HÁ UMA LEI DA EVOLUÇÃO? LEIS E TENDÊNCIAS
“As doutrinas do historicismo que denominei “naturalísticas” têm muito em comum com as doutrinas antinaturalísticas. Exemplificativamente, elas estão sob a influência do pensamento holístico e nascem de inadequada interpretação atribuída ao papel dos métodos empregados pelas Ciências Naturais. Uma vez que as doutrinas representam esforço mal orientado de imitação desses métodos, elas podem ser descritas como doutrinas “cientísticas” (para adotar a terminologia de Hayek). São típicas do historicismo, exatamente como as doutrinas antinaturalísticas – mas talvez se revistam de importância maior. Mais especificamente, a crença de que compete às Ciências Sociais exibir, em toda sua nudez, a lei da evolução da sociedade, com o propósito de determinarlhe o futuro (idéia já examinada nas seções
A chamada hipótese evolutiva é uma explicação de numerosas observações biológicas e paleontológicas (e.g., de certas similaridades entre vários gêneros e várias espécies), feita com base no pressuposto de uma ancestralidade comum de formas relacionadas62. Essa hipótese não tem o status de lei universal, embora algumas leis universais da natureza, como as leis de hereditariedade, segregação e mutação, acompanhem a hipótese, na explicação em que se traduz. A hipótese tem, melhor dizendo, o caráter de um enunciado histórico particular (singular, ou específico). (Tem, a rigor, o mesmo status do enunciado histórico “Charles Darwin e Francis Galton possuíam um mesmo ancestral” – ambos eram netos de uma dada pessoa.) O fato de a hipótese evolutiva não ser uma lei natural universal, mas um enunciado histórico particular (ou, mais precisamente, um enunciado histórico singular) acerca dos antepassados de vários animais e de várias plantas terrestres, vê-se freqüentemente obscurecido pelo fato de o termo “hipótese” ser usualmente utilizado para caracterizar o status de leis universais da natureza. Não olvidemos, porém, que o termo também é empregado, com freqüência, em sentido diverso. Exemplificando, seria perfeitamente correto descrever como hipótese um diagnóstico médico, embora essa hipótese tenha caráter histórico e singular, e não caráter de lei universal. Dito de outra maneira: o fato de que todas as leis da natureza são hipóteses não deve contribuir para que olvidemos que nem todas as hipóteses são leis – e que, em particular, as hipóteses históricas são, em geral, enunciados singulares (não universais) a respeito de um evento individualizado ou de um grupo de eventos individualizados.
Existe uma lei de evolução? Pode haver uma lei científica no sentido pretendido por T. H. Huxley quando ele escreveu: “(...) deve ser apenas meio filósofo aquele que (...) duvida de a ciência, mais cedo ou mais tarde, (...) vir a englobar a lei da evolução das formas orgânicas – a ordem invariável da grande cadeia de causas e efeitos (...) cujos elos são todas as formas orgânicas, passadas e presentes (...)”?
Creio que a resposta a essa pergunta deve ser “Não” e que a busca da lei da ordem invariável, na evolução, está impossibilitada de ver-se abrangida pelo escopo do método científico, seja em Biologia, seja
Contudo, é óbvio que qualquer lei – seja qual for o modo que conduziu à sua formulação – deve ser submetida a testes, perante novos casos, antes de ver-se admitida no reino da ciência. Mas não podemos esperar submeter a testes uma hipótese universal, como não podemos encontrar uma lei natural aceitável, se nos confinamos à observação de um processo peculiar e único. A observação de um processo peculiar e único também não pode ajudar-nos a prever seu futuro desenvolvimento. A mais meticulosa observação de uma lagarta em desenvolvimento não nos ajuda a prever sua transformação
“O homem (...) vislumbrou, na História, uma trama, um ritmo, um padrão predeterminado (...) (Quanto a mim) só vejo uma emergência após outra (...), apenas um grande fato com respeito ao qual, por ser ele único, não há generalizações (...) ”.
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Fonte:
Karl Popper: “A Miséria do Historicismo”. Título original: “The poverty of historicism”. Tradutores: Octany S. da Mota & Leonidas Hegenberg. EDUSP. São Paulo, 1980, p. 59-60.
Nota:
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