A valorização estratégica da Amazônia



"Desde o período colonial a Amazônia recebeu atenção especial, a qual foi intensificada durante o período pombalino com a construção de vários fortes que buscavam garantir a presença portuguesa numa zona cobiçada também pelos espanhóis. A maioria das fronteiras amazônicas foi configurada durante a colonização. A expansão para além do que definia o Tratado de Tordesilhas acabou por gerar outro tratado, o de Madri, que garantiu posse aos portugueses da maior parte da Amazônia segundo o princípio do uti possidetis. O conteúdo militar da ocupação amazônica se manifesta desde os primórdios da expedição de Pedro Teixeira em 1638, e desde a fundação de Santa Maria de Belém do Pará.

Nos primeiros 25 anos da República, o ciclo da borracha alcançou seu auge e a região amazônica obteve um grande impulso econômico. As cidades de Manaus e Belém tornaram-se centros de comércio e seus portos ficaram repletos de navios estrangeiros. Uma onda de migração do nordeste do país forneceu a mão-de-obra necessária para a extração do látex em larga escala. Foi neste contexto que o Acre tornou-se alvo de litígio entre o Brasil e a Bolívia. Tal conflito terminou em 1903 por meio do Tratado de Petrópolis, o qual determinou a
incorporação do Acre pelo Brasil, em troca de compensações materiais e territoriais para a Bolívia.

Além da questão do Acre, ocorreram outros conflitos fronteiriços na região, quase todos foram resolvidos pela via diplomática: a disputa do Amapá (desentendimento entre Brasil e França para definir o rio que delimitava a fronteira entre Brasil e Guiana Francesa); a díade da Guiana Inglesa (o Brasil perdeu para a Inglaterra uma área no interior da Bacia Amazônica e os rios Tacutu e Maú passaram a ser divisores territoriais); e a díade da Colômbia (entre Brasil e Colômbia, última a ser delimitada).

A partir do ciclo da borracha, a região foi ganhando mais destaque e propostas mirabolantes foram feitas no intuito de ocupar o espaço amazônico. Algumas destas propostas eram aliadas a interesses exógenos. Dentre elas destacam-se a Fordlândia e posteriormente a tentativa de formação dos "grandes lagos" de Herman Khan, diretor do Hudson Institute. Estes interesses serviram para alimentar o imaginário sobre a internacionalização e a cobiça internacional em torno da Amazônia, que passaram a figurar dentre as percepções de ameaças do pensamento político-militar nacional. Entretanto, é importante frisar que o pavor da internacionalização só foi aguçado no momento em que as questões ambientais ganharam destaque na agenda internacional, pânico que acabou por gerar suposições conspiratórias, como será visto mais adiante.

Paralelo ao crescente interesse econômico pela região amazônica, a importância estratégica também aumentou, especialmente devido à descoberta de volumosas riquezas minerais (ouro, cassiterita, diamante, bauxita, manganês, estanho, dentre outros) e em razão da valorização de sua rica biodiversidade. Como lembra Bertha Becker:

A Amazônia se tornou símbolo do desafio ecológico, envolvendo ao mesmo tempo a consciência, a utopia e a ideologia ecológicas. Isto a valoriza como capital-natureza por ser o maior banco genético do planeta, o lugar de maior biodiversidade do mundo e, portanto, fonte primordial para a ciência e tecnologia, ou seja, para biotecnologia. Trata-se assim, de uma valorização do ponto de vista geopolítico externo”.

A valorização da Amazônia do ponto de vista econômico, estratégico, e conseqüentemente geopolítico, fez com que a região fosse mais apreciada no processo de elaboração da política de defesa do Estado brasileiro. A seguir, será feita uma análise de duas fases distintas de ocupação e de inclusão da Amazônia como região fundamental para a segurança do país.”

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Fonte:
Marcelle Ivie da Costa Silva: "Amazônia e Política de Defesa no Brasil -1985/2002". (Dissertação de Mestrado em Relações Internacionais apresentada ao Programa San Tiago Dantas (UNICAMP/UNESP/PUC-SP), sob orientação do Prof. Dr. Shiguenoli Miyamoto –Departamento de Ciência Política/Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas.) Campinas, SP, 2004.

Nota
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