A crítica a Lombroso

“A década de 1940, como já mostrado nas apreciações de Olmo, no capítulo anterior, foi marcada internacionalmente por uma continuidade na crítica à Escola Positivista e algumas de suas conclusões e métodos que levaram a um exagerado biologismo. No Brasil houve também uma crítica ferrenha a Escola Positivista, mais específicamente à figura de Lombroso. Vale lembrar que desqualificar a figura de Lombroso, era uma tentativa de desmoralizar seus postulados. Esta crítica tomou sortido formato, ilustrarei com dois. O primeiro diz respeito à busca de precursores da crítica aos excessos de Lombroso. Exemplarmente Evaristo de Morais, buscou em Tobias Barreto a primeira crítica ao lombrosianismo.

Segundo Morais, Lombroso demonstrava as relações que unem, e, em parte, identificam o criminoso com o louco moral e o epilético. Seu livro de 1876, foi tratado por Tobias Barreto como “italianamente escrito e germanicamente pensado”. Evaristo trata Tobias como um autor de bom senso, que menosprezava os excessos e reconhece as contribuições, de seu analisado, diz Evaristo:

“Não admita (na sua própria expressão) ‘que, em nome desta ou daquela ciência, se levantassem hipóteses, se não de todo gratuitas, ao menos atualmente impossíveis de verificar, e, como tais, incapazes de nutrir um espírito pouco afeito a se deixar iludir por frases retumbantes’. Fazia, entretanto, justiça a Lombroso, quando asseverava que ele não estava de perfeito acordo com os ‘patólogos do crime’. Para ele, o delito e a loucura são fenômenos semelhantes, porém não são idênticos. Mas isto é quase tudo que se lhe pode dar para louvor. Na ciência do grande italiano, (...) há um pouco de arte, poderia dizer de artifício, que, aliás, não é feito para impressionar agradavelmente. O livro se distingue por um luxo de detalhes que vai além de toda medida, e que, não raro, em vez de esclarecer, obscurece as questões”.

Morais atribuiu a percepção de Tobias Barreto a constatação de que o trabalho de Lombroso tem um aspecto dual: de um lado há ciência e do outro arte (leia-se, imaginação não comprovada), nas palavras de Tobias Barreto:

“Em toda sua obra, transparece este dualismo interessante da mentalidade de Lombroso, o poeta e o homem de ciência. As pesquisas feitas por Lombroso, paralelamente, nas prisões e nos asilos, mostrando-lhe cada dia, as afinidades freqüentes e íntimas que existem entre a epilepsia, a psicose, a degenerescência e a criminalidade, conduziram, naturalmente, seu temperamento de artista a exageros e a generalizações aventurosas. Aparece, a todo instante, o dualismo do poeta e do sábio, sem que daí derive antagonismo e contradição nos seus escritos”.

Como já dito, embora houvesse uma crítica à figura e às idéias de Lombroso, esta crítica foi estendida a todos os seus seguidores. Muitas vezes a integridade científica destes seguidores foram postas à prova. Neste exemplo, a eles é atribuída uma mistificação, nas palavras de Evaristo de Morais:

“Deve existir, neles, por força da imaginação, um impulso da mesma natureza do que gera as religiões; o impulso da fé. Tal é o significado dessas palavras de Vervaeck: ‘Lombroso foi, antes de tudo, iniciador chefe de escola, cujo entusiasmo comunicativo e irradiante de idéias determinava a convicção e congregava discípulos’. Se é certo que ele se enganava, por vezes, na apreciação e no alcance dos fatos, não é menos certo que a ele devemos o magnífico movimento de idéias e de pesquisas, cujos resultados fecundos vamos colhendo, na ordem penitenciária, jurídica e social”.

O Tobias Barreto biografado pelo jurista Evaristo de Morais, fez pelo menos duas críticas e uma defesa a Lombroso. A primeira diz respeito ao excesso dos determinismos. Segundo o autor:

Afigurava-se a Tobias que o CRIMINOSO-NATO, segundo a criação Lombrosiana, era corrigível. E argumentava: ‘Que há de mais fatalmente determinado do que o curso dos rios? E, todavia, pode-se desviá-lo. O Direito, ‘máxime’ o Direito Penal, é uma arte de mudar o rumo das índoles e o curso dos caracteres, que a educação não pode amoldar; não no sentido da velha teoria da emenda, com intuito de fazer penitentes e preparar almas para o céu, mas no sentido da moderna seleção darwnica, no sentido de adaptar o homem à sociedade, de reformar o homem pelo homem, que é, afinal, o alvo de toda a política humana’”.

A segunda e conseqüente crítica diz respeito ao biologismo a que se estava tornando o trato do delinqüente. Diz Morais que Tobias Barreto “atacava de frente [...] aquilo a que se chamava hiperbolismo científico dos médicos, quando invadem alheios domínios”. Estes dois pontos se encontram na defesa pelo Direito Penal, caberia a Criminologia auxiliar o Direito e não tentar substituí-lo.

Houve, de fato, uma época, principiada no apogeu da antiga Antropologia Criminal, em que quase se propunha o desaparecimento do Direito Penal, e a sua substituição pela nova e barulhenta ciência, estabelecendo-se a predominância dos conceitos médicos sobre crimes e criminosos com a finalidade de influir decisivamente, sem competição possível, nas decisões judiciárias. Esta fase de incursão TOTALITÁRIA (para usar uma expressão d’agora) passou, felizmente. Estabeleceu-se a compreensão recíproca; delimitaram-se as esferas das duas atividades”.

Mas como já afirmado, a crítica ao lombrosianismo não foi uma crítica às suas bases biológicas, mas a seus excessos.

“A escola criminológica que ele fundou, com a eficiente e imediata colaboração de Ferri e Garofalo, floresceu e frutificou. Através de críticas (umas fundadas, outras tendenciosas), de duros desmentidos, de resistências tenazes, e, também, na compensação, mercê de achegas e contribuições mais ou menos valiosas, persistiram a orientação e o método adotados inicialmente por César Lombroso”.

Mostrando-se ciente do quadro internacional das discussões criminológicas, conclui para seu público de criminólogos, mostrando que dos erros iniciais nasceram às superações:

Assim é que hoje temos, oriundos da ‘VELHA ANTROPOLOGIA CRIMINAL’: a ‘Nova Antropologia Criminal’, sob a orientação de Ottolenghi, discípulo direto de Lombroso, e Benigno di Túllio, ambos da Universidade de Roma; a ‘BIOLOGIA CRIMINAL’, de Lenz; a ‘Biotipologia Criminal’, dos nossos patrícios Waldemar Berardinelli, Leonídio Ribeiro e João de Mendonça”.

Outro autor que também criticou Lombroso e sua teoria foi Lemos, tendo como base as concepções de Gall. Diz o autor:

“Que importa, na realidade, para o reconhecimento objetivo de uma constituição organicamente criminosa, o fato de ter uma pessoa o nariz longo ou retorcido, a falta de barba, ou a cabeleira vasta, as maçãs do rosto salientes, o prognatismo maior dos maxilares, o olhar estrábico, os seios frontais fugidios, quando o que cumpre examinar são as qualidades intrínsecas do cérebro, no seu conjunto, pois que o cérebro é o aparelho onde tem sede, e onde se formam os nossos sentimentos, pensamentos e ato?”

Lemos questiona se da doutrina de Lombroso alguma parte poderia ser salva ou se ela deveria ser integralmente abandonada, como pretendiam seus antagonistas. E afirma não ir até esse ponto, pois:

“afastem-se dela todos os absolutismos, a metafísica do seu atavismo, a negação quase completa da responsabilidade, o tipo antropológico do criminoso nato por ele dado, e ainda ficará alguma coisa que, aliás, não lhe pertence de origem, pois que antes dele, e mesmo de Despine, já Gall tinha trazido esta questão ao exame da ciência, isto é, que há criaturas organicamente defeituosas do cérebro, nascida com um grande desenvolvimento dos órgão egoístas, e com atrofiados órgão altruístas, pois para explicar o fato basta a consideração das condições embriologênicas que agiram sobre os progenitores antes e durante o desenvolvimento fetal”.

Outro formato que a crítica à Lombroso tomou, e que foi conseqüência e ao mesmo tempo causa de sua vulgarização foi a de anedotas, na coluna “ânimus jocande” da Revista, figuraram algumas destas piadas que formaram, informaram e conformaram a opinião pública. Lombroso é risível. Toda a crítica baseou-se no biologismo, na falta de rigor científico de seu método e nas conclusões nem sempre verificáveis, como pode-se ver na anedota escrita em 1947:

“Lombroso pedira a Gorun, chefe de polícia de Paris, que lhe mandasse qualquer documento útil à sua obra e recebeu uma coleção de retrato de mulheres delinqüentes. Quando saiu o livro, Lombroso mandou um exemplar a Gorum. O cientista tinha dedicado a cada fotografia a análise especial, assinalando estigmas do delinqüente passional, ou do delinqüente sob influência alcoólica, etc. Quando o chefe de polícia começou a folhear o livro fez uma descoberta! Enganara-se. As fotografias, que enviara, não eram de mulheres delinqüentes, mas de candidatas à licença para o comércio...”.

A forte influência, ou pelo menos divulgação, das teorias biodeterministas pode ser deduzida pelas inúmeras críticas recebidas, que coincidiam sobre pontos que até os admiridores consideravam frágeis. Mas a dinâmica atualização dos conceitos, como por exemplo, o de periculosidade (de dados anatômicos no início do século XX, até as teorias psicanalíticas, psiquiatras e endocrinológicas na década de 1930 e 1940), e sua adaptação as novas realidades, garantiram as suas sobrevivências.”

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Fonte:
ALCIDESIO DE OLIVEIRA JÚNIOR: “Penas especiais para homens especiais”: as teorias biodeterministas na Criminologia Brasileira na década de 1940". (Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História das Ciências da Saúde, da Casa de Oswaldo Cruz / FIOCRUZ, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre. Área de concentração: História das Ciências. Orientador: Professor Doutor Flávio Coelho Edler). Rio de Janeiro, 2005.

Nota:
A imagem inserida no texto não se inclui na referida tese.
As referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.

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