O triunfo da ideologia neoliberal

"Nos anos 1980, o neoliberalismo venceu uma batalha estratégica pelo sentido das palavras utilizadas no cotidiano. A palavra “reforma” foi reconfigurada, adquirindo o significado de “contra-reforma”. No corpo dessa “linguagem dos contrários”, as políticas adotadas obtinham resultados opostos aos seus objetivos iniciais. Prometia-se com as privatizações aliviar o déficit público e tal não ocorreu. Alardeava-se que com a reforma administrativa se diminuiria a participação do Estado na sociedade e o que se observou foi a transferência da utilização do fundo público em programas da área social para os programas econômicos de ajuda empresarial. Aqueles que defendiam publicamente o capitalismo de livre mercado, na verdade seguiam e ajudavam a expandir um sistema econômico e político baseado num livre mercado para os pobres e um estado fortemente intervencionista para os ricos.

O poder real invisível por detrás das instituições – os ricos, o capital internacional e as empresas transnacionais – é um poder conservador que promove um Estado intervencionista poderoso, fundamentalmente de proteção social para os ricos, cujo apoio se dá através de mecanismos fiscais, subsídios e outros fatores financeiros (CASON e BROOKS, 2002: 69) enquanto reserva para os pobres reformas que restringem ou retiram totalmente direitos sociais.

No caso específico do sistema previdenciário público, a reforma proposta pelos governos nacionais, em sua grande maioria, seguindo as normas do FMI e outros, teve o significado de retirar direitos trabalhistas duramente conquistados ao longo da história sem, entretanto, oferecer uma alternativa satisfatória. Este é um dos sentidos de uma “destruição não criadora”. As contra-reformas são materializadas em políticas públicas de desmonte da seguridade social, dos cortes nos orçamentos da saúde, educação, habitação e a legalização do controle oligopólico da economia. O termo “desregulamentação” foi ressignificado para indicar um processo pelo qual se mudava o eixo da atuação do setor governamental, utilizando-se da intervenção do Estado para promover a “auto-regulamentação dos processos econômicos” que terminaram por ficar nas mãos de seus atores mais poderosos, os oligopólios. Os mercados não “operam no vácuo”, para que eles possam operar livremente, sem intervenção, é necessária uma forte pressão reguladora, de acordo com as condições colocadas pelos conglomerados (MELLO, 1991: 64 – 68).

Outro bom exemplo, relacionado ao desmanche da administração, refere-se a aceitação do dogma de que as empresas públicas eram necessariamente ineficientes, mal administradas, produzindo bens e serviços de má qualidade, ao mesmo tempo em que se sacralizam as virtudes do livre mercado, exaltando a capacidade das empresas privadas de satisfazer a demanda e os desejos dos consumidores e disseminando a crença de que os oligopólios promovem o bem-estar social. Por fim, a acumulação de capital levaria, mais cedo ou mais tarde, os ricos a distribuir suas fortunas.

Pode-se considerar um “erro teórico” das doutrinas liberais, o que celebra a necessidade relativamente escassa da intervenção estatal no processo de acumulação capitalista. O laissez-faire é em sua essência, um programa político resultado de uma política deliberada, uma forma de “regulação estatal”, introduzida e mantida por meios legalistas e coercitivos e não a manifestação expontânea dos fatos econômicos. O liberalismo torna-se assim, um tipo de regulação da não-regulação, isto é, para diminuir os efeitos da legislação que não interessa aos grandes empresários é necessário criar uma outra legislação que os favoreça. Um dos significados do “neoliberalismo” refere-se, assim, à ideologia e ao modelo político-econômico do imperialismo predominante nas últimas décadas do século XX, quando a presente ordem econômica mundial foi completamente reconstituída (BORÓN, 2002: 65).

Ao contrário do que pensam os autores conservadores defensores da teoria do Estado mínimo, observou-se nos países capitalistas de centro, nos últimos vinte anos, um aumento do tamanho do Estado, medido como uma proporção do gasto público em relação ao Produto Interno Bruto, o PIB, o que ocorreu desde o advento da crise da economia keynesiana nos países desenvolvidos aos fins dos anos 1970, foi uma queda relativa na taxa de crescimento do gasto público sem, contudo, interromper esse crescimento (BORÓN, 2002).

Nas economias periféricas, a ideologia do neoliberalismo implicou na reorganização do sistema imperialista que debilitou o Estado e submeteu cada vez mais as economias periféricas ao “livre mercado”, reduzindo a intervenção estatal, às influências das corporações transnacionais e às políticas dos países desenvolvidos, principalmente os Estados Unidos. Este processo, ao contrário do que pensam muitos, nada teve de natural, foi resultado de iniciativas originadas do centro do império.

A coalizão entre os Estados Unidos, o FMI, o Banco Mundial, a Organização Mundial do Comércio, OMC, e o grupo dos sete países mais ricos do mundo, o G–7, forçou as endividadas economias do Terceiro Mundo a aplicar as políticas conhecidas como o Consenso de Washington e a reorganizar suas economias de acordo com os padrões impostos pela coalizão dominante. Essas políticas garantiram as vantagens usufruídas pelas grandes corporações norte-americanas, européias e algumas asiáticas sobre os mercados domésticos das nações do Sul.

O objetivo dessas políticas foi conseguido graças ao desmonte do setor público dos países latino-americanos. Promover a desestruturação do Estado, com o objetivo de gerar excedentes destinados ao pagamento do serviço da dívida, reduzir os gastos públicos mesmo com o sacrifício da qualidade da educação, do serviço de saúde pública, de habitação etc, agravar o sucateamento para baratear o preço de venda das empresas estatais, em muitos casos adquiridas por empresas públicas dos países industrializados.

O desmanche do setor público das nações periféricas para facilitar o avanço das multinacionais foi feito às custas da venda das estatais, muitas vezes abaixo do seu valor real, a despeito do “ágio virtual” pago pelos compradores. Enquanto a periferia era forçada a cada vez mais a cumprir os ditames da economia de livre mercado, os países do Norte se protegiam continuamente. Em seu conjunto, as políticas de mercado debilitaram as economias periféricas, implicando uma desregulamentação regulada em prol das grandes corporações. Essas políticas não aconteceram por acaso. O desmanche do Estado foi acompanhado pelo aumento significativo da ação imperialista, capaz de controlar não só a atividade econômica como também a ordem política dos países dependentes (BORON, 2002: 93).

O Estado-nação continua sendo o agente principal da globalização, dado que os recursos globalizados necessitam de toda uma legislação reguladora de todas as relações sociais, o que requer intensa intervenção estatal.

A competição entre as grandes corporações pelo controle do mercado mundial abre um espaço para receber o apoio dos governos dos países onde se encontram sediadas as matrizes dessas empresas.”

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É isso!


Fonte:
NOVAL BENAION MELLO: “SUBDESENVOLVIMENTO, IMPERIALISMO, EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA NO BRASIL: a subordinação reiterada”. (Tese apresentada ao Curso de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para obtenção do Grau de Doutor. Campo de Confluência: trabalho e educação. Orientador: Prof. Dr. Gaudêncio Frigotto). Niterói, 2004.

Nota
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As referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada.

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