O Surgimento dos Primeiros Físicos no Brasil

"O surgimento de cientistas com o conseqüente desenvolvimento de pesquisas, não se deu de forma maciça numa determinada etapa da história brasileira, as de forma paulatina e interrompida.

A chegada da família real portuguesa ao Brasil e sua fixação na colônia fizeram surgir à necessidade de geração de uma elite com vistas à formação dos futuros dirigentes da nação.

A partir de 1808, com a criação das primeiras instituições de ensino superior, que proporcionariam o início desta formação, ocorreu um fato interessante: apesar de não se visar especificamente à promoção de investigações científicas inovadoras, o estudo das ciências nessas instituições despertou o espírito da pesquisa em algumas pessoas e, paralelamente ao caminho traçado inicialmente, essas instituições acabaram por formar também indivíduos que viriam a ser os primeiros pesquisadores brasileiros.

Como exemplo, citamos o maranhense Joaquim Gomes de Souza (1829- 1863), considerado o primeiro físico-matemático brasileiro, embora não de formação.

Os pais o enviaram ao Rio de Janeiro, a fim de ingressar na carreira militar. Aos 14 anos passou a freqüentar a Escola Militar, onde permaneceu por pouco tempo, matriculando-se em 1844 na Faculdade de Medicina. Durante os três primeiros anos do curso de Medicina, dedicou-se não só aos estudos da Biologia, como aos estudos da Física e Matemática, tanto que solicitou ser examinado, em 1847, na Escola Central, preparatória dos engenheiros civis do Brasil, em todas as disciplinas do curso de Engenharia. Seu êxito foi tão grande já nos primeiros exames, que o próprio imperador D. Pedro II passou a assistir às demais provas, e em 1848 Gomes de Souza foi graduado engenheiro e Bacharel em ciências Matemáticas e Físicas.

Nesse mesmo ano disputou um cargo vago de lente5 na própria Academia Militar, conquistando-o. Desta forma, como professor, assumiu uma das cátedras da Escola Paulista e recebeu por isso a patente de tenente-coronel do Exército.

Joaquim Gomes de Souza demonstrou, ao longo de sua vida, grande dedicação ao estudo e à interpretação de fenômenos da natureza, deixando esta característica explícita em seus trabalhos. Para reforçar seus conhecimentos, dedicou-se ao estudo de Matemática, sempre com o objetivo de melhor entender as ciências naturais.

Em 1854 partiu para a Europa e terminou seu curso de Medicina na França, especializando-se em “moléstias de senhoras”, com a defesa de sua tese na Faculdade de Paris.

Detentor de grande capacidade de aprendizagem e facilidade na compreensão dos mais diversos temas, Gomes de Souza dedicou-se, durante sua estada na Alemanha, a compilar e publicar a Anthologie Universelle, uma seleção de poesias líricas de diversas nações, reproduzidas na língua de origem.

Esse jovem estudante, não obstante seu curto tempo de vida, deixou contribuições originais, no campo da Matemática e da Física teórica, como a Determinação de funções incógnitas sob o sinal de integral definida, Teorema de cálculo integral e Teoria da propagação do som, apresentando-as à Academia de Ciências de Paris em 1855. Trouxe para o Brasil títulos conferidos por respeitáveis corporações científicas de Londres, Berlim e Viena, às quais se associara.

Outras escolas superiores criadas já no final do século XIX apresentavam características semelhantes, com destaque para a Escola Politécnica do Rio de Janeiro, a Escola Politécnica de São Paulo e a Escola de Engenharia de Porto Alegre.

Nomes como o dos professores Otto de Alencar Silva (1874-1912), Manoel Amoroso Costa (1885-1828) e de Teodoro Augusto Ramos (1896-1936), dentre outros, transpuseram as barreiras comtianas, das idéias positivistas em voga na época, e inovaram com a publicação de trabalhos originais, especialmente na Física e na Matemática.

O professor Amoroso Costa, por exemplo, catedrático de Astronomia da Escola Politécnica do Rio de Janeiro, apesar de ter deixado seu nome destacado em vários trabalhos originais na Matemática e na Astronomia, dispensou também significativa atenção à Física Moderna e à Astrofísica.

O professor Teodoro Ramos (1895-1935) da Escola Politécnica de São Paulo, figura no movimento que resultaria na prática das atividades sistemáticas de pesquisas em ciências físicas e, embora suas contribuições originais tenham sido no campo da Matemática, tem seu nome destacado com pioneiro no uso da Álgebra Vetorial e da Análise Vetorial nas escolas superiores brasileiras, assunto de extrema importância no estudo da Mecânica. Em 1929, publicou A teoria da relatividadee as raias espectrais do hidrogênio e, em 1933, Aplicações do cálculo vetorial ao estudo do movimento de um ponto material sobre uma superfície rugosa e fixa em um meio resistente.

A visita de Albert Einstein ao Brasil, em 6 de maio de 1925, foi fator preponderante no aparecimento de um grande nome no estudo da relatividade no país: o do professor Roberto Marinho de Azevedo (1878/1962), da Escola Politécnica do Rio de Janeiro.

Porém, com relação a trabalhos de Física Experimental, bem como de sua prática em sala de aula, poucos nomes se destacaram no Brasil nesse período.

Dentre os pioneiros desta área figuram os professores Henrique Morize (1860-1930), da Escola Politécnica do Rio de Janeiro e José Carneiro Felipe (1886-1951), do Instituto Oswaldo Cruz.

O ambiente de pesquisa no campo da Física Teórica e Experimental iniciado por esses professores cresceu com a Fundação da Sociedade Brasileira de Ciências, em 1916, pois propiciou-se um local adequado para o diálogo entre cientistas, estudiosos e inovadores. Nos anais dessa instituição estão registrados simpósios e conferências para a divulgação e discussão de trabalhos originais desenvolvidos no Brasil e na Europa.

A partir de 1922, a sociedade passou a chamar Academia Brasileira de Ciências. Recebeu nesse mesmo ano o físico Emile Borel, trazendo em discussão A Teoria da Relatividade e a Curvatura do Universo. Posteriormente tivemos a visita de Albert Einstein.

Nessa ocasião, Einstein proferiu a conferência intitulada “Observações sobre a situação atual da teoria da luz”, publicada na revista da Academia Brasileira de Ciências, em 1926.

Esse intercâmbio de conhecimentos científicos e principalmente a visita e o pronunciamento de Einstein no Rio de Janeiro desencadearam discussões em torno do positivismo.

Tais discussões levaram os pesquisadores ao combate do pensamento comtiano, acabando por exaurir este pensamento filosófico nos círculos científicos nacionais.

Desta forma, por volta de 1930, encerra-se uma etapa na história da Física no Brasil marcada por um desenvolvimento conseguido às custas da obstinação e de interesses quase particulares por parte dos cientistas e professores que então se destacaram.

Os trabalhos significativos, principalmente no campo da Física Teórica e da Matemática, foram produto da insistência desses pesquisadores pioneiros, os quais, mesmo isolados, foram seguidos posteriormente por outros professores dos cursos superiores profissionalizantes, que passaram a dedicar-se, além da docência, a investigações originais e ao estudo da Física de vanguarda desenvolvida na Europa.

A investigação sistemática nas ciências físicas e a formação acadêmica dos físicos e professores de Física passaram a existir no Brasil a partir da criação da Universidade de São Paulo, em 1934, e da Universidade do então Distrito Federal (Rio de Janeiro), em 1935, transformada quatro anos mais tarde, na Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil."


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Fonte:
VALDIR CARLOS DA SILVA: "CONTRIBUIÇÕES PARA A CIÊNCIA BRASILEIRA: MARCELLO DAMY DE SOUZA SANTOS". (Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para a obtenção do título de MESTRE em História da Ciência, sob a orientação do Professor Doutor Ubiratan D’Ambrosio. PUC-SP). São Paulo, 2006.

Nota
:
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Para uma compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da tese em sua totalidade.

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