"O luxo, segundo a concepção dos gregos na antiguidade, pelo seu próprio caráter de excesso e fartura, era concebido como um valor um tanto positivo, ligado à idéia do esplendor e da magnificência quando associado ao luxo público. No sentido privado, da vida individual ou familiar, era carregado de um senso negativo de corrupção das virtudes pessoais e da família. Isso se deve ao fato de que, numa sociedade onde se valorizava o bem-estar público e a cooperação mútua, vangloriar-se numa escala privada era o mesmo que se imergir num poço de egoísmo. Assim sendo, festas e presentes eram as principais formas de demonstrar uma opulência individual, chamando a atenção ao compartilhar e dividir com seus pares.
Já na Roma Antiga, o luxo estava associado mais ao universo feminino e aos prazeres físicos, especialmente das comidas e bebidas: mel, azeite, exotismos culinários e vinhos especiais, ouro e fragrâncias amadeiradas vindas de fora das cercanias da cidade, geralmente dos pontos mais remotos do Império. Isso ocorre porque, além da valorização matriarcal da mulher, os homens priorizavam mais as virtudes físicas e intelectuais entre si, o que permitia maiores investimentos na composição visual de suas mulheres e filhas.
Desde os primórdios das sociedades Ocidentais, diversas leis que coibiam o consumo de certos artigos ou situações específicas de indulgência foram implantadas. As razões eram manter o controle da expansão de artigos seletos junto a um núcleo representativo na comunidade, bem como evitar que eles perdessem valor pela perda de significado ao se tornar irrestrito. Nas sociedades antigas, percebe-se o nível de complexidade das relações entre os indivíduos como sendo menor, assim como a presença de utensílios e técnicas mais arcaicos e em menor quantidade, o que faz com que existam menos elementos de luxo que possam vir a despertar o interesse coletivo se comparado a uma sociedade atual.
A tradição religiosa Ocidental herdou do pensamento judaico-cristão o “nojo” e a condenação do luxo e do prazer pelo consumo. Viam no luxo, uma fonte de prazer vil, sensorial e terreno, desviante da fé e dos valores espirituais, do trabalho e da glorificação divina. O apego ao luxo era um pecado, e os homens, torturados pela idéia da culpa, condenavam os excessos vindos da soberba.
O luxo, mesmo depois da derrocada da força presente na sociedade graças à Igreja durante a Idade Média, e das culpas pecaminosas cristãs, ainda hoje continua a ser visto como sinônimo de luxúria, abuso e decadência, como afirmava uma ampla corrente que começou a condenar o caráter vil e degenerativo do apego ao luxo no século XVII. Numa resistência filosófica pós-inquisitória, Mandeville, Voltaire e tantos outros pensadores defendiam o direito ao luxo. Isso porque o consumo de artigos “superiores” era visto como um potente motor da economia, com maior potencial para gerar riqueza e trabalho, ao passo que civilizava e tornava o homem mais sofisticado e culto. Os vícios privados eram tidos como morais, legítimos objeto de magnificência quando tornados bens públicos (seguindo a mesma linha do pensamento antigo grego). O uso de objetos de luxo se verifica em todas as épocas de nossa história, principalmente para marcar uma fronteira entre uma classe social favorecida e o resto da população comum. Não há sociedade que rejeite o conceito de luxo, diz o filósofo e pensador Gilles Lipovetsky. Ainda segundo ele, o homem tem tido comportamentos ligados ao luxo desde o período paleolítico, tais como: consumir os bens de reserva sem se preocupar, festas, adornos, etc. “Nessa poca não havia ainda esplendor material, mas a mentalidade de dilapidação, o impulso de prodigalidade, de gastar tudo com o gozo presente sem se preocupar com as conseqüências futuras, (o que) revela uma mentalidade de luxo anterior à criação de objetos luxuosos” (LIPOVETSKY, 2004).
Para estabelecer uma aliança com outra dimensão da realidade, o conceito de luxo nasceu vinculado mesmo a um conceito religioso, de mágica e de organização cósmica, precedendo os processos industriais.
“Foi com o surgimento do conceito de Estado, 4.000 anos a.C., que surgiu a separação social entre ricos e pobres. Nesse novo momento histórico, passou-se a dedicar objetos de alto valor – inclusive mágico – aos mortos. Nesse sentido, o luxo se tornou um elo entre os vivos e os mortos. Do mesmo modo, o luxo se tornou uma maneira de traduzir a soberania dos reis. O luxo passou a ser o traço distintivo do modo de viver, de se alimentar e até de morrer entre os ricos e pobres. Assim, fixou-se a idéia de que os soberanos deveriam se cercar de coisas belas para mostrar sua superioridade, o que gerou a obrigação social de se distinguir por meio das coisas raras. Na escala dos milênios, se sempre houve algo que jamais foi supérfluo, foi o luxo. Era totalmente imbuído da função de traduzir a hierarquia social, tanto no aspecto humano quanto no mágico” (LIPOVETSKY, 2004).
Ao fim de um longo período de Idade Média, com a evasão de pessoas dos feudos para os burgos, ou melhor, embriões de cidades com foco em comércio e distribuição de bens e serviços, começaram a emergir profissionais que passaram a desfrutar de uma melhor condição financeira. Surgiram os grandes mercados livres, onde compras e trocas de diversos itens aconteciam livremente em áreas abertas onde os produtores montavam para distribuição barracas de madeira. Tendo-se em conta a força e a influencia de uma nobreza mantida pelo poder estatal, era comum que burgueses ricos e com padrões sofisticados de consumo passassem a se vestir e procurassem seguir trejeitos presentes apenas na classe nobre, chegando a comprar de nobres decadentes por verdadeiras fortunas os famosos títulos de nobreza, apenas por status, garantindo permanentemente a descendência nobre da família e uma certidão assinada pelo rei que lhe garantia um título perpétuo.
De acordo com Danielle Allérès, estudiosa desse mercado e diretora do Departamento de Gestão do Luxo e Arte da Universidade de Marne-la-Vallée, o apogeu do luxo tal como o conhecemos se deu no século XVIII, período em que foi marcado pelo surgimento de uma burguesia preocupada em imitar os usos da aristocracia, comprando objetos de distinção social e copiando seus hábitos. Nesse momento não é importante a origem trabalhadora ou o desejo de desfrutar de objetos preciosos, moradias luxuosas ou equipamentos mais confortáveis e sim fazer parte das classes dominantes. O desenvolvimento técnico trazido pela evolução Industrial no século XVIII, fez com que surgisse o luxo moderno. A partir daí, a satisfação pessoal do indivíduo ganhou sua dimensão sensual – em contraste ao instrumento de diferenciação social. Com a chegada do século XX, uma nova classe social superior se torna importante socialmente e economicamente graças a suas atividades profissionais. “Freqüentemente cultivada, ela selecionar usos e Aquisições em função do seu profundo desejo de um “estilo de vida”, de acordo com seus desejos de satisfação pessoal e de pertencer a um clã social, síntese de uma história pessoal, de aspirações e sonhos, fantasias” (ALLERES, 2000)."
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Fonte:
PEDRO HENRIQUE DE CARVALHO OLIVEIRA: "As imagens do luxo: a relação entre o consumir e o ser consumido". (Dissertação apresentada à banca examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Comunicação e Semiótica sob a orientação do(a) Prof.(a), Doutor(a) Norval Baitello Júnior). São Paulo 2010.
Nota:
A imagem (Revista "A Cigarra", edição de 1917) inserida no texto não se inclui na referida tese.
As referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.
O texto postado é apenas um dos muitos tópicos abordados no referido trabalho.
Para uma compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da tese em sua totalidade.
Disponível digitalmente no site: Domínio Público
A história do luxo
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