“Qualquer pesquisador, que tenha seu tema circunscrito à época de Constantino, tem que lidar com duas grandes tradições historiográficas que remontam a meados do século XIX, e início do século XX.
A partir de um exame sumário, é simples observar que os pesquisadores concentraram suas atenções principalmente sobre a campanha italiana de 312, nas palavras de Paul Veyne “um dos acontecimentos decisivos da história ocidental, e mesmo mundial, se produziu em 312, no imenso Império Romano”.
A campanha contra Maxêncio não é vista somente como o clímax de um drama histórico individual e global, e uma intricada discussão historiográfica, mas também se encontra circunscrita em um processo linear, num curso de eventos singulares que sugerem a associação cada vez mais forte de Constantino com o Cristianismo a partir de 312.
Descortina-se, então, algo sem precedentes na história romana: a intervenção do imperador na política eclesiástica, e seu correlato, o envolvimento dos bispos nas decisões do Império Romano. “(...) em 312, o mais imprevisível dos acontecimentos estoura (...)”, dada a sua significação para o futuro da história do Império Romano - e, porque não, do Ocidente -, apenas uma experiência religiosa, e “imprevisivelmente” dramática, parece o bastante para explicá-la.
Nas primeiras décadas do século XX, um dos principais proponentes deste viés historiográfico foi o bizantinista inglês Norman Hepburn Baynes (1877–1961). Em uma resenha publicada no Journal of Roman Studies, ele observou a existência de um “crescente consenso” entre os estudiosos sobre a importância dos acontecimentos ocorridos na campanha contra Maxêncio, e sua importância para o desenvolvimento da política religiosa de Constantino pós-312.
O próprio Baynes tomou parte deste “consenso”
Enfastiado com a tendência historiográfica então dominante entre os pesquisadores do período, os quais, segundo Baynes, analisavam Constantino a partir de preconceitos ideológicos e teológicos; este pesquisador propunha uma remodelação dos estudos sobre Constantino, a qual foi fortemente influenciada pelos trabalhos do historiador alemão Otto Seeck (1850-1921), um dos primeiros a propor este redimensionamento da questão.
Como ponto de partida, Baynes propunha os documentos do próprio imperador – suas cartas, editos e discursos –, de forma a melhor analisarmos a atmosfera de sua época. Nestes documentos, Baynes detectou um espírito de religiosidade supersticiosa, concluindo que Constantino se converteu ao Cristianismo em 312, por nenhuma razão além de uma simples experiência de combate, o sucesso desta campanha conquistou sua fidelidade religiosa ao Deus Cristão.
Fundamentado nesta experiência, Baynes – assim como Otto Seeck – concluiu que Constantino desenvolveu um verdadeiro “sentido de missão”, o qual guiou sua política religiosa pós-312 – especialmente em relação à Igreja. O principal objetivo desta política não era outro além do “triunfo do Cristianismo e a união do Estado Romano com a Igreja Cristã”.
Neste sentido, Baynes, em adição à sua astuciosa argumentação e à maciça evidência sobre a qual se apóia, tem por objetivo estabelecer uma análise histórica que interprete o período sem gerar anacronismos interpretativos, nem que trabalhe apenas a partir das categorias de pensamento da época em análise.
Uma interpretação de Constantino a partir das categorias de sua própria época iria pouco além da tradicional narrativa de um fenômeno milagroso. Uma época em que todos concordavam com a existência de uma intervenção ativa das forças divinas nos assuntos humanos, a época de Constantino foi analisada como um momento no qual a ação da providência divina era uma explicação satisfatória para uma mudança tão inesperada.
O esvaziamento destas explicações, que repousam na assunção da existência de poderes supra-humanos, é um fenômeno moderno. Nossa época não acha sentido nas explicações históricas baseadas em milagres, de onde provêm os questionamentos levantados pelos pesquisadores. De forma similar, deveríamos nos perguntar se estão certos em rejeitar o aspecto religioso, se concentrando apenas em fatos políticos e sociais, repudiando um fator fundamental e estruturante para a época e, por sua vez, distorcendo a questão para o extremo oposto.
A arguta análise de Baynes sobre a conversão de Constantino como resultante de uma simples experiência divina, lida bem com estas variáveis. Como uma explicação psicológica, ela vai além da compreensão do tempo de Constantino, mas ela é, não obstante, uma explicação que faz jus à motivação baseada em sentimentos religiosos “supersticiosos” do Baixo Império Romano.
Entretanto, as teses Otto Seeck e de Norman Baynes possuem alguns pontos frágeis, que diminuem sua consistência interpretativa. O principal é a assunção de uma linearidade acumulativa, ou seja, um crescente relacionamento de Constantino com o Cristianismo pós-312. Este relacionamento, não obstante, é devido à ênfase unilateral dos pesquisadores com este aspecto específico de sua trajetória, e, especialmente, se remetendo à documentação escrita cristã, e às cartas do imperador.
Caso nosso foco seja lançado sobre a documentação material, por exemplo, as moedas de Constantino continuaram a proclamar seu relacionamento especial com o deus Sol Inuictus, de forma ainda mais acentuada no pós-312, enquanto, no mínimo, faziam referências ambíguas a quaisquer interesses do imperador em relação a sua “nova religião”, conforme veremos mais adiante.
Quase uma década após o ano de 312, Constantino especificamente prescreveu a consulta de livros sagrados “pagãos”, quando um raio atingiu o teto do Capitólio em Roma, e uma inscrição achada no Egito que mostra que mesmo em 327, o imperador ainda subsidiava os cultos tradicionais e as viagens de seus sacerdotes.
No final de seu governo – entre 333 e 335 –, Constantino aprovou uma petição dos cidadãos de Hispellum na Úmbria para a dedicação de um templo Greco-Romano tradicional à gens Flávia. Além disso, ele erigiu em Constantinopla uma estátua de si mesmo, representado como o Sol Inuictus para a qual, segundo o historiador Filostórgio, honras divinas eram prestadas pelos cidadãos após sua morte.
Outrossim, do próprio Eusébio de Cesaréia temos evidências implícitas que Constantino manteve filósofos pagãos em seu círculo íntimo de corte em seus últimos anos. Para um imperador tão firmemente ligado ao Cristianismo como Baynes supôs, estas ações são indecisas de um modo perturbador.
Não obstante, o próprio Baynes estava ciente dos problemas de sua tese. Para explicá-los, argumentou que Constantino precisava se mover lentamente em face à oposição pagã, especialmente enquanto continuava existindo um imperador pagão como seu colega, no Oriente. Até a derrota de Licínio em 324, de acordo com esta interpretação, Constantino necessariamente moveu-se cuidadosamente, mas a partir do momento em que se tornou o único governante ele pode ser visto agindo mais abertamente e diretamente. Deste modo, Baynes admitiu que devem ter havido mudanças nos meios que Constantino empregou. Mas, sustentava, o imperador foi sempre consistente nos fins que ele buscava.
Outro pesquisador que desenvolveu esta posição foi o historiador e numismata húngaro Andreas Alföldy (1895-1981), o qual estudou o poder contínuo do sentimento pagão, particularmente aquele da aristocracia, mesmo após 324. Os atos pagãos de Constantino, concluiu Alföldy, deveriam ser vistos mais como concessões necessárias do que como atos voluntários, sendo menos surpreendentes que sua coragem em afirmar a causa cristã, e buscar sua expansão, tal como fez.
Esta argumentação é interessante, contudo, continua possuindo certas inconsistências. Em primeiro lugar, um homem convertido por um milagre faria tais cálculos políticos sobre o paganismo? Se os fez, então porque não fez o mesmo com o Cristianismo? E o que devemos fazer com os eloqüentes pronunciamentos feitos por Constantino sobre um comportamento de tolerância religiosa e liberdade de culto – devem ser reduzidos a um plano político? Como podemos explicar o tratamento favorável que Constantino estendeu ao Cristianismo antes de 312? Se seu relacionamento com a Igreja dependia de seu comprometimento pessoal a partir daquele ano, então estas ações anteriores devem ser repudiadas ou ignoradas.
Entretanto, a despeito destes problemas, Norman Baynes sustentava firmemente sua posição, a qual era obviamente uma estratégia de combate dentro do campo historiográfico. Desde meados do século XIX, o viés historiográfico que dominava os estudos sobre Constantino tinha maculado seu relacionamento com a Igreja Cristã ao negar a sinceridade de sua conversão.
O grande nome desta tradição historiográfica é o do historiador suíço Jacob Burckhardt, o qual desenvolveu ideias outrora esboçadas nas palestras de seu professor Bartold Georg Niebuhr (1776-1831), em sua obra Die Zeit Constantins des Groβen, cuja primeira edição data de 1853.
Assumindo como orientação que todos os homens no poder são velhacos e maquiavélicos, Burckhardt combatia a imagem medieval de um Constantino santificado, e do milagre sobre o qual esta visão se fundamentava. Ao invés disso, Burckhardt retratou um imperador que era, como os “grandes homens” de seu tempo, “essencialmente não-religioso”, alguém que simplesmente usou a Igreja como um instrumento para realizar suas pretensões pelo poder supremo.
Constantino era um político calculista que, astuciosamente, empregou todos os meios necessários para assegurar e manter o poder. Como uma pessoa descrente que nunca se colocou do lado de uma única facção – cristãos, politeístas, soldados, senadores, bispos, servidores palacianos –, preferiu estar sempre perto de todos.
O trabalho de Jacob Burckhardt apontou um caminho para uma compreensão fundamentalmente não-cristã da trajetória de Constantino, mas, o fez à custa da própria sinceridade e religiosidade do imperador. Seguindo esta direção, um autor da época de Baynes retratou Constantino como completamente desviado, indivíduo inescrupuloso que amava seu “zickzackkurs” (caminho em ziguezague).
Após o sucesso da tese de Burckhardt, grande parte dos historiadores alemães aceitou a visão de que Constantino adotou o Cristianismo por motivos políticos, utilizando-o para propósitos políticos, não se comprometendo, nem o Império, com a religião.
Este viés teve como um de seus expoentes o historiador belga Henri Grégoire que em 1930 rejeitou a autenticidade não apenas da conversão de Constantino ao Cristianismo, como também da autoria da Vida de Constantino, por Eusébio de Cesaréia e, de fato, de toda a tradição pró-imagem religiosa de Constantino.
Para Theodor Heim, embora Constantino tenha sido de algum modo afetado pelo Cristianismo, e tenha sido batizado no leito de morte, suas ações oficiais tendiam entre o paganismo e o cristianismo. Theodor Zahn retratou Constantino como o campeão de um vago monoteísmo, não especificamente cristão, até sua vitória sobre Licínio, após a qual foi definitivamente um cristão.
Joachim Marquandt afirmou que Constantino construiu templos pagãos em Constantinopla, e que nunca rompeu com as tradições religiosas romanas, sendo incerto afirmarmos que ele fosse cristão. Brieger analisando as emissões monetárias, e outros vestígios materiais, inferiu que embora Constantino tivesse uma grande variedade de superstições cristãs, estas não suplantaram suas ideias pagãs originais.
Neste sentido, a tese de Baynes tinha como objetivo refutar estas análises historiográficas, e reorientar as pesquisas sobre Constantino – e o conseguiu com maior sucesso que Otto Seeck. Não obstante, a historiografia moveu-se para além de suas premissas.
O ano de 312 foi certamente central para a trajetória de Constantino, mas sua política a partir desta época parece ter refletido um gradual desenvolvimento de tendências anteriores, mais do que um recomeço. A repressão ativa do paganismo, uma conseqüência necessária da interpretação de Baynes, é bastante questionável: há evidências que seus contemporâneos pagãos viam as relações de Constantino com o Cristianismo, como um mal suportável. Mais e mais, a conclusão que todos os gestos religiosos de Constantino devem ser entendidos como exclusivamente dirigido em relação ao estabelecimento da Igreja Cristã parece inadequado.
No decorrer do século XX, surgiram vários trabalhos que, de uma forma geral, podem ser relacionados a estas duas tradições historiográficas – em especial à proposta de Norman Baynes.
A despeito destas duas perspectivas, desenvolveu-se na historiografia francesa uma análise baseada na ideia de sincretismo filosófico em torno da existência do Deus Supremo, do qual Constantino era fiel.
Nas décadas de 1930 e 1940, o historiador e arqueólogo francês André Piganiol (1883- 1968) publicou dois estudos sobre Constantino e a formação do Império Cristão. Nestes estudos, Piganiol se preocupou em refutar como falsas as premissas dos estudos que enxergam Constantino a partir de um realismo político; concluindo que Constantino buscava o culto do Deus Supremo, a qual já era, por si só, uma evolução do sincretismo filosófico-religioso do século III. Posição também defendida por Jacques Moreau.
Neste sentido, Constantino não foi o causador da conversão do Ocidente, pois não tinha objetivos prosélitos, mas de tolerância religiosa; sendo a afirmação das políticas religiosas propostas por Lactâncio em sua obra Instituições Divinas.
O recente trabalho de Jean-Michel Carrié e Aline Rousselle apresenta os mesmos questionamentos sobre o caráter religiosamente sincrético de Constantino. Analisando as manutenções de signos politeístas de poder, como o culto imperial, a consecratio e o aduentus; e seu diálogo com os símbolos cristãos, permeado por múltiplas ambigüidades, como no caso da cidade de Constantinopla.
Sendo assim, para os autores, Constantino, até 312, era um crente da Suprema Deidade, e que progressivamente substitui o aspecto público do politeísta pelo cristianismo. Sendo o sinal principal desta mudança a presença proeminente dos bispos, conseqüentemente, o cristianismo se tornou a forma de justificação política preferida do poder imperial.
Um importante historiador que seguiu abertamente Norman Baynes foi o inglês Arthur Hugh Martin Jones (1904-1970), que em 1948 publicou Constantine and the conversion of Europe. Para Jones, Constantino já cultuava o Deus Supremo – na forma do deus Sol Inuictus –, sendo o Deus Cristão visto como o mesmo Deus Supremo que anteriormente cultuava. Após ter se tornado imperador das Gálias, e, em especial, após sua visão mística de 312, Constantino desenvolve uma política claramente pró-cristã; através de restituições e patrocínio.
Os cristãos, então, de um grupo ínfimo, principalmente na aristocracia senatorial, se tornaram, ao cabo de cinqüenta anos, a maioria da população. A conversão de Constantino redefiniu a relação entre Estado e Igreja, que acabou por ser utilizada pelo imperador como forma de legitimação, principalmente após o Concílio de Nicéia.
Ramsay MacMullen (1928-), autor com uma prolífica produção sobre o tema do Cristianismo e do paganismo no mundo antigo, interpreta a conversão de Constantino como um evento que mudou radical e rapidamente a situação religiosa do Império Romano. Da mesma forma que Piganiol, MacMullen afirma que Constantino não tinha um objetivo prosélito, embora seu patrocinium imperial à sua nova religião tenha permitido sua grande expansão pelo século IV.
Inserindo a expansão do Cristianismo na longa duração, MacMullen busca os determinantes sociais para sua difusão, e encontra no governo de Constantino – “a Friend of the Church” – um momento de rápida e importante expansão do cristianismo pelos intelectuais, e pelos grupos dominantes da população.
Embora não tenha escrito nenhum trabalho especificamente sobre Constantino, os estudos de Peter Brown possuem as vantagens de inserir a conversão deste imperador na trama histórica da Antiguidade Tardia.
Também seguindo a orientação metodológica de Norman Baynes, Brown interpreta que as leis e cartas pessoais emitidas por Constantino após 312, “decorreram mais de um desenvolvimento em curso desde o século III, que do aparente milagre da Ponte Mílvio”.
Constantino e seus sucessores trouxeram às igrejas cristãs paz, riqueza e, acima de tudo, a habilidade de se organizarem e se enraizarem a nível local, com as vultosas contribuições que os imperadores a partir de Constantino lhes ofereceram, tendo como retribuição a legitimação de seu poder.
Em vista disto, sob o patrocinium imperial, as igrejas formaram uma malha pelo Império Romano, que se manteve após a derrocada da parte Ocidente, patente desde a tomada de Roma por Alarico, o Visigodo, em 410. Eram os tempora christiana, no qual as igrejas ocidentais não precisaram mais do Império para se manter.
Na atualidade, nenhum estudo sobre Constantino pode se furtar em mencionar as importantes contribuições do inglês Timothy David Barnes (1942-). Seguidor das teses de Baynes, Barnes em seus livros Constantine and Eusebius (1981), e The New Empire of Diocletian and Constantine (1982) retratou um Constantino mais humano e com todas as limitações, o qual experimentou uma conversão radical e, em seguida, objetivou expandir sua fé pelo Império Romano.
Sua relação com o Cristianismo que se conformou desde o início de seu reinado, se tornou mais forte ainda no pós-312; sendo o coroamento desta conversão o patrocínio à construção de igrejas, e à institucionalização da Igreja, através de concílios.
Neste sentido, Constantino não é tão enigmático e supersticioso quanto nas páginas de Norman Baynes, sendo, por outro lado:
Após 312, Constantino considerou que sua principal responsabilidade como imperador era inculcar a virtude em seus súditos e persuadi-los a cultuar Deus. O caráter de Constantino não é completamente enigmático; com todas as suas falhas e a despeito de sua intensa ambição pelo poder pessoal, ele, não obstante, acreditava sinceramente que Deus lhe conferiu uma missão especial de converter o Império Romano ao Cristianismo.
Esta postura de Barnes apresenta muitos pontos de contato com as análises de longa duração desenvolvidas por Robin Lane Fox em Pagans and Christians, de 1986. Este trabalho tinha por objetivo fazer um exame amplo, e profundo, das mudanças ocorridas no mundo romano, principalmente nos séculos III e IV, quando o paganismo foi superado em favor do cristianismo.
Na obra de Lane Fox, Constantino é novamente visto como um personagem central ao favorecer a expansão da Igreja, e a conformação do seu dogma, ao patrocinar concílios, e promulgar leis que favoreciam os membros de sua nova religião.
Dos últimos estudos monográficos que tem por objeto Constantino, desenvolveram argumentações totalmente favoráveis a um Constantino cristão, sendo o auge desta tendência as obras de T.G. Elliot, The Christianity of Constantine the Great (1996), e de Charles Matson Odahl, Constantine and the Christian Empire (2004).
Para T.G. Elliot, Constantino já estava comprometido com o cristianismo desde o início de sua vida, pois seus pais – Constâncio Cloro e Helena – já eram cristãos. Quando Constantino se tornou imperador mostrou a todos sua persona christiana, daí as suas políticas, e a de seu pai, favoráveis aos membros desta religião.
Já Charles Odahl apresenta um retrato histórico-biográfico de Constantino baseado numa extensa documentação, o que não o impede de fazer uma leitura linear do desenvolvimento religioso de Constantino, do paganismo ao cristianismo, de uma forma teleológica.
Para Odahl, Constantino era um fiel seguidor do Cristianismo, entretanto isto não inviabilizou um governo de tolerância religiosa para com os seus súditos. Constantino possuía um forte sentido de missão, e usou seus poderes para promover e proteger a Igreja Cristã.
Recentemente, o clérigo anglicano, e reputado historiador inglês, Henry Chadwick (1920-2008) –
Chadwick problematizou o relacionamento com o divino como um dos aspectos principais da legitimação de Constantino, desde os momentos iniciais de seu governo na Gália e Britânia. Neste ponto, Chadwick também assumiu a existência de um sincretismo religioso em torno das divindades solares – Apolo, Sol Inuictus e o Deus Cristão (o sol da justiça).
Por fim, a última obra lançada sobre Constantino, que chegou até nosso conhecimento, e o desenvolvimento do Cristianismo no ocidente, a qual foi escrita pelo historiador francês Paul Veyne (1930-) – Quand notre monde est devenu chrétien (312-394), de 2007. Para este autor, o grande papel histórico de Constantino foi o de fazer do Cristianismo, sua religião pessoal, uma religião favorecida pelo poder imperial, ao contrário do paganismo.
Segundo Veyne, Constantino foi um homem pragmático, que evitou o conflito direto que seria causado caso forçasse os pagãos à conversão, mas tampouco deve ser visto como um político que objetiva inculcar uma “ideologia” em seus súditos.
Sua interpretação de Constantino termina com a seguinte explicação sobre as causas de sua conversão:
O motivo da conversão de Constantino é simples, me disse Hélène Monsacré: àquele que desejava ser um grande imperador, era necessário um grande deus. Um Deus gigantesco e amante, que se apaixona pela humanidade, suscitava sentimentos mais fortes que a multidão de deuses do paganismo, que viviam para si mesmos; este Deus desenrolava um plano não menos gigantesco para a salvação eterna da humanidade; ele se imiscuía na vida de seus fiéis exigindo-lhes uma moral estrita.
O Constantino de Paul Veyne se torna então um indivíduo cuja importância é central para a história da Humanidade, uma vez que sua conversão lançou bases para a cristianização do Império Romano, fundamentando a civilização ocidental.
Em fins do século XX, os estudos sobre Constantino tenderam a enfatizar menos o conflito entre o viés que o analisa pelo prisma de sua religiosidade mística – Baynes, Seeck, e outros –, ou como um político realista – Burckhardt, Grégoire, e outros. Por seu lado, os estudos contemporâneos têm por objetivo inserir Constantino na relação entre cristianismo e paganismo a partir de um viés que relacione aspectos políticos e religiosos.
Os principais exemplos desta tendência, que se desenvolveu, principalmente, no mundo Anglo-Saxão, e fortemente influenciados pelos estudos de Peter Brown, são os estudos de Harold Drake, de Elizabeth Digeser e Averil Cameron.
Estes três autores apresentam a preocupação em trabalhar com o contexto de Constantino, e com a questão da afirmação do poder imperial, buscando inferir o relacionamento entre o imperador, cristianismo e paganismo na passagem do século III para o século IV, e na formação do mundo tardo-antigo.
Em seus trabalhos sobre Constantino, a historiadora inglesa Averil Cameron (1940-) buscou inserí-lo em um contexto histórico permeado por transformações e continuidades, que levaram ao desenvolvimento de um “novo Império”. Em todos os aspectos – políticos, administrativos, religiosos, e outros –, Constantino seguiu as tendências de seus antecessores.
Outra grande vantagem do estudo de Averil Cameron é ser uma das primeiras a dar relevo à importância que Constantino atribuía à sua imagem pública, e sua difusão através de moedas, e monumentos.
Em seus estudos, os americanos Elizabeth DePalma Digeser (1959-) e Harold Allen Drake (1942-) trabalharam com a questão da fundamentação religiosa do poder imperial na Antiguidade Tardia. Elizabeth Digeser fez um estudo das políticas religiosas de Constantino no pós-312, e como elas se relacionavam com as proposições do rétor Lactâncio expostas em sua obra Instituições Divinas.
Para a autora, Constantino pôs em prática certas ideias de Lactâncio, principalmente a tolerância religiosa, e a concórdia em torno da liberdade religiosa, sendo a legitimidade do sistema político baseada na escolha da Deidade Suprema, identificada com o Deus cristão, desta forma, o providencialismo subjazia a justificação de direito divino do imperador.
Harold Drake, por seu lado, sugere que Constantino buscava não somente um deus para crer, como também uma política religiosa que pudesse adotar, tendo em vista a crença que os fundamentos do poder imperial derivam do sagrado. As medidas deste imperador, deste modo, foram constituídas para assegurar a estabilidade do Império e o cumprimento das obrigações imperiais de Constantino, assegurando o favor das potestades sobrenaturais. Para Drake, esta política de Constantino se baseava em um consenso entre pagãos e cristãos, e na tolerância religiosa. Suas políticas enfatizavam a diversidade e uma ortodoxia vagamente definida, o que indicaria que Constantino enxerga o Cristianismo como uma “umbrella organization”, na qual diferentes grupos estariam reunidos sob uma “big tent” de interesses mútuos, baseados nos campos simbólicos comuns entre os membros da sociedade – o que assegurava a legitimidade sagrada deste imperador.
Neste sentido, o autor afirma a necessidade de estudos que analisem o contexto de Constantino de forma mais ampla, não apenas a questão do cristianismo, como também a relação entre a figura do Imperador e o politeísmo, as heranças filosóficas helenísticas comuns a cristãos e politeístas. Principalmente, Drake afirma a necessidade de trabalhos que examinem a relação entre os discursos e a afirmação do poder imperial.
Embora o debate historiográfico sobre Constantino seja de longa data, e apresente múltiplas teses, concordamos com H. A. Drake, para o qual uma questão central tem sido negligenciada pela historiografia. Para este autor, devido aos efeitos de cisão de quase uma década de perseguição e o insucesso das medidas persecutórias, deveríamos nos perguntar pelas opções políticas abertas àquele que se tornasse imperador em 312, pouco importando sua crença religiosa.
A nosso ver, a explicação para a não proposição desta questão subjaz no interesse exagerado dos estudiosos desde Niebuhr e Burckhardt em estabelecer, ou menosprezar, a sinceridade da conversão de Constantino, e a força de seu comprometimento com o cristianismo. Por esta razão, eles assumem não somente que tudo aquilo que Constantino fez era planejado, como também que apenas um cristão poderia lidar com a “questão cristã”.
As premissas sobre as quais se fundamentam não são, contudo, justificáveis. Embora central para os debates acerca da ortodoxia da Grande Igreja que Constantino fortaleceu, a sinceridade de sua fé tem pouco a acrescentar numa análise política de seu governo, especialmente em análises de longa duração.
Deste modo, o Edito de Milão promulgado por Constantino pode ou não atestar sua sincera conversão, o mesmo no caso de Licínio, o co-signatário da lei. A questão se coloca principalmente porque os autores se preocupam refutar, ou então seguem a argumentação de Eusébio acerca da visão mística de 312, baseados num olhar cristão sobre este evento, o que encorajou tais questionamentos em torno da religiosidade de Constantino.
Outro ponto de partida, a nosso ver, pode ser proposto para o entendimento dos discursos cristãos e politeístas, inserindo-os no contexto das ideias sobre o governo, sobre o relacionamento entre o governante e o divino, que eram parte do sistema de representações imperiais desde antes do século IV.
Como bem analisou François Paschoud, a historiografia trata o tema a partir da divisão em dois campos estanques, os pagãos e os cristãos. Entretanto, devemos tratá-los não como adversários com posturas opostas, mas como irmãos que tinham a mesma educação, mesma sensibilidade estética, viviam no mesmo mundo, falavam a mesma língua.
Desta perspectiva, podemos observar temas comuns em muitos dos discursos que, devido a seu conteúdo religioso, têm sido artificialmente separados em categorias como pagão e cristão. Inseridos na figuração social específica que se desenvolveu no Império Romano entre os séculos III-IV havia incentivos políticos e filosóficos para a apresentação do governante romano como apoiado por um divino comes/philos, ou seja, um acompanhante divino.
Por esta razão, a existência de certos temas comuns nas representações da carreira de Constantino – como os que celebravam os vínculos de Constantino com o sagrado, seu sentido de missão providencial, a expressão de que era um governante sem paralelos, os seus laços de parentesco – eram comuns a oradores cristãos e politeístas, e nas expressões públicas do próprio Constantino.
Neste sentido, a presente análise se desenvolve a partir desta abordagem do relacionamento de Constantino com o paganismo e o cristianismo, tendo em vista as relações guardadas entre os discursos, e as representações da figura imperial, o que nos conduz ao cerne de nossos questionamentos – quais os mecanismos de legitimação do poder imperial no Baixo Império Romano."
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Fonte:
Diogo Pereira da Silva: "OS MECANISMOS DE LEGITIMAÇÃO POLÍTICA DE CONSTANTINO I (306-325)". (Dissertação submetida ao Programa de Pós-Graduação em História Comparada da Universidade Federal do Rio de Janeiro – PPGHC/UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em História Comparada. Avaliada por: Profa. Dra. Norma Musco Mendes – Orientadora (PPGHC-UFRJ), Prof. Dr. Francisco José Silva Gomes (PPGHIS-UFRJ), Profa. Dra. Andréia Cristina Lopes Frazão da Silva (PPGHC-UFRJ). Rio de Janeiro, 2010.
Nota:
A imagem inserida no texto não se inclui na referida tese.
As referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.
O texto postado é apenas um dos muitos tópicos abordados no referido trabalho.
Para uma compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da tese em sua totalidade.
Disponível digitalmente no site: Domínio Público
Constantino: um dissenso historiográfico
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