Juventude como sujeito estratégico na sociedade de consumo

“Para abordar como se apresenta a sociedade de consumo no contexto escolar, é necessário antes esclarecer alguns pressupostos acerca da juventude. As abordagens são conflituosas, por este motivo buscamos autores, de diversas áreas que nos auxiliarão nessa tarefa. O professor João Freire Filho (2008, p. 37) afirma que “não existe consenso quanto às diferenças e aos nexos entre as noções de adolescência e juventude”. A percepção da juventude, como um segmento da vida, separado da infância ou maturidade, realiza-se nas sociedades modernas. Os professores Afrânio Mendes Cattani e Renato de Souza Porto Gilioli (2008, p.11) relatam que “a percepção da juventude como categoria social distinta é própria do século XX, em especial da segunda metade”, sendo um fenômeno típico das sociedades modernas. As sociedades tradicionais possuíam ritos que marcavam a passagem da infância para a vida adulta.

Nas sociedades modernas a juventude é vista como uma fase transitória entre a infância e a vida adulta, não possuindo limites precisos. Os autores (2008, p. 12) lembram a professora Maria Sposito que afirma: “a categoria juventude é conceitual, imprecisa, pois abarca situações e contextos com poucos elementos comuns entre si”. Para delimitá-la podemos utilizar critérios que possibilitam diferentes interpretações, como faixa etária, entrada na vida profissional ou estilo de vida. Porém, dependendo da classe social ou do contexto cultural o fim da juventude sofrerá variações. Cattani e Gilioli (2008) alertam para a necessidade de desmitificar a juventude como categoria apenas natural e biológica, estas visões não devem ser únicas, sobretudo deve-se abordá-la como uma construção social que nem sempre existiu como categoria social visível.

Para a sociedade o desafio é definir o jovem e, para o jovem, o desafio é definir-se diante de si e dos seus pares. Estudos que remontam a década de 1940 identificavam uma unidade cultural da juventude no mundo todo, defendia-se a existência de uma cultura juvenil comum a todos que viviam em um contexto escolar. Porém, a juventude pode adquirir diferentes contornos a partir do momento que características históricas e sociais de um
período condicionam diferentes entendimentos. Embora partilhem de uma condição juvenil e frequentem uma instituição escolar, os jovens são submetidos a valores e modelos de educação diferenciados. Cattani e Gilioli (2008, p.: 92) destacam: “Restringir e destacar os elementos comuns pode levar a idéia muitas vezes errônea de que os costumes e formas culturais mais globalizadas são, por princípio, mais importantes do que as particularidades culturais de cada povo e nação”.

A partir desse pressuposto, não identificamos uma juventude, ou uma cultura juvenil, havendo diferenças conforme as condições históricas e sociais. Referindo-se à cultura, o psiquiatra e professor Jurandir Freire Costa (2004, p. 81) propõe que “é uma delimitação de possibilidades e impossibilidades. No convívio humano existem sempre comportamentos que são incentivados e aprovados e outros desestimulados e condenados”. Falar em juventude no singular é referir-se a uma categoria homogênea, ao passo que falar em juventudes é referir-se às suas multiplicidades. A vertente que se desenvolveu a partir da década de 1960, denominada “Escola de Birmingham”, com base em estudos acerca da juventude, depois da Segunda Guerra Mundial, na Grã-Bretanha, percebeu a juventude composta de grupos sociais, que comumente ouvimos como denominados “tribos urbanas”. Cada um desses grupos identificamos com uma cultura específica, com distintas preferências e gostos que compartilham em relação à moda, música, indumentária e maneira visual de se apresentar. Enfatizando a diversidade de condições juvenis a idéia de uma única cultura juvenil é suplantada, abre-se assim o estudo com múltiplos olhares, abordando as culturas juvenis.

No Brasil, a juventude ganhou atenção a partir dos anos 1950, e o jovem estudante é o principal foco, pois é considerado parte fundamental no processo de modernização da sociedade. A partir dos anos 1980, estudos acerca dos grupos marginalizados levou a preocupação de estabelecer políticas públicas voltadas para o jovem. O enfraquecimento das instituições tradicionais, como família, escolas, igrejas e partidos políticos, associado à expansão dos meios de comunicação colocou em evidência as questões relacionadas ao consumo e lazer. Cattani e Gilioli lembram que:

No caso brasileiro há grandes diferenças entre jovens de classes mais abastadas e os mais pobres, sendo que os primeiros tem acesso à educação de qualidade e bens culturais. O tempo livre continuou sendo objeto de estigmatização social para o jovem pobre. Já para as classes altas, aceita-se sem grandes problemas que o jovem demore a assumir responsabilidades adultas seja por se considerar necessária uma formação mais sofisticada, seja pelo fato de a educação, por si só não assegurar bom destino econômico. (CATTANI E GILIOLI, 2008, p. 103)

Pertencendo a segmentos sociais mais abastados os jovens tem acesso à educação, bens culturais e o tempo de formação e preparação para a vida adulta é ampliado. Nesse caso, esse tempo de preparação é visto como uma etapa que deve ser desfrutada. Nas classes menos privilegiadas pode ser visto como ociosidade prejudicial com possibilidade de abertura para marginalidade. Na esfera do consumo, a juventude assume uma imagem de idade do vigor, uma época onde pode-se desfrutar o tempo livre, etapa áurea da vida, o auge da sexualidade e da criatividade. A juventude tornou-se um ideal de vida, ser e manter-se jovem é o desejo de todos. Na sociedade de consumo os consumidores transformados em objetos de consumo, devem manter-se sempre bem, o corpo saudável e jovem destacar-se-á dos demais, manter-se jovem é o padrão de beleza atual. Renato Janine Ribeiro (2008, p. 103) afirma que “a juventude atualmente constitui um certo ideal social” e acrescenta:

A idéia de liberdade pessoal, em nossa sociedade, está cada vez mais marcada por valores que associamos à mocidade. O corpo bem cuidado, a saúde, a liberdade até mesmo de desfazer relacionamentos, a possibilidade de sucessivos recomeços afetivos e profissionais: tudo a ver com uma conversão do humano em jovem. (RIBEIRO, 2008, p. 103)

Os indivíduos compradores são incluídos na sociedade de consumo, e por este motivo são defensores da ideia de associar a liberdade à possibilidade de adquirir produtos. Jurandir Freire Costa (2004, p. 77) alerta que “adquirir produtos define „quem é quem‟ no universo social”. Mesmo quando objetos de consumo assumem traços considerados negativos para a sociedade, como indumentárias ou adereços, interpreta-se como expressão de criatividade. Costa (2004, p. 77) acrescenta que “consumismo, portanto, é o modo que o imaginário econômico encontrou de se legitimar culturalmente, apresentando mercadorias como objetos de necessidades supostamente universais, ocultando desigualdades econômico- sociais entre os potenciais compradores”. Consumir não depende do nível de renda, é uma atitude diante da vida, independente das desigualdades sociais.

Rose de Melo Rocha e Josimey Costa da Silva (2008, p. 126) recorrem ao sociólogo francês Edgar Morin e identificam a juvenilização da cultura de massas expressa nos meio de comunicação que “representam jovens que consomem material e simbolicamente, fabricam e são fabricados por imagens que sugerem em formas de viver a agir”. Os autores apresentam uma lógica paradoxal nas representações que a mídia faz da juventude: de uma lado a juventude idealizada e de outro a juventude perversa vinculada à marginalidade. Cattani e Gilioli (2008, p. 20) afirmam que o “discurso publicitário associa a juventude ao próprio ato de consumir, porém a desigualdade social e econômica nem sempre permite que os jovens possam vivenciar as idealizações das quais são objeto”. Dessa forma, a indústria cultural contribui para uma série de exclusões e diferenciações entre as condições juvenis. Os autores prosseguem:

Nos anos 80, a indústria cultural era vista como aparato para a reprodução do sistema capitalista, essa idéia de que ela era tão forte a ponto de neutralizar a produção de uma consciência social foi aos poucos relativizada e estudos passaram a criticar a idéia de que expressões de consumo juvenil, lazer e cultura se reduziam a essa dimensão de dominação e os múltiplos estilos e comportamentos passaram a ser abordados como expressões legítimas. Porém, há que se buscar o equilíbrio, pois embora ocorra a apropriação de estilo pela indústria da moda transformando produtos de cultura juvenil em produtos reproduzidos, estes teriam o cunho de reinterpretação dos problemas, das potencialidades e dos rumos possíveis da sociedade que os cerca. (CATTANI E GILIOLI, 2008, p. 21)

As representações mais comuns acerca das juventudes são produzidas pelos meios de comunicação, que elegem como exemplificadores do ideal os modos de vida das classes sociais mais abastadas. Características como beleza, liberdade e sexualidade são acentuadas e transformadas em essência da juventude e da própria vida. A revista Capricho, dirigida ao público adolescente brasileiro, apresenta fórmulas e soluções para as jovens se adequarem ao padrão midiático. A chamada de capa da revista em 29 de março de 2009 propõe: “Você pode: multiplicar seu guarda-roupas, ser mais popular e ficar (ainda) mais bonita”; e na capa de 17 de janeiro de 2010: “T-shirt fashion: Você pode ficar superestilosa de camiseta. A gente dá as dicas”.

João Freire Filho (2008, p. 38) propõe que a revista Capricho é herdeira da americana Seventeen. Esclarece o autor que a Seventeen, lançada nos EUA após a Segunda Guerra, tinha como personagem principal a jovem Teena, “uma jovem compradora, impulsiva que instaura um processo de consumo circular: o publicitário a influenciava em comprar, ela influenciava outras garotas, então um rapaz a fazia sentir-se insegura e inadequada o que a levava de volta aos conselhos da própria revista”. A juventude, conforme descrito, busca a inserção junto ao grupo através de objetos que identifiquem à qual grupo pertence, e lhe proporcione segurança na nova fase que se desenha. A imagem do adolescente consumidor é difundida pela publicidade e pela mídia. A psicóloga Leila Maria Ferreira Salles a partir de seus estudos acerca da adolescência no contexto contemporâneo, afirma:

A identidade da criança e do adolescente é construída hoje numa cultura caracterizada pela existência de uma indústria da informação, de bens culturais, de lazer e de consumo onde a ênfase está no presente, na velocidade, no aqui e agora, e na busca do prazer imediato. (SALLES , 2005, p. 35)

Os objetos de consumo assumem o papel de identificadores dos jovens com seus pares, a publicidade e a mídia reforçam as marcas como fundamentais para assegurar ao jovem a garantia da sua inserção no grupo, atesta-lhe o certificado de que está portando os símbolos corretos. A psicanalista Maria Rita Kehl esclarece que:

Caros ou baratos, vendidos em shoppings ou em camelôs, os acessórios compõem a mascarada adolescente, funcionando como objetos transicionais que ajudam na difícil tarefa de reinscrever esse novo corpo, estranho até para o próprio sujeito, nesse lugar também de transição entre a infância e a vida adulta que ele passa a habitar. (KEHL, 2004, p. 95)

Os adolescentes, diante deste padrão midiático, buscam incansáveis a adequação, a aparência padronizada e o produto que neste instante irá inseri-los no grupo e destacá-los no ambiente. A valorização dos tênis de marca, das roupas de grife e dos aparelhos eletrônicos de última geração demonstram a importância que os objetos tem na vida desses jovens. Analisando os dados sobre sua pesquisa com o celular, a antropóloga Sandra Rubia Silva (2008, p. 312) propõe:

A análise dos dados aponta, entre outras mudanças, para o importante papel do celular na inclusão simbólica dos indivíduos – especialmente dos jovens – na lógica cultural própria da contemporaneidade: instantânea, móvel e virtual.

No contexto contemporâneo, a juventude encontra no consumo e nas marcas a afirmação da sua identidade. O jornal eletrônico Nullsh: jornal de notícias interessantes, em 14 de julho de 2008, publica a informação que agora existe uma nova moda no mundo: as tatuagens tecnológicas. E esclarece, que pessoas estão tatuando nos corpos logotipos e marcas de grandes corporações, como Microsoft e Google. Marcos Rodrigues Lara (2008, p.141) afirma que “a visibilidade obtida pela exposição através do consumo de produtos de grife valorizados pela imagem da moda e pelos outros jovens aproxima-os e fornece recursos para a interação”.

O jovem busca reconhecimento e inserção no grupo através dos objetos e das marcas. Em sua dissertação de Mestrado Paula Nascimento Silva (2008, p.43), ao analisar a inclusão de jovens da periferia da zona oeste de São Paulo, afirma: “não podemos excluir o jovem da sociedade de consumo. Somente interpretando esse jovem como parte de um sistema mais amplo é que podemos perceber a coerência desses sujeitos e de sua estratégia de participação e tentativa de reconhecimento”. Lara (2008, p. 141) alerta que o ritmo do entrar e sair de moda das marcas é ditado pela televisão e “dada a incapacidade da renda em acessar produtos originais, tem-se o consumo generalizado de falsos produtos, num mercado pirata que é diluído no comércio que atende a essas camadas sociais”. Porém o autor prossegue afirmando que não devemos partir do princípio que há apenas uma reprodução nos padrões de consumo, afirmando que existe uma dinâmica entre o que é imposto como moda e o que é absorvido, pois:

A participação no grupo tem seu efeito socializante, em que, ao lado dos dados mentais, há que se agregar como elementos constitutivos a linguagem apropriada ao grupo, a vestimenta com suas características de moda, como, por exemplo, a marca do tênis, da camiseta, o corte de cabelo, a própria gestualidade corporal, que vão moldando os indivíduos, os quais, por esses signos, são reconhecidos e se reconhecem. O consumo aparece como instrumento que vincula socialmente os indivíduos, dando-lhes um conjunto de características que os distinguem e os individualizam. (LARA, 2008, p. 141)

O consumo oferece visibilidade ao jovem, insere-o e destaca-o no grupo, auxilia na tarefa de inscrever-se na sociedade. O valor não está apenas no objeto em si, mas em toda a aura que o rodeia e que rodeia a marca. Lara prossegue:

Consumir a grife está na moda, aquela que aparece nos meios de comunicação, a que a turma valoriza, tem efeitos diretos na auto-estima; por mais que seja sempre a intenção de ser diferente em sendo o mesmo – finalmente usa-se o o que o grupo usa ou valoriza – tem-se a impressão de um ato autônomo. (LARA, 2008, p. 149)

O discurso publicitário está atento às modificações sofridas pelos consumidores, reconhecem as diferenças entre as gerações e os seus hábitos de consumo e o mercado já produz artigos diferenciados para diferentes grupos, como mostra a reportagem “Vem aí os carros para X, Y, M e Z”, publicada em 31 de maio de 2010, na revista eletrônica webmotors, que identifica “as gerações de consumo – X, Y, M e Z”. Estas gerações não seguem necessariamente uma ordem cronológica linear mas, podemos identificá-las a partir de alguns pressupostos: a geração X, educada diante da TV e da mídia de massa, segue seu apego e fidelidade às marcas, comportamento que estacionou nela, não seguindo para outras gerações. A geração Y, e suas “irmãs caçulas” Z – de zapeadora - e M – de multicultural - são da personalização e do descarte, dão muita importância às redes sociais e não são fiéis às marcas. Estes consumidores buscarão os produtos aprovados pelo grupo, sua influência não é apenas da publicidade de maneira passiva. Os produtos tem a função de proporcionar satisfação momentânea, trazem a identificação do estilo de vida e servem à necessidade e ao conforto naquele instante.

A cantora inglesa Lily Allen descreve o jovem contemporâneo, em sua composição conjunta com Greg Kurstin, de 2009, a música The Fear (O Medo):

Eu quero ser rica, e quero muito dinheiro
Eu não me importo com inteligência, eu não me importo com divertimento
Eu quero muitas roupas e montanhas de diamantes
E eu ouvi que as pessoas morrem, enquanto tentam pegá-los.

Eu tirarei minhas roupas e isso não será vergonhoso
Porque todo mundo sabe que é assim que se fica famoso
Eu olharei para "The Sun" e olharei "The Mirror"
Eu estou no caminho certo, yeah estou prestes a ser uma vencedora

Eu não sei mais o que é certo nem o que é verdadeiro
Eu não sei mais como devemos nos sentir
Quando vai ficar tudo claro?
Porque eu estou sendo tomada pelo medo

A vida é sobre estrelas de cinema e não sobre mães
É tudo sobre carros rápidos ultrapassando uns aos outros
Mas isso não importa porque eu tenho cartão de crédito
E é isso que faz da minha vida tão fantástica.

Eu sou uma arma de consumo em massa
E isso não é minha culpa, foi como eu fui programada.
Eu olharei para o sol e olharei no espelho
Eu estou no caminho certo
Vou ser uma vencedora

Esqueça sobre armas e esqueça sobre munição
Porque eu estou matando a todos com minha pequena missão
Eu não sou santa mas não sou uma pecadora
Tudo está bem desde que eu esteja emagrecendo.

A juventude representada pela artista não almeja uma sociedade pautada nas instituições tradicionais, como a família. O trabalho não é visto como forma de inserção na sociedade. Essa juventude idolatra a fama e os cometas, que são estrelas passageiras. A salvação, antes tarefa religiosa, agora realiza-se através das sagradas marcas. O maior desejo é ter dinheiro, para poder consumir. A consciência de que tudo é efêmero predomina, não há porque desejar algo duradouro, apenas a satisfação imediata e individual que possam obter das coisas, das pessoas e dos momentos. Essa juventude está nas escolas brasileiras. E a escola debate-se no dilema de tentar inculcar nela valores de uma sociedade cartesiana, que não existe mais.

O conceito de contemporaneidade, para a juventude, está diretamente associado ao seu papel de produtora hegemônica da cultura, especialmente no mercado da moda. Revelar exemplos dessa cultura surge no próximo capítulo através de desenhos dos meus alunos.”

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Fonte:
Claudia Regina Rech Rossoni: "COMPRO, LOGO EXISTO: A SOCIEDADE DE CONSUMO NO COTIDIANO ESCOLAR". (Dissertação apresentada à Banca Examinadora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade de Sorocaba, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Educação. Orientadora: Profa. Dra. Maria Lucia de Amorim Soares). Sorocaba/SP, 2010.

Nota:
A imagem inserida no texto não se inclui na referida tese.
As referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.
Para uma compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da tese em sua totalidade.

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