Karl Popper a Teoria do Big Bang


A teoria do «Big Bang» ' — pouco importante

“Será possível que Boltzmann, nesta infeliz réplica a Zermelo, neste episódio talvez até trágico, se o relacionarmos com o fim da sua vida, tenha sido meramente vítima de uma falta de informação, ainda inevitável naquela época. Ele não teve, por exemplo, conhecimento daquilo a que hoje chamamos a teoria do «Big Bang».

Isso não tem grande importância. O que foi já realmente importante foi a teoria einsteiniana do movimento browniano que surgiu um ano antes da morte de Boltzmann, mas da qual, estranhamente, ele parece não ter sabido nada. Embora essa teoria tenha provindo inteiramente do pensamento boltzmanniano...

Deveríamos dizer em que consiste o movimento browniano: em tornar o átomo visível lançando-o, num movimento pendular, para um campo que se torna opticamente visível.

O movimento browniano ainda não mostra o átomo, mas a realidade da molécula. O movimento browniano pode ser explicado como uma conseqüência direta de movimentos moleculares. Apóia, em primeiro lugar, a teoria molecular; em segundo lugar, consequentemente, a teoria do átomo e, em terceiro lugar, o método boltzmanniano e uma interpretação realista do tempo. É claro que se pode interpretar tudo idealisticamentc. É assim. Contudo, o idealismo de Mach foi por este motivo bastante abalado. Foi posta em causa a idéia da física de Mach de que a física da matéria não faz quaisquer progressos, exatamente porque não há matéria.

Posso perguntar porque é que o Senhor Professor minimiza tanto o argumento do Big Bang que ampliou a evolução geral do cosmos, de uma evolução biológica, passando por uma evolução química, até uma evolução cosmológica? Estranha-se que esta teoria desempenhe também um papel relativamente insignificante nos seus livros.

Há diversas possibilidades de avançar, mesmo sem esta teoria. Ainda há pouco, um ex-colaborador de Einstein, Nathan Rosen — que há muitos anos trabalha neste problema —, publicou uma alteração à teoria geral da relatividade de Einstein que, na verdade, conduz a um universo em expansão, mas que torna supérfluo o Big Bang.

Quer dizer que a teoria do
Big Bang é uma aproximação muito interessante ao problema, mas para o Senhor Professor também não é a última palavra da sabedoria.

Creio que não, que não é. Há demasiadas alternativas. Esta teoria não só não é a conclusão final do saber, como também conduz a dificuldades excessivas e muito grandes. Encarar esta teoria como algo que não ultrapassaremos afigura-se-me perfeitamente errado. Não quer dizer que eu tenha razão para presumir que a teoria esteja errada. Não é esse o caso. Mas seria preciso comparar uma enorme série de teorias, para nos decidirmos por esta.

Seja o que for que subsista da teoria do Big Bang, julga o Senhor Professor — e isto diz respeito também ao sistema da tragédia de Boltzmann e da objeção de Zermelo — que há indicações crescentes no sentido de uma teoria global de um desenvolvimento cosmológico que aponta para uma evolução cosmológica? Uma evolução física, em seguida uma evolução química que depois desemboca na evolução planetária anterior à vida e finalmente na evolução darwinista da vida?

Com certeza que tudo isso está conforme. Muita coisa fica explicada por uma evolução do cosmos.”

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Fonte:
Karl Popper: "Sociedade Aberta, Universo Aberto: Entrevista conduzida por Franz Kreuzer. Publicações Dom Quixote. Lisboa, 1987, p. 47-49.

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