"O anúncio oficial da pilha aconteceu em 26 de junho de 1800, quando uma carta, datada de 20 de março do mesmo ano, destinada a Joseph Banks (1743-1820), presidente da Royal Society de London. Foi lida em sessão desta Sociedade. A seguir transcrevemos um pequeno trecho:
“[...] O aparato de que vos falo, e que sem dúvida surpreendê-los-á, é apenas a reunião de certo número de bons condutores de diferentes tipos arranjados de uma maneira determinada. Trinta, quarenta, sessenta peças ou mais de cobre, ou melhor, de prata, cada uma em contato com um pedaço de estanho, ou o que é melhor, de zinco e um número igual de camadas de água, ou de algum outro líquido que seja melhor condutor que a água pura, como a água salgada, ou da chuva e assim por diante, ou pedaços de papelão ou de couro, etc. embebidos nestes líquidos; quando essas camadas são interpoladas entre cada combinação de dois metais diferentes, tais séries alternadas desses três tipos de condutores sempre na mesma ordem, constituem meu novo instrumento [...]"
Volta explica, na carta, que o aparelho de coluna é muito volumoso e por isso, apresenta um novo aparelho que chamou de coroa de taças; vide fig. 1 (do desenho). Conhecido hoje como pilha de taças, ou seja, um conjunto de copos interligados com fios, aos quais estavam presas placas de zinco e prata. As outras figuras 2 a 4 mostram as pilhas de colunas. Volta sugeriu que os dispositivos fossem elaborados com discos de zinco e prata (condutores de 1ª classe) intercalados com discos de papeis molhados com água salgada (condutores de 2ª classe), formando pares ZAP, ZAP (Zinco–Prata-condutor úmido).
Nesta carta, Volta segue descrevendo suas observações, alterando o número de placas e efeitos que produziam, conforme a montagem dos pares (números de placas), e outros efeitos fisiológicos (choques) que eram obtidos. Nesse particular, R. Martins observa que o conhecimento popular sobre eletricidade estava associado a descargas elétricas e choques. Afirma ainda que, toda pesquisa séria do período estava voltada aos fenômenos biológicos, como os choques de certos peixes e as contrações de pernas de rãs pesquisadas por Galvani.77 Em um trecho de sua carta a Banks, Volta observa que:
“[...] O resultado principal, e que compreende todos os outros, é a construção de um aparelho que, por seus efeitos, isto é pela comoção que é capaz de produzir nos braços, etc., assemelha-se às garrafas de Leyden, e melhor ainda às baterias elétricas pouco carregadas, que agiriam sem descanso, ou cujas cargas, sem nenhuma explosão, seriam elas mesmas restabelecidas, [...], em um impulso perpetuo de fluido elétrico [...].”
Aqui podemos ver claramente a necessidade de Volta em mostrar que o novo aparelho produzia choques da mesma forma que as enguias e a garrafa de Leyden. A maior dificuldade encontrada por Volta seria, portanto, em demonstrar que o circuito com dois metais poderia atrair ou repelir como a eletricidade gerada por atrito e seus esforços, nesse sentido, perduraram por muito tempo.
Cabe ressaltar ainda que a carta de Volta a J. Banks termina com alguns questionamentos: “Qual é a eletricidade da pilha?”, “Qual a semelhança com o torpedo e a enguia?” A respeito de tais questionamentos, Volta afirma que só saberia dizer que ela, a pilha, foi construída segundo um novo princípio de eletricidade, ao qual ele havia descoberto há quase um ano, e que as experiências que sucederam ao novo princípio tomaram seu tempo até o presente (1800). Uma coisa Volta poderia confirmar: “que existiam condutores que eram certamente os motores dessa eletricidade no caso de contato mútuo de condutores de diferentes espécies”. Enfim, ele ainda explica que o aparelho chamado por ele de órgão elétrico artificial, em analogia às vértebras do torpedo (peixe elétrico), seria devido ao seu formato.
Como já observamos acima, o trabalho de Volta sobre a pilha foi muito estudado pelos historiadores da ciência. A esse respeito, queremos apontar para três deles que, em períodos diferentes, revelam três tendências historiográficas distintas.
O primeiro deles é A. Mieli, historiador da ciência da década de 20, que em seu livro a respeito da construção da pilha faz a seguinte afirmação:
“O resultado de dez anos de estudos e polêmicas se manifestou com a criação da pilha e seu descobrimento é um dos fatores essenciais, não só na ciência, como também na complexa civilização moderna: a corrente elétrica” .
Outro historiador contemporâneo de A. Mieli, J. Mertens, ao qual já citamos, afirmou que a invenção da pilha não tinha importância sob o ponto de vista científico de tal modo que ela deveria ser considerada como um dispositivo de demonstração pública, uma estratégia para promover e convencer as pessoas (o público em geral) da existência da eletricidade metálica. Nesse sentido, Volta estaria “apenas” interessado em confirmar e difundir sua teoria e, assim, obter prestígio. E, enfim, em um artigo sobre Alessandro Volta e a invenção da pilha, o historiador da ciência R. Martins afirma que:
“Havia, ao final do século XVIII, todo um arsenal de instrumentos destinados a produzir, acumular, concentrar, transmitir e mostrar os efeitos da eletricidade [...] grande parte do trabalho de Volta foi dedicado a esse outro aspecto, tentando mostrar que era possível obter choques e efeitos eletrostáticos semelhantes, utilizando-se grandes pilhas e grandes baterias elétricas.”
Por esses três exemplos, podemos ver que historiadores de diferentes épocas e contextos, embora não sejam todos de mesma opinião, apontam, entretanto, para um ponto em comum. Todos eles nos levam a crer que a construção da pilha e as idéias de Volta extrapolaram os limites do laboratório. E, no que diz respeito ao laboratório, o uso de instrumentos e a construção de aparelhos era parte essencial no empreendimento de Volta.
Por exemplo, na carta enviada a J. Banks, à qual já mencionamos, concluímos que, Volta objetivava apresentar a descrição do seu aparato elétrico, a pilha, e, para isso, procurou descrever detalhadamente os materiais utilizados em sua confecção, mostrando os efeitos fisiológicos que podia produzir nos olhos, ouvido, braços, etc. Assim, como veremos, essa maneira detalhada de descrever o aparato possibilitava que a pilha fosse construída por seus contemporâneos.
De fato, Volta propôs ainda outros aparelhos tendo como base a pilha. Tais aparelhos, que apresentavam o mesmo “formato”, recebiam também o nome de pilha, em anexo alguns desses aparatos. Julgamos que merecem destaque:
Na figura 10, publicada em Bulletin des Sciences em 1801, o aparelho demonstraria as experiências realizadas na França na presença de Napoleão.
Aqui observamos o Eletróforo, o Eletroscópio Condensador, os discos metálicos (figura 7 do desenho) e a pilha elétrica. Notamos ainda que a largura da vasilha de água facilitaria a colocação da mão para demonstrar os efeitos fisiológicos (choque, sabor).
Na carta que Volta enviou para Luigi Valentino Brugnatelli (1761-1818) em 6 de Novembro de 1801 ele descreve cuidadosamente como construir uma pilha, segundo Volta: “A construção do novo aparelho eletromotor, é muito fácil e muito cômoda, por que é uma máquina portátil.”
Um outro documento mostra Volta cuidado aos detalhes da construção da pilha. Assim a imagem abaixo, (fig.11) apresenta detalhes da montagem deste aparato.
Mais um exemplo, o último da preocupação de Volta de como ensinar a construir um pilha aparece abaixo (fig.12):
No lado esquerdo, a imagem mostra um aparato usado por Volta. Temos água alcalina de um lado da pilha e água ácida do outro lado da pilha, preservada no Templo de Volta na cidade de Como. No lado direito, rico em detalhes, temos um diagrama feito por Volta mostrando a utilização do aparato e o sentido (setas) em que ocorrem as “reações”.
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Fonte:
RENATA SAPONARA: “BONI A PILHA DE ALESSANDRO VOLTA (1745-1827): DIÁLOGOS E CONFLITOS NO FINAL DO SÉCULO XVIII E INÍCIO DO SÉCULO XIX”. (Dissertação de Mestrado apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC, como exigência parcial para a obtenção do título de MESTRE em História da Ciência, sob a orientação da Professora Doutora Márcia Helena Mendes Ferraz). São Paulo, 2007.
Nota:
As referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.
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