"A partir da década de
No entanto, o parlamento brasileiro possuía uma composição social em seus quadros que impedia a abolição da escravidão, visto que era dominado pelo interesse dos proprietários de escravos. Neste momento o Parlamento refletia aspectos da sociedade imperial e das idéias que circulavam no país, tornando-o um mosaico de correntes ideológicas que promoviam calorosos debates acerca da Escravidão: o Imperador que prometia uma abolição gradual; positivistas; evolucionistas; e liberais debatiam com proprietários de escravos temerosos de perder sua fonte de renda.
Problema em parte amenizado com a reforma eleitoral de 1881. Assim, as elites agrárias puderam tranqüilizar-se, uma vez que o eleitorado foi reduzido de um milhão de votantes para 150 mil, provocando um certo abrandamento dos debates no Parlamento. Em contrapartida, o que se viu foi a radicalização do movimento abolicionista, com o advento dos Caifazes. Espécie de propagandistas da Abolição, que incentivavam a fuga dos escravos com a promessa de abrigá-los e protegê-los das autoridades imperiais. As dimensões destes atos foram intensificando-se, que somadas aos julgamentos de Luis Gama, chegaram a situações limites, as quais foram transpostas em outubro de 1887 com a decisão das Forças Armadas de se eximirem da manutenção da escravidão, removendo “o último impedimento importante à fuga dos escravos”. Desta maneira, estavam dadas as condições para a Abolição dos escravos no Brasil, oficializada em 13 de maio de 1888 com a Lei Áurea.
Queiroz ao comentar os últimos acontecimentos considerou que a abolição fosse oriunda de dissensões existentes entre os interesses da classe dominante em manter a escravidão. Fato que fez com que Andrews discordasse, pois priorizando a atuação do radicalismo dos abolicionistas, afirmou que a Abolição foi fruto de “uma desorganização produzida, é claro, pelos escravos”;106 e não pelos fazendeiros paulistas, que logo após a Abolição congratulavam-se por ter antecipado a extinção do cativeiro no Brasil. Opinião mais radical expôs Moura sobre esta polêmica. Para ele, os Caifazes agiram no sentido de controlar a insurgência escrava, estando todos a “mercê do protecionismo dos abolicionistas brancos”. Pode-se perceber por estes acontecimentos anteriores à Abolição e pelo teor dos debates atuais, que os fatores que determinaram o fim do escravismo no Brasil estavam muito além do discurso historiográfico. O palco principal dos debates acerca do abolicionismo estava no Parlamento ou nas ruas.
Se Palmares em algum momento fosse utilizado na campanha abolicionista, estaria além dos debates historiográficos, pois o Quilombo não era o modelo a ser seguido neste momento. A exigência pelo fim do escravismo estava em direção contrária à rebeldia negra, pois como afirmara Perdigão Malheiro – o único abolicionista a mencionar Palmares – o Quilombo era uma das conseqüências mais perniciosas da escravidão para a sociedade colonial. A ausência do Quilombo nos textos abolicionistas derivou também da influência das teorias evolucionistas, positivistas e liberais, porquanto o que se pretendia era remover os obstáculos que impediam o progresso do país e dentre estes impedimentos estaria o negro, tanto por sua condição social, como por sua origem africana.
Resultados parecidos foram encontrados por Azevedo, em estudo comparativo das imagens formuladas sobre a África, a Revolução Haitiana e a rebeldia escrava entre os abolicionistas norte-americanos e os brasileiros. Seu argumento informava que a ausência do tema da rebeldia escrava nos textos abolicionistas seria decorrente da imagem depreciativa que os autores formularam sobre a África, durante as décadas de 1870 e 1880. O continente africano era associado à terra da “miséria, da ignorância, da feiúra, onde passado, presente e futuro se confundiam num tempo eterno e imutável”.
Neste caso, o escravo era interpretado como o principal portador e difusor da cultura africana, por isso, não deveria se incentivar e destacar a rebeldia escrava no Brasil, e sim evitá-la, afinal, não se desejava um Estado negro no interior do país. O caminho assinalado pelos abolicionistas para a extinção da escravidão, teria respaldo nas teorias de Spencer, o qual acreditava que o convívio do negro com o branco seria capaz de promover “um desenvolvimento favorável às necessidades da vida civilizada”.
Assim, abolicionistas como André Rebouças e Joaquim Nabuco, de maneira geral, expunham em suas obras a teoria de que o movimento abolicionista seria o responsável em garantir a unidade e harmonia da nação brasileira, sem haver o estímulo à participação da população escrava. Visto que esta poderia desenvolver práticas africanas no seio da sociedade brasileira.
A propaganda abolicionista, com efeito, não se dirige aos escravos. (...) A emancipação há de ser feita, entre nós, por uma lei que tenha os requisitos externos e internos, de todas as outras. É assim, no Parlamento e não nas fazendas ou quilombos do interior, nem nas ruas e praças das cidades, que se há de ganhar, ou perder a causa da liberdade. Em semelhante luta, a violência, crime, o descontentamento de ódios acalentados, só pode ser prejudicial ao lado de quem tem por si o direito, a justiça, a preocupação dos oprimidos e os votos da humanidade toda.
Outra característica dos textos abolicionistas era desenvolver estudos que mediassem a transição da mão-de-obra escrava para a assalariada de maneira a garantir meios para que os negros libertos pudessem sobreviver por si só. Por exemplo, “pensavam eles [Nabuco e Rebouças] na obtenção de oportunidades de educação e participação político-social do negro, alcançáveis pela democratização do solo”.
De modo geral, o teor dos discursos abolicionistas priorizou uma mudança marcada pela conciliação, pelo processo gradual, sem provocar grandes abalos na estrutura social ao se retirar um dos seus alicerces. O mulato José do Patrocínio talvez fosse o único a depreender certo destaque às rebeliões escravas, como resposta à violência dos senhores e como um dos meios para se conseguir a abolição. Entretanto, isto parece ter sido muito mais decorrente de razões pessoais do que sociais, ou políticas. Segundo Carvalho, esta especificidade de Patrocínio deveria estar associada à cor da sua pele, o que lhe imprimiria um caráter pessoal em seus discursos. Mas, não seria tão significativo a ponto de afastá-lo dos textos de Joaquim Nabuco.
Além disso, muitos destes abolicionistas foram freqüentadores dos clubes republicanos e positivistas, na medida em que ambos os posicionamentos tinham haver com o descrédito e a crítica à Monarquia. Esta peculiaridade indicava outra possibilidade de explicação para a omissão de Zumbi e do Quilombo dos Palmares nos textos abolicionistas. Como se sabe o movimento republicano foi o responsável por iniciar o processo de heroicização de Tiradentes. Este seria preconizador dos ideais republicanos e de liberdade no Brasil, características que muito bem serviriam aos abolicionistas também, ou seja, talvez, o movimento abolicionista já tivesse encontrado seus heróis ideais na inconfidência mineira, sem que se necessitasse eleger um episódio, ou personagem negro."
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Fonte:
Andressa Merces Barbosa dos Reis: "Zumbi: historiografia e imagens". (Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Estadual Paulista – UNESP - Franca, como parte das exigências para a obtenção do título de Mestre
Nota:
A imagem inserida no texto não se inclui na referida tese.
As referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.
As omissões dos abolicionistas
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