhecimento indígena é a extração do corante urucum, para tinturas de corpo. A química, aqui, se concentra no fato de que, do urucum, extraem-se dois corantes denominados modernamente de orelina e bixina. O primeiro componente é solúvel em água, o segundo, em gorduras, produzindo ambos a cor vermelha. Outro corante é a seiva do jenipapo, que, quando em contato com a pele, produz a cor preta ou azul escura.

Outros exemplos da química no Brasil colonial são: as plantas medicamentosas; as plantas para o uso bélico, tal qual o curare utilizado nas pontas das flechas como veneno; a pimenta utilizada como arma química; o pau-brasil, para extração de corante utilizado em tingimento de tecidos; a técnica da produção de bebida fermentada a partir da mandioca; a técnica da conversão da carne de peixe em farinha; a produção de farinha de mandioca; a produção de algodão para as redes e outros usos.

Para outros autores, como Carrara e Meirelles e Rheinboldt, a atividade extrativa, nos primeiros anos do descobrimento, era quase exclusivamente de pau–brasil, seguida da implantação do cultivo da cana em virtude da formação dos engenhos de açúcar. Esse empreendimento açucareiro seria a primeira organização manufatureira do Brasil, pois constituía uma atividade com divisão de trabalho, linha de produção, organização disciplinar do trabalho, voltado à exportação e com a participação do capital no processo de produção. Os engenhos açucareiros tinham dupla finalidade: uma seria a exportação do açúcar, e a outra, acolonização do Brasil, assegurando a posse da colônia pela ocupação do espaço físico.

Contudo, a Coroa permitia uma certa liberdade comercial. Assim, na colônia os donatários das capitanias tinham a autorização para a instalação de engenhos, para a exploração das marinhas de sal e para a comercialização de qualquer gênero com outros países, além de Portugal, sem o pagamento de qualquer tributo para a Coroa.

Porém, esse cenário de liberdade comercial passa a sofrer restrições devido à posição de Portugal no cenário internacional. Por volta de 1580–1640, Portugal estava sob o julgo da Coroa espanhola. Vencido esse período, Portugal permitiu a reabertura dos portos da colônia ao comércio externo, embora limitasse os fluxos de comércio desta com outros países, situação que vigorou até 1808.

É importante ressaltar que, além da produção do açúcar, existiam na colônia outras atividades manufatureiras, como a produção de aguardente, associada à cadeia açucareira. Havia, não obstante, engenhos em que a produção de açúcar era pequena em relação à produção de aguardente. Outros produtos da indústria nacional eram: o sabão; os medicamentos indígenas, devido à distância entre o Brasil e Portugal; o óxido de cal, usado como pintura de construções; o salitre, usado na composição da pólvora; o ferro; o ouro surgido em meados do século XVIII; o de azeite de baleia e a cultura do algodão.

Carrara e Meirelles nos mostram que houve um início de desenvolvimento industrial por volta de 1700, com uma diversidade de gêneros de fábricas, as quais foram reprimidas pela Coroa portuguesa. Essa situação só foi modificada em 1808, como citado anteriormente, devido à chegada de d. João VI ao Brasil. Nesse período, havia apenas algumas atividades ligadas à área química. Com efeito, a implantação de indústrias básicas ao país seria adiada em mais de um século

Para Rheinboldt, a história da química no Brasil inicia-se com a vinda da Coroa portuguesa para o Brasil. D. João VI fomentou uma série de instituições educacionais, como as escolas superiores profissionais, as instituições técnicas, as instituições culturais, para suprir as necessidades imediatas e explorar o potencial do país.

Segundo Carrara e Meirelles, na área de química foram criados: uma cadeira de química na Real Academia Militar, no Rio de Janeiro; o Laboratório Químico Prático, em 1812; o Laboratório Químico do Conde da Barca, em 1813, onde se ministravam cursos de farmácia e química; o Laboratório Químico do Museu Nacional, que, criado em 1824, se tornou um gabinete de mineralogia, e seus diretores eram mais naturalistas do que químicos.

Somadas a essas instituições, criaram-se ainda, em 1817: a Academia Médico–Cirúrgica, na Bahia; em 1809, a Escola Anatômica, Cirúrgica e Médica do Rio de Janeiro (em 1813, essa escola passou a se denominar Academia Médico–Cirúrgica do Rio de Janeiro, na qual existia a cadeira de química–farmacêutica). Em 1838, a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro foi autorizada a comprar um laboratório de química. Em 1832, foi fundada a Sociedade Filomática de Química, em Salvador, que possuía um laboratório com um curso de química. E em 1839, foi fundada a Escola de Farmácia de Ouro Preto, em Minas Gerais, a primeira escola no país a contribuir para o aprimoramento técnico do profissional de farmácia.

Rheinboldt relata que, em 1808, fundou-se na Bahia a Escola de Cirurgia no Hospital Militar, pela iniciativa do doutor José Correia Picanço, o qual elaborou o plano de regime escolar de quatro anos, o primeiro regulamento de ensino profissional superior no Brasil.

No período de vigência das diversas instituições de ensino médico, houve inúmeras reformas e contra–reformas, comenta Rheinboldt. Porém, para ele só algumas são significativas, como a reforma de 1832, decretada na segunda regência, que renomeou as academias médico–cirúrgicas como escolas ou faculdades de medicina, e que aumentou o curso para seis anos, inserindo nas matérias do curso médico a química médica e princípios de mineralogia e farmácia. Na reforma de 1854, a principal mudança foi a instalação de um laboratório de química para os trabalhos práticos. Na reforma de 1884, o destaque foi a permissão para a fundação de faculdades livres, que incentivariam o ensino prático, prevendo laboratórios de farmácia e de química mineral e orgânica.

O surgimento de laboratórios de pesquisa, no final do século XIX, consolidou a química durante o Império. A química era ministrada nos cursos de medicina, farmácia e engenharia.

No final do Império, os segmentos que necessitavam de produtos químicos eram: a indústria têxtil, o setor de couro, a indústria de explosivos, a indústria de fósforo, o setor de iluminação, a indústria farmacêutica, o setor extrativo de produtos químicos, a siderurgia, a produção de papel e vidro, o cimento, a indústria de sabão e de vela; a produção de adubos e de inseticida; o segmento de fermentação; a produção de síntese de produtos inorgânicos; as primeiras sínteses orgânicas industriais; e a indústria de química básica.

A primeira fábrica de vidros no Brasil só entrou em operação em 1814. Quando iniciou suas atividades, foi denominada Real Fábrica de Vidros, e estava localizada na Bahia. Mas a opinião da sociedade baiana sobre a qualidade do vidro fabricado era desfavorável. Na década de 1820, foram instaladas outras fábricas de vidro, uma em São Paulo e outra no Rio de Janeiro, e há divergência quanto à qualidade do vidro produzido nessas fábricas.

Outra nascente indústria no Império era a de papel. O primeiro registro de intenção de fabrico do produto data de maio de 1809, mas não vingou. Em meados de 1820, havia uma fábrica de papel que usava como uma das matérias–primas o subproduto da indústria têxtil: o trapo, obtido no processo de estamparia da indústria têxtil, a qual era anexa à produção de papel e fora fundada em 1813. O papel produzido por esse processo não era de boa qualidade. Algumas outras fábricas de papel surgiram no Rio de Janeiro e em outras províncias do Império.

Com relação às fábricas de pólvora, ante a chegada de d. João VI e sua numerosa comitiva, dois atos foram promulgados para aumentar a produção de pólvora. O governo não conseguia estabelecer o monopólio da pólvora, como queria. Crescia o fabrico de pólvora clandestina. O contrabando aumentava dia após dia. As fábricas reais, uma no Rio de Janeiro e outra em Minas Gerais, só detiveram o monopólio após a promulgação de diversos decretos reais, tais como os que ordenavam a proibição de comercialização, o incentivo às fábricas reais e o aumento de impostos.

Outro problema para as fábricas de pólvora era que, a cada ano, conquanto a demanda aumentasse, a produção de salitre no Brasil era incipiente, apesar dos esforços e dos incentivos da Coroa portuguesa para impedir o desvio de salitre pelas fábricas clandestinas, que o subtraíam das minas para seu próprio consumo, e para estimar-lhe a exploração pelos autênticos proprietários das minas. Essas duas condições prejudicaram, principalmente, a fábrica de Minas Gerais, e o governo concentrou então seus esforços na fábrica do Rio de janeiro.

No que se refere às fábricas de sabão e de vela, utilizavam-se técnicas rudimentares desenvolvidas no interior dos engenhos de cana-de-açúcar, e nas fazendas, para uso exclusivo nesses locais. Entretanto, a primeira tentativa de fabricar sabão para comercialização, utilizando esses métodos, se deu por volta de 1821, no Rio de Janeiro. A partir daí surgiram fábricas de sabão e de vela em outras províncias. Com relação às velas, esse empreendimento obteve um enorme crescimento, em resultado da troca da cera animal pelo sebo como matéria-prima. Posteriormente, em 1837, iniciou-se o emprego de estearina, uma técnica mais moderna. Em 1844, havia no país pelo menos dezesseis fábricas de sabão, inúmeras de vela de sebo e pelo menos uma de vela de estearina, sem contar a produção artesanal de sabão a partir das cinzas.

Com a vinda da Corte portuguesa para o Brasil, chegaram os novos conceitos de medicina praticados na Europa. Porém, o Brasil já possuía conhecimentos seculares de drogas nativas, como visto anteriormente. Mesmo assim, a medicina européia começou a se difundir. Medidas foram tomadas contra o charlatanismo, como o restabelecimento do cirurgião-mor e do físico–mor, por meio de decreto. Essas medidas foram necessárias por causa da comercialização indiscriminada e predatória de drogas e remédios, que se alastravam por falta de informação e educação da população.

A atividade da indústria farmacêutica, nesse período, era exercida quase que exclusivamente nas boticas. A produção das primeiras especialidades farmacêuticas ocorreu por volta de 1830, período considerado o marco inicial do desenvolvimento da indústria farmacêutica brasileira.

Outros produtos da indústria química no período eram as matérias corantes, obtidas por extrativismo e o açúcar, que, advindo do mesmo processo colonial, era porém extraído de variedades distintas de cana-de-açúcar, o que resultou num melhor rendimento, creditados também a mais uns poucos aperfeiçoamentos técnicos. Com efeito, a principal inovação técnica foi o uso do vapor como força motriz. O vapor foi inicialmente utilizado, nos engenhos baianos, em 1815, e depois em outras províncias. Mas somente em 1830 começaram a surgir as primeiras refinarias de açúcar.

Outro produto da indústria química era a obtenção da borracha. Os primeiros artigos com o material datam de 1799. Essa indústria obteve um crescimento vertiginoso e passou, logo em seguida, a minguar, até alcançar a segunda metade do século XIX, quando voltou a crescer, devido à descoberta do processo de vulcanização da borracha, por Goodyear, em 1841.

Sabemos, pelo exposto anteriormente, que as ciências, de um modo geral, eram praticadas no Império, ainda que de forma restrita, e acompanhamos também o surgimento de alguns setores industriais químicos. Mas como foi o processo de industrialização no país? Para responder a essa pergunta, tomaremos como exemplo a implantação da sua indústria mais importante: a têxtil.

A implantação da indústria têxtil demandava diversos produtos químicos e requeria a instalação de outros segmentos industriais, os quais, porém, se ressentiam do desestímulo proveniente da falta de vontade política para com o desenvolvimento industrial. Além disso, a falta de mão-de-obra (toda concentrada nos latifúndios), a falta de inovação de técnicas, o pequeno mercado interno, a ausência de infra–estrutura para a redução de custos e para o barateamento do transporte de mercadorias, a oposição da classe dominante (formada pelo setor agrário exportador), a pequena e frágil classe dos industriais (formada na sua grande maioria de portugueses que deixaram seus empreendimentos em Portugal, devido à fuga motivada pela invasão napoleônica), as idéias liberais de comércio, a inexistência de uma política de proteção industrial, a política cambial flutuante e, enfim, a concorrência com as indústrias de outros países inibiam qualquer investimento no setor.”

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É isso!

Fonte:
Rosiney Rapolli Salateo: “Uma Análise Sobre a Historiografia da Química no Brasil em Periódicos - 1974 a 2004”. (Dissertação depositada como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em História Social. Universidade de São Paulo. Faculdade de Filosofia, Letras, Ciências Humanas. Departamento de História. Programa de História Social. Orientador: Prof. Dr. Gildo Magalhães dos Santos). São Paulo, 2006.

Nota:
O título e a imagem inseridos no texto não se incluem na referida tese.
As referências bibliográficas citadas pelo autor estão devidamente catalogadas na obra.

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