O Brasil nas Telas do Cinema na Era Vargas

O Brasil nas Telas do Cinema

"Os filmes de uma nação refletem a mentalidade desta, de uma maneira mais direta do que qualquer outro meio artístico, por duas razões, primeira, [...] qualquer unidade de produção cinematográfica engloba uma mistura de interesses e inclinações heterogêneas, o trabalho de equipe nesse campo tende a excluir o tratamento arbitrário do material de cinema, suprimindo peculiaridades individuais em favor de traços comuns a muitas pessoas. Em segundo lugar, os filmes são destinados, e interessam às multidões anônimas. Filmes populares – ou para sermos mais precisos, temas de filmes populares – são supostamente feitos para satisfazer os desejos das massas.

O cinema também foi um dos meios de comunicação que participaram desse esforço concentrado. Alguns filmes eram essencialmente nacionalistas, exaltando figuras históricas ou fazendo apologia à política forte de Vargas, para muitos, necessária naquele contexto histórico e econômico.

Sempre que Vargas se apresentava em público, filmava-se o acontecimento, para que a cena pudesse ser repetida pelo país todo pelos cines-jornais, filmes curtos que destacavam as realizações do regime e eram exibidos nos cinemas antes do filme principal. Os cines-jornais moldaram fortemente a percepção de todo brasileiro de renda acima do nível de subsistência, porque os cinemas cobriam o país inteiro e traziam o mundo exterior até seus freqüentadores.

A aproximação do presidente com a classe cinematográfica se deu tanto em relação aos produtores, financiando filmes e viabilizando através de leis a obrigatoriedade da exibição de filmes de curta-metragem, quanto com os técnicos, regulamentando a profissão, permitindo um campo de trabalho com alguma estabilidade.

Com o apoio do governo, a indústria cinematográfica, até então deficitária, pôde equilibrar-se. Alguns cineastas batalharam para fazer do Estado o grande mecenas do cinema brasileiro, reivindicando, portanto, que ele desempenhasse um papel ativo e protetor dessa atividade cultural para fazer frente ao cinema norte-americano, muito bem situado no mercado brasileiro. Atendendo aos apelos da classe, o governo decretou, em 1932, a lei de obrigatoriedade de exibição de filmes nacionais. Com o apoio de Vargas, a indústria cinematográfica, até então deficitária, conseguiu equilibrar-se. Getúlio Vargas foi considerado pela categoria beneficiada como o "pai do cinema brasileiro".

Essa lei possibilitou que muitos cineastas pudessem realizar seus filmes sonhados a partir da sobra de material e recursos que eram liberados para o cine-jornal e da cobertura constante das obras e ações do Presidente. O cinema era utilizado amplamente para fazer de Vargas um homem verdadeiramente conhecido em todos os pontos do país. A sua imagem, quase sempre sorridente, despertava no povo a esperança de dias melhores e projetava para o povo a idéia de que ele encarnava de fato o "Pai dos Pobres". Essa idéia tornou-se consenso, sobretudo entre as classes populares formadas por uma multidão de homens e mulheres simples do povo, operários e demais trabalhadores urbanos.

O cinema recebeu especial atenção porque nessa época a imagem passou a ser considerada como instrumento importante para a conquista das massas. Os ideólogos do Estado Novo e o próprio Vargas demonstraram grande interesse nesse campo. O governante concebia o cinema como veículo de instrução e, nesse sentido, declarou "o cine será o livro de imagens luminosas em que nossas populações praieiras e rurais aprenderão a amar o Brasil. Para a massa de analfabetos, será a disciplina pedagógica mais perfeita e fácil".

Apostava-se num veículo que pudesse alcançar a grande massa, nos mais recônditos espaços do território brasileiro, levando uma "verdade" que, para muitos, sem o desenvolvimento da escrita e da leitura, tornavam-se muito receptivos às mensagens, aos slogans e, sobretudo, às imagens que chegavam pelas telas de exibição dos filmes.

O poder de atingir o plano simbólico e construir modelos exemplares, reproduzindo valores e comportamentos são as "pedras de toque" do cinema, que se mostrava um meio de comunicação extremamente funcional na prática discursiva para o convencimento das massas. Chegando a lugares remotos, essas exibições causavam um impacto grandioso. Convidava aquele povo, de certa forma esquecido pelos governantes, em membros da sociedade e da Nação brasileira. A sensação de pertencimento permitia que a mensagem se espalhasse com muita fluidez.

Em um discurso, proferido em julho de 1934, numa manifestação de apoio ao seu governo, realizada pela Associação Brasileira de Produtores cinematográficos, Getúlio Vargas reafirmava a importância e o papel fundamental que o cinema desempenharia durante seu governo em relação à educação estética e valorativo do povo brasileiro:

[...] Entre os mais úteis fatores de instrução, de que dispõe o Estado moderno, inscreve-se o cinema. Elemento de cultura influindo diretamente sobre o raciocínio e a imaginação, ele apura as qualidades de observação, aumenta os cabedais científicos e divulga o conhecimento das coisas [...] O cinema será, assim, o livro de imagens luminosas em que as nossas populações praieiras e rurais aprenderão a amar o Brasil, acrescendo a confiança nos destinos da Pátria. Para a massa dos analfabetos, será a disciplina pedagógica mais perfeita, mais fácil e impressiva. Para os letrados, pelos responsáveis pela nossa administração, será essa admirável escola de aprendizagem.

O gênero que, assim como o teatro de revista, mais se aproximou dos pressupostos nacionalistas no cinema brasileiro, foram as "chanchadas". Esses filmes eram considerados pela crítica da época como pastiches dos filmes norte-americanos e eram taxados de cinema de péssima categoria. Sergio Augusto, em seu livro "Esse mundo é um pandeiro", explicita o teor ácido dos críticos e suas "alfinetadas" em relação às produções dos filmes cômico-musicais que marcaram esse período histórico como um dos grandes momentos de sucesso de público dos filmes nacionais. Quanto maior era a fluência dos espectadores, mais "raivosos" pareciam ser os petardos dos críticos dos jornais/periódicos.

A chanchada era um gênero de divertimento que reunia características variadas e acumuladas pela comédia popular ao longo da história. Esse gênero de filme, um tipo de comédia musical, incorporou tanto nos seus enredos como nas formas, elementos do circo, do rádio, do cinema estrangeiro e do teatro de variedades – a versão nacional do vaudeville francês, aqui popularmente conhecido como "teatro de rebolado". Do circo e do rádio vieram atores, cantores e realizadores das chanchadas; as revistas teatrais contribuíram com parte expressiva do modelo e o cinema estrangeiro forneceu temas para algumas paródias.

Com efeito, vistas sob os olhares do tempo presente as "chanchadas", sobretudo as produzidas pelo estúdio da "Atlântida", permitem-me vislumbrar uma tentativa de diálogo que se estabeleceu verdadeiramente entre os produtores, atores e técnicos com o grande público. O povo queria se ver na tela, e os principais "astros" desse gênero cinematográfico pareciam encarnar os tipos característicos, propostos pelos intelectuais acerca da gente brasileira, com suas características estereotipadas como “astúcia”, “simplicidade”, “humildade” e “benevolência”. As mazelas estavam todas lá, mas o que se ressaltava era a capacidade inventiva, louvando-se a criatividade, marca registrada de um grupo social que "carregava" o país nas costas.

As chanchadas, sejam temas originais, adaptados ou simplesmente paródias, tinham características semelhantes às das revistas musicais. Sua linguagem era simples e muitas vezes carregada de malícia nas palavras de duplo sentido, nos trocadilhos ou na sua ironia. Os enredos desses filmes, do mesmo modo como os das revistas, estavam voltados para acontecimentos recentes do cotidiano, da política e dos costumes, especialmente do Rio de Janeiro – a Capital Federal. Os quadros musicais que se alternavam no decorrer do filme eram os grandes sucessos de cantores da época ou lançamentos, principalmente dos temas carnavalescos e, ainda, em alguns filmes apareciam paródias de músicas estrangeiras.

Os números musicais, apoteóticos, eram transposições do formato apresentado nas revistas, ampliado em possibilidades de doses e ângulos que só a linguagem cinematográfica pode oferecer. Os cenários, sobretudo nesses números musicais, eram "colossais", e o guarda-roupa de uma companhia cinematográfica deveria ser também portentoso, pois esses elementos eram indicadores de que a produção era esmerada e que uma grande soma de dinheiro havia sido investida.

As canções de exaltação entoadas pelos grandes cantores e cantoras que faziam sucesso nos programas radiofônicos ajudavam a embalar as platéias e garantia grandes bilheterias aos filmes, principalmente os lançados no período pré-carnavalesco. As canções lançadas nos filmes geralmente se tornavam estrondosos sucessos nos dias de folia: Desde a sua origem, a chanchada é como o samba, o carnaval e o futebol, que mantém vínculos profundos com a cultura das classes populares e, no seu conjunto, são portadores de uma outra visão da sociedade.

Esse gênero tipicamente latino-americano ganhou colorações próprias no Brasil e a simpatia dos órgãos governamentais que estimulavam as produções e o seu conteúdo. Durante a "Era Vargas", esses filmes, "estrelados" por Oscarito, Grande Otelo, Eliana, Zé Trindade, entre outros, foram constantemente aceitos e alavancados pelas benesses do Governo Federal.

A chanchada tornou-se o meio pelo qual manifestações originadas na cultura das classes populares penetraram e passaram a compor o repertório da indústria cultural. Ao veicular essas manifestações na forma de paródia, invertia o sentido e criava uma nova maneira de ler os acontecimentos, registrando um processo consciente de crítica ante as políticas culturais que uniformizam e procuram eliminar a diferença. Nesse sentido, a chanchada aparece como um modo de expressão de classe que canalizava sua insatisfação diante dos processos de estatização da vida festiva, da restrição da praça pública, da supressão do riso pela seriedade oficial.

O DIP, por exemplo, praticamente não interferiu nessas produções no que tange a questões ideológicas. Uma ou outra intervenção acontecia quando achavam que o teor de sensualidade ultrapassava o permitido. A censura era muito maior em relação aos valores do que em relação às situações criticadas ou formação de opinião contra as ações do executivo. Até porque, esses filmes, direta ou indiretamente, durante o Governo Vargas, sempre tiveram relação respeitosa com o presidente, mantendo-o fora do eixo de críticas, e quando o mesmo era referendado, a atitude era, quase na totalidade das vezes, laudatória e de aceitação assim como se estivessem perdoando por qualquer problema ou assinando em baixo sua carta de intenções.

Para o autor Renato Ortiz, as imagens e os símbolos que edificaram, ou procuraram edificar a identidade da nação brasileira, estavam em elementos originados da cultura popular, como o futebol, o carnaval e o samba. A escolha desses símbolos, sem sombra de dúvidas, para o autor, concretizou-se em grande parte sob a atuação do Estado que percebia a possibilidade de estimular no povo a sensação de pertencimento por meio dessas manifestações culturais.

O nosso exemplo, prossegue Renato Ortiz, é bastante diferente de outros países, que tiveram na tecnologia, na siderurgia ou no progresso dos transportes, seus mais caros símbolos de modernidade, investidos na construção de suas identidades nacionais.

O carnaval, o futebol, ou o samba, não se constituíam em elementos da nacionalidade brasileira nos anos dez ou vinte. O samba carregava o estigma da população negra; o carnaval o fausto dos bailes venezianos e a prática ancestral do entrudo português; o futebol era um esporte de elite importado da Inglaterra. Foi a necessidade do Estado em se apresentar como popular que implicou na revalorização dessas práticas, que começava cada vez mais, a ter a dimensão de massa.

Essa união entre público, artistas de cinema, o Poder Executivo e seus braços, poucas vezes foi vista em nossa história. A ajuda do Governo, criando leis protecionistas e legalizando a profissão de técnicos da indústria cinematográfica, gerava uma atitude parcimoniosa e de grande respeito. A produção do cine-jornal e dos filmes (poucos, mas expressivos) épicos, educativos afinava-se com a idéia de educação das massas, buscada por alguns setores do DIP e do Ministério da Educação.

As chanchadas em si eram vistas não como filmes voltados à educação das massas, mas sim como forma de alívio das tensões, do riso, da pândega que afrouxavam nas classes populares o ímpeto revolucionário.

Esses filmes eram também uma fonte alternativa para se contrapor à hegemonia da produção "hollywoodiana" que já nos anos 30/40 inundava o mundo com suas histórias, seus costumes e com o "american way of life". Possibilitar um fortalecimento dos filmes nacionais, que empregavam técnicos, atores, músicos, cantores, orquestras, enfim, a mão-de-obra nacional, e apresentavam o Brasil para os brasileiros de todas as regiões era algo muito importante para as pretensões de formação do caráter identitário por parte do Poder Executivo.

Alguns exemplos mostram como o carnaval e os festejos característicos do período carnavalesco entraram nas telas de cinema virando mote e até enredo principal. As escolas de samba foram as estrelas do primeiro filme brasileiro com som direto A Voz da Cidade, de Ademar Gonzaga, que retratou o carnaval de 1933.

Outro momento foi em 1946 quando a reportagem de jornalistas ligados ao mundo do esporte registrou os principais momentos que aconteceram na avenida. O filme rapidamente foi exibido, o que denota a falta de uma edição mais apurada, pois o objetivo era lançar o mais rápido possível a fita. O anúncio do filme era o seguinte: O Carnaval da Vitória, Hoje no Cineac. Sensacional! Esfusiante! Ruidoso! Numa dinâmica reportagem especial do Esporte em Marcha. Carnaval de 1946, Blitz X Fritz e variedades.

Também no carnaval de 1946, um período em que a cidade de Petrópolis começava a rivalizar com a cidade do Rio, em termos de bailes e requinte durante a festa, registraram a presença de vários cineastas e fotógrafos interessados em conhecer a animação característica do período momesco, em que até uma famosa atriz de Hollywood se fez presente.

Doze diretores da Metro Goldwyn Mayer e jornalistas e fotógrafos estrangeiros estiveram em Quitandinha de forma que o espetáculo oferecido pelos divertimentos carnavalescos e bailes ali realizados, inclusive infantis, serão motivos para as películas que correrão mundo. Um dos fatos mais interessantes foi a presença da atriz americana Lana Turner, que demonstrou muito agrado pela música popular brasileira especialmente o frevo, que dansou animadamente."

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Fonte:
Guilherme José Motta Faria: "O Estado Novo da Portela: circularidade cultural e representações sociais no Governo Vargas." (Dissertação de mestrado pela Universidade do Estado do Rio de Janeir. Orientador : Francisco Carlos Palomanes Martinho). Rio de Janeiro, 2008.

Nota
:
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As referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.
O texto postado é apenas um dos muitos tópicos abordados no referido trabalho.
Para uma compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da tese em sua totalidade.

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Um comentário:

  1. Boa noite, Gostei muito do texto, a maneira como o conteúdo é abordado. Mas gostaria de saber se todos esses fatos relatados por vocês pertencem a década de 30 e 40?


    Obrigada, esse texto ajudou-me muito

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