Getúlio Vargas e a Revolução de 1930

O Arquivo Vivo de hoje tratará da histórica Revolução de 1930, um acontecimento que modificou a estrutura política do Brasil. Mediante textos compilados de diferentes autores e de fotografias publicadas na revista "A Cigarra", em edição do outubro do mesmo ano, abordaremos, também, a pessoa de Getúlio Vargas, que assumiu o poder em caráter provisório, mas que se recusou a deixá-lo, mantendo-o por longos anos à base do populismo e da repressão política. Sem dúvida, um empolgante assunto para os que se interessam pela história do Brasil.
---

Ilustração da revista "A Cigarra", edição de outubro de 1930, cuja legenda é uma exaltação ao político Getúlio Vargas, considerado um "libertador": "S. Excia. o Dr. Getúlio Vargas, ilustre presidente do governo provisório do Brasil, que chefiou o movimento libertador. O Dr. Getúlio Vargas é o presidente do povo e o povo não quer outro para a presidência da República".

---
A Construção do Mito Político Getúlio Vargas
"O mito é uma realidade cultural extremamente complexa, que pode ser abordada e interpretada em perspectivas múltiplas e complementares. A pluralidade de conceitos e abordagens sobre mitos políticos perpassa diversos elementos, como as relações sociais e de poder, evocando significados e interpretações, revelando mentalidades.

Segundo Bourdieu, a relação entre os interesses da classe dominante e as convenções simbólicas de uma sociedade pode ser legitimada por suas relações de poder, é necessário descobrir o poder simbólico onde ele menos se deixa ver, exatamente onde ele é mais completamente ignorado, logo onde poder vir a ser mais reconhecido
.

As representações do mito político apresentam-se como uma interpretação social dos eventos que os cercam, elas são construídas por ideologias e intenções de quem as produzem, pois, observando-as alcançamos seus discursos.

Em Chartier, as representações atuariam dando inteligibilidade ao mundo social. As práticas culturais, os símbolos e signos podem ser utilizados para “identificar o modo como em diferentes lugares e momentos uma realidade social é construída, pensada, dada a ler”
. Os mitos possuem aspectos de caráter simbólico, alicerçados na realidade que lhes deu origem. As representações imagéticas favorecem esta construção por possuírem estatuto de testemunho. O mito extrai sua força da característica de não se apresentar como símbolo, mas como fato.

O mito político jamais deixa de enraizar-se em uma certa forma de realidade histórica
, assegurando, com isto, que o significado de sua narrativa ganhe caráter de testemunho. O convencimento é realizado através do poder explicativo que ele detém.

As relações entre o mito político e os receptores são mediadas pelas representações. Símbolos e signos, impressos na fotografia, expressam seu significado social e cultural.

O mito político pode ser considerado uma construção histórica de seu tempo, e, neste cenário, pode ser resgatado através da fotografia, tornando-o uma linguagem ao narrar os acontecimentos de forma fabulosa, remontado a partir de uma espetacularização dos eventos.

A elaboração de um imaginário é parte integrante da legitimação de qualquer regime político. É por meio do imaginário que se podem atingir não só a cabeça, de modo especial, o coração, isto é, as aspirações, os medos e as esperanças de um povo. É nele que as sociedades definem suas identidades e objetivos, definem seus inimigos, organizam seu passado, presente e futuro. O imaginário social é constituído e se expressa por ideologias e utopias sem dúvida, mas também – e é o que me interessa – por símbolos, alegorias, rituais, mitos. Símbolos e mitos podem, por seu caráter difuso, por sua leitura menos codificada, tornar-se elementos poderosos de projeção de interesses, aspirações e medos coletivos.

As sociedades atribuem aos mitos uma função peculiar, através dele e de sua narrativa é possível constituir uma unidade em torno de um projeto comum. Neste contexto, o Estado o cria para produzir a homogeneidade entre os populares no governo Vargas.As análises dos mitos políticos de uma sociedade buscam revelar costumes, mentalidades, discursos e ideologias através da interpretação dos significados propostos pelos instrumentos que os legitimam. Nesta pesquisa, direcionada a produção imagética de 1930 a 1945, buscou-se identificar estes instrumentos que legitimam o mito.

O mito e a ideologia são mundos de significado simbólico com funções e efeitos sociais
. Comumente, os mitos políticos surgem como compensações simbólicas em momentos de crise, operando através da emoção, do carisma, das narrativas fabulosas de seus feitos, rupturas com o passado e valoração do futuro.

O cenário ideal para o fortalecimento do mito é aquele onde sua figura é enaltecida como salvador, detentor de atributos excepcionais capazes de solucionar os mais diversos entraves e tensões. As conspirações, tragédias e revoluções são frequentemente utilizadas como cenários nestas situações.

A junção entre o cenário, os símbolos e signos presentes na narrativa mítica forma um conjunto de significados idealizados por seus produtores e reinterpretado pelos receptores. Não há, neste processo, uma formação linear e fechada do significado.

A adversidade constrói o mito político, a revolução de 1930, as aspirações do País em desenvolvimento e modernidade favoreceram a composição de Vargas como Mito político. A construção do mito Vargas foi articulada através dos meios de comunicação orientados pelos departamentos responsáveis durante seu governo, como, por exemplo, o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), que tinha por objetivo usar a máquina do Estado para difundir e registrar tanto os feitos personificados em sua figura quanto de seu governo.

As assimilações dos símbolos contidos nas imagens estabeleceram-se através de convenções simbólicas. Vargas foi sendo construído através da visibilidade de sua figura; seus discursos e imagens faziam referência ao rompimento com o passado e à necessidade de desenvolvimento e modernidade.

As fotografias procuravam dar sentido ao mito político ao serem uma representação do poder. A legislação trabalhista e protecionista de Vargas, amplamente divulgada, foi assimilada e reinterpretada dando a ele títulos como “Pai da pobres” e “Chefe da Nação”. O papel da imagem, na construção do mito político Vargas, foi a de legitimação e testemunho. A produção imagética de Vargas auxiliou a construção dele como Mito, uma vez que enaltecia sua figura, e a reprodução das fotografias misturava-se ao consumo de signos e símbolos.

A linguagem discursiva das imagens buscou alimentar o imaginário
65 político, mas também perenizar os feitos, estes ligados à política protecionista de Vargas. A criação de leis trabalhistas e a política social do governo Varguista serviam de alicerce para legitimar os feitos do presidente e eram perpetuados através das fotografias".

Fonte:
Samantha Perez de Santana: "Getúlio Vargas, do Homem ao Mito Político: A desconstrução de uma imagem (1930-1945)". Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de mestre em História Social, sob a orientação do Prof.º Dr.º Antonio Pedro Tota. São Paulo, 2010.
---
Ao alto: o povo reunido da Praça do Patriarca, em São Paulo, depois de denominá-la "Praça João Pessoa", em homenagem ao candidato a vice-presidente na chapa de Getúlio Vargas, o paraibano João Pessoa, assassinado em 1930 no Recife; ao centro: o general Hastimfilo de Moura, nomeado presidente provisório do Estado de São Paulo pela Junta Revolucionária; em baixo: a multidão, momentos após assalto a um estabelecimento comercial, em represália a noticiários divulgados pela Rádio Educadora.

---
Revolução de 1930

“O declínio das oligarquias denunciava a presença de novas forças no cenário brasileiro. A estrutura econômica já não encontrava correspondência na estrutura política, inadequada, obsoleta, vivendo por inércia, rotinada em seus processos e tendo de valer-se agora de recursos diversos para assegurar a sua continuação. Quando termina a primeira Guerra Mundial, a presença das novas forças é de uma clareza inequívoca. No quadro externo, por outro lado, as conseqüências do largo conflito, ou os acontecimentos que se seguiram ao seu fim, foram importantes e refletiram-se em todos os cantos do mundo. O mais grave daqueles acontecimentos foi, sem dúvida, o aparecimento de uma área socialista, com a revolução de na Rússia. O esforço econômico para derrotar a Alemanha e seus aliados levara o imperialismo a uma nova fase, quando os Estados Unidos assumiam uma posição de superioridade absoluta sobre todos os outros países que haviam atingido aquela etapa do desenvolvimento capitalista. Em todas as áreas mundiais a que o imperialismo aplicava o seu sistema, de que retirava proveitos, acelera-se a substituição de capitais ingleses, franceses, holandeses, alemães, por capitais americanos. O Brasil será uma dessas áreas.

As formas de ação do imperialismo começam a variar, desde então. A mais utilizada é a do estabelecimento de indústrias estrangeiras no mercado interno. Essa introdução visa contornar a barreira tarifária, que agora assume características de proteção ao investidor interno, em muitos casos, ao aproveitamento da mão-de-obra abundante e barata, à eliminação dos custos de transporte, pela colocação junto ao consumidor. São falsas indústrias, em sua maioria, que desdobram o processo de produção em duas partes, a externa e a interna, sendo esta uma parte de simples acabamento, de montagem, de empacotamento, não correspondendo de forma alguma à introdução de equipamentos fabris complexos, nem mesmo à de técnica. Outras indústrias estrangeiras aqui instaladas atendem tão-somente a necessidade de avizinhar-se da matéria-prima que utilizam. Em vez de pagar os fretes dessa matéria-prima, que recebem daqui, e dos produtos acabados, que nos enviam, tais indústrias instalam-se no próprio mercado a que atendem, eliminando fretes de ida e volta, que encarecem a produção.

Quando esse tipo de indústria se instala, — e é o caso dos frigoríficos, por exemplo, — as matérias-primas de que se alimentam começam a ser açambarcadas e o seu consumo interno começa a sofrer dessa concentração. No setor da energia, por outro lado, os investimentos estrangeiros crescem, acompanhando o surto industrial que aqui se processa, e até condicionado a sua localização. De qualquer forma, o significativo está na existência de um mercado interno, que é disputado. Até aqui, o imperialismo se dividia, em suas fontes, e havia uma1uta entre os capitais oriundos de fontes diversas. A supremacia dos capitais americanos vai alterar essa competição: entre o fim da primeira Guerra Mundial e a crise de 1929, assiste-se o alijamento acelerado dos capitais europeus, a sua substituição progressiva e rápida por capitais americanos. Os Estados Unidos vinham sendo já os fornecedores dos empréstimos externos. A política brasileira consiste em acompanhar as orientações norte-americanas. Os capitais americanos dominam, desde então, a comercialização do café, e começam a penetrar na produção, através dos financiamentos, sendo já absolutos na distribuição. Os bancos são agências de especulação financeira, controlando a exportação uma vez que retêm a massa de cambiais. Instalados no interior, os capitais estrangeiros voltam-se agora para novas matérias-primas.
[...]
Na medida em que a crise se aproximava, os fatores internos de inquietação cresciam — não espanta que tivessem atingido uma pressão explosiva, sob os efeitos da derrocada de 1929. O processo, entretanto, vinha de longe, e denunciava uma acumulação continuada de antagonismos. Ainda os observadores superficiais teriam percebido; no Brasil de após-guerra, mudanças significativas. Muitas dessas mudanças eram mais claras à superfície, pelos sintomas, do que em profundidade, pelas causas. A. inquietação dos espíritos parecia refletir, e cm muitos casos refletia, tudo aquilo que acontecia no exterior. Parecia existir, assim, apenas uma tendência imitativa, inclusive nas manifestações exteriores, e nas manifestações artísticas em particular. Certo as coletividades, especialmente nos povos de estrutura econômica colonial e dependente, reagem inconscientemente, e muitas vezes as suas formas de reação mais escondem do que mostram os verdadeiros motivos e as verdadeiras causas. A sociedade brasileira, na década dos anos vinte, apresentava alterações significativas, em função das alterações nas forças produtivas. Isto se refletiria no campo político sob aspectos os mais variados, com o fundo comum da rebeldia. A classe operária não havia alcançado ainda consciência de sua condição, e o seu recrutamento no campo era responsável em muito por uma deficiência dessa natureza. No campo residia o cerne do atraso brasileiro e enquanto as populações submetidas a relações de semi-servidão não acordassem para a vida política, a transferência de uma parte dela às áreas urbanas, para trabalho de natureza diferente, como a transferência de uma zona geográfica a outra, seriam vistas sob os seus aspectos superficiais e demorariam em alterar a consciência de seus componentes.

Mas a classe média reagia de maneira muito diferente e suas reações é que vão pontilhar os acontecimentos e sinalizar as mudanças por que o Brasil passa, naquela etapa. O papel que o positivismo republicano havia desempenhado, nos fins do século anterior, ganhando inclusive amplas camadas ativas da classe média, viria a ser representado, agora, por um reformismo, a que o grupo militar daria expressão de força em sucessivos e desencontrados pronunciamentos. O fenômeno típico da fase seria o tenentismo. Em torno de rebeldias militares esporádicas, para as quais gravitavam crescentes apoios de inconformismo político, giram os acontecimentos internos mais importantes.

A ausência de participação da classe operária contribuiu em muito para que ficasse oculto o fator principal do quadro: não se verificaria, em caso algum, a menção do imperialismo como causa dos desequilíbrios que apareciam agora claramente. “O movimento revolucionário de 1930, — diz um ensaísta, — ponto culminante de uma série de levantes militares abortivos iniciados em 1922, tem sua base nas populações urbanas, particularmente a burocracia militar e civil e os grupos industriais, e constitui unia reação contra o excessivo predomínio dos grupos cafeeiros — e de seus aliados da finança internacional, comprometidos na política de valorização — sobre o governo federal”. Esta análise, fácil porque a posteriori, não traduz a realidade da consciência política que levaria à Revolução de 1930. De modo algum estava claro para os elementos mais ativos comprometidos nos levantes militares mencionados que a aliança da classe dominante de senhores de terras com o imperialismo é que permitia a manutenção da política que nos levara a um clima tal de inconformação. O tenentismo, fenômeno típico de classe média, era muito mais superficial em sua interpretação e muito mais modesto em suas reivindicações. Começava por supor que tudo dependia dos homens que estavam no poder, e que a simples substituição deles levaria a resultados significativos. Admitia que a corrupção era o vício fundamental do regime, era si bom. Os princípios a que obedeciam os revolucionários, ainda quando claramente formulados, subordinavam-se, tão simplesmente, a um binômio: representação e justiça. O que mais feria a classe média, sofrendo as conseqüências do agravamento a que levava a política de concentração da renda e de socialização dos prejuízos, era a falha na representação eleitoral. Se a representação eleitoral fosse fiel, admitiam os revolucionários, se os eleitos fossem reconhecidos, tudo estaria salvo, A política dos governadores, a placidez com que era exercida, mesmo na seqüência dos governos que sucederam a Campos SaIes, vedava a livre escolha de candidatos e a eleição dos preferidos, isto é, daqueles que faziam oposição ao governo. O governo era responsabilizado por tudo o que acontecia, e a forma como se recrutavam os seus mandatários parecia a fonte de todos os males. Exercido por outros homens, as coisas estariam alteradas, e os problemas seriam resolvidos. Enquanto estas formulações traduziam apenas a inquietação da classe média, e eram levantadas pela força com os motins militares, tudo parecia secundário. Mas o simples fato de terem se tornado verdadeiros ídolos nacionais os elementos tenentistas, a auréola heróica que os ‘cercava, a onda de solidariedade passiva que os amparava constituía sintomas importantes que passaram despercebidos a quase todos.
[...]
Ora, desde o momento em que a classe dominante se apresentava cindida, surgia a possibilidade de recompor a aliança entre setores daquela classe e grupos atuantes da classe média, tal como acontecera nos fins do século XIX, para derrocar a monarquia, e agora sob outras condições, evidentemente. Um dos aspectos mais ostensivos da política oficial estava na escolha dos candidatos à sucessão presidencial. Ela motivara sempre crises, mais ou menos profundos, já sistemáticas. Agora, num quadro de antagonismos muito mais profundos do que os denunciados nas formulações tenentistas, poderia deflagrar acontecimentos importantes. A sucessão presidencial, assim, seria o estopim que permitiria polarizar as inquietações reinantes, compondo os ímpetos de rebeldia da oficialidade jovem com as insatisfações de grupos políticos importantes, que traduziam as insatisfações de formas de produção prejudicadas pelas normas vigentes. As duas correntes, a do tenentismo o as cisões tradicionais nos quadros políticos, acomodam-se, assim, num amplo estuário, o da Revolução de 1930. Quando o governante de Minas Gerais afirma a necessidade de fazerem aquelas frações da classe dominante a revolução “antes que o povo a faça” está enunciando uma verdade transparente.

A crise econômica de 1929, colhendo de roldão a política cafeeira seguida pelo Brasil, proporciona a circunstância favorável, a que um problema como o da sucessão presidencial se acomoda como motivo para tornar claras as divergências profundas. A aliança que se estabelece entre os grupos militares já precursores de rima transformação do que não tinham consciência muito exata e os grupos da classe dominante insatisfeitos com a orientação financeira e econômica do governo, responsável sempre por todos os males, constitui uma força contra a qual o poder oficial não tem recursos. A Revolução de 1930 assinala, na história brasileira, o primeiro exemplo de movimento revolucionário que parte da periferia sobre o centro. Esta característica, por si só - até aqui esquecida — bastaria para distingui-lo, na seqüência de levantes militares abortivos a precursores. Era uma nova fase que se abria. O erro de muitos que dela participaram foi admitir que, derrocada o governo, substituídos os homens, tudo poderia voltar no passado.

Fonte:
Nelson Werneck Sodré: "Formação Histórica do Brasil". São Paulo. Editora Brasiliense, 1963, p. 317-322).

---
Imagens da cidade de São Paulo, do dia 24 de outubro de 1930, quando o povo, após tomar ciência da deposição de Washington Luís, saíram às ruas da cidade, depredando jornais, casas de jogos e estabelecimentos políticos.


SÃO PAULO - 1930

SÃO PAULO - 1930

SÃO PAULO - 1930

SÃO PAULO - 1930

SÃO PAULO - 1930

---

A revolução de 1930

“A Revolução de 1930 põe fim à hegemonia da burguesia do café, desenlace inscrito na própria forma de inserção do Brasil no sistema capitalista internacional. (...) O episódio revolucionário expressa a necessidade de reajustar a estrutura do país, cujo funcionamento voltado essencialmente para um único gênero de exportação se torna cada vez mais precário.

A oposição ao predomínio da burguesia cafeeira não provém, entretanto, de um setor industrial, supostamente interessado em expandir o mercado interno. Pelo contrário, dadas as características da formação social do país, na sua metrópole interna há uma complementaridade básica entre interesses agrários e industriais, temperada pelas limitadas fricções. Ao momento de reajuste do sistema, por isso mesmo, não corresponde o ascenso ao poder do setor industrial, seja de modo direto, seja sob a forma da “revolução do alto” promovida pelo Estado.

A burguesia cafeeira se constitui ao longo da Primeira República como única classe nacional, no sentido de que só ela reúne condições para articular formas de ajustamento e integrar assim o país na medida de seus interesses. Em face dela, não emerge nenhuma classe ou fracção com semelhante força, capaz de oferecer uma alternativa econômica e política viável. A disputa no interior das classes dominantes tem a forma de um embate regional, mitigado pelos próprios limites da contestação.

Tendo-se em vista a passividade da massa rural, quebrada somente por explosões importantes, mas desprovidas de conteúdo político (Canudos, Contestado), os limites de intervenção do proletariado, a heterogeneidade das classes médias, dependentes em regra dos núcleos “tradicionais”, o elo mais fraco do sistema é constituído pelo Exército e, no seu interior, pelos “tenentes”.

Na década de 20, o tenentismo é o centro mais importante de ataque ao predomínio da burguesia cafeeira, revelando traços específicos que não podem ser reduzidos simplesmente ao protesto das classes médias. Se a sua contestação tem um conteúdo moderado expresso em um tímido programa modernizador, a tática posta em prática é radical e altera as regras do jogo, com a tentativa aberta de assumir o poder pelo caminho das armas. Sob este aspecto, embora inicialmente isolado, o movimento tenentista está muito à frente de todas as oposições regionais, ao iniciar a luta em julho de 1922.

O agravamento das tensões no curso da década de 20, as peripécias eleitorais das eleições de 1930 e a crise econômica propiciam a criação de uma frente difusa, em março/outubro de 1930, que traduz a ambigüidade da resposta à dominação da classe hegemônica: em equilíbrio instável, contando como o apoio das classes médias de todos os centros urbanos, reúnem-se o setor militar, agora ampliado com alguns quadros superiores, e as classes dominantes regionais.

Vitoriosa a revolução, abre-se uma espécie de vazio de poder por força do colapso político da burguesia do café e da incapacidade das demais fracções de classe para assumi-lo em caráter exclusivo, O Estado de compromisso é a resposta para esta situação. Embora os limites da ação do Estado sejam ampliados para além da consciência e das intenções de seus agentes, sob o impacto da crise econômica o novo governo representa mais uma transição no interior das classes dominantes, tão bem expressa na intocabilidade sagrada das relações sociais no campo.

Mas o reajuste, obtido após um doloroso processo de gestação marcado pela Revolução de 1932, a Ação Integralista, a liquidação do tenentismo como movimento autônomo, a Aliança Nacional Libertadora e a tentativa insurrecional de 1935, significa uma guinada importante no processo histórico brasileiro. A mudança das relações entre o poder estatal e a classe operária é a condição do populismo; a perda do comando político pelo centro dominante, associada à nova forma de Estado, possibilita, a longo prazo, o desenvolvimento industrial, no marco do compromisso; as Forças Armadas tornam-se um fator decisivo como sustentáculo de um Estado que ganha maior autonomia em relação ao conjunto da sociedade.

Na descontinuidade de outubro de 1930, o Brasil começa a trilhar enfim o caminho da maioridade política. Paradoxalmente, na mesma época em que tanto se insistia nos caminhos originais autenticamente brasileiros para a solução dos problemas nacionais, iniciava-se o processo de efetiva constituição das classes dominadas, abriam-se os caminhos nem sempre lineares da polarização de classes e as grandes correntes ideológicas que dividem o mundo contemporâneo penetravam no país.

Como disse Tristão de Athaíde, escrevendo em março de 1935, “são outros os elementos em jogo no cenário de hoje, em contraste com o de 1930. Em cinco anos de revolução, caminhamos mais, politicamente, que em meio século de xadrez liberal. Mas não no sentido da solução dos nossos problemas. Apenas no da fixação das forças em jogo, agora infinitamente mais consideráveis, poderosas, conscientes e unidas que em 1930. O outubrismo foi, de certo modo, uma infância do jogo revolucionário. Sua falência, portanto, é uma maioridade."

Fonte:
Bóris Fausto. "A Revolução de 1930: historiografia e história". Apud: Dea Ribeiro Fenelon. "50 textos de história do Brasil". São Paulo, Hucitec.

---
Outra imagens da cidade de São Paulo, na ocasião em que triunfou a Revolução. O povo saiu às ruas para aclamar a vitória de Getúlio Vargas, considerados por muitos como um libertador.


SÃO PAULO - 1930

SÃO PAULO - 1930

SÃO PAULO - 1930

SÃO PAULO - 1930

SÃO PAULO - 1930

SÃO PAULO - 1930

SÃO PAULO - 1930
---

A Revolução de 1930: o fim da República Velha

1929: a crise mundial
Em 1929, o panorama internacional apresentava já os prenúncios do desequilíbrio e das tensões que levariam à Segunda Guerra Mundial, dez anos depois.

A natureza da crise era de caráter econômico-financeiro: o mercado mundial desorganizava-se, as cotações dos produtos oscilavam e havia sucessivas falências nos centros mais adiantados.

No dia 25 de outubro, os jornais brasileiros noticiaram o crack da Bolsa de Nova lorque. A cotação do café caiu a zero. A perda do preço deixou sem valor os enormes estoques, acumulados em função da política de defesa do produto.

Para o Brasil, os efeitos econômicos da crise só foram se apresentar mais tarde (1931); contudo, a oligarquia cafeeira se desarvorou e passou a pressionar o governo, no sentido de se ampliarem os mecanismos de defesa.

Por outro lado, as outras classes sociais, sobretudo as mais pobres, também se viram em desespero, devido à carestia cada vez maior, o que provocou uma forte agitação social, com constantes eclosões de greve.

O governo respondia com a repressão, contribuindo, decididamente, para a criação de um clima favorável à revolução.

A sucessão presidencial
Em meio à crise, agitou-se a questão da sucessão do paulista Washington Luís, que já havia sido aberta em 1927, quando o presidente, ao contrário do que previa a política café-com-leite, insistiu na indicação de um outro paulista: Júlio Prestes, então presidente do estado de São Paulo.

Com isto, rompeu-se o acordo com Minas, presidente, Antônio Carlos, julgava-se o candidato natural e, uma vez desarticulado o principal grupo oligárquico, foi possível a composição de um novo arranjo entre Minas, Rio Grande do Sul e os estados pequenos (a Paraíba em particular).

Surgiu, então, a Aliança Liberal, que reuniu as forças políticas situacionistas dos estados de Minas, Rio Grande do Sul, Paraíba e alguns grupos de oposição dos outros estados, como o Partido Democrático de São Paulo.

Não conseguindo impor um nome como candidato oficial, a Aliança Liberal lançou a candidatura de uma chapa que apresentava como candidato à presidência Getúlio Vargas, presidente do Rio Grande do Sul, e para a vice-presidência, João Pessoa, presidente da Paraíba.

Essa foi, talvez, a única chapa de oposição competitiva da Primeira República.

A campanha oposicionista teve larga repercussão nos grandes centros urbanos, nos estados do Nordeste, além de se impor em Minas no Rio Grande do Sul.

As candidaturas aliancistas receberam, também, o apoio dos tenentistas, que viam na vitória de um candidato da oposição um instrumento para a realização das reformas que eles julgavam necessárias para a salvação do país.

A eleição foi realizada em março, e o resultado, como sempre, apontou a vitória da situação. A reação dos derrotados foi de aceitação, apesar de se terem denunciado as costumeiras fraudes.

A solução revolucionária
Desde a campanha eleitoral, os tenentes, sob a orientação de João Neves da Fontoura (do Rio Grande do Sul) e de Juarez Távora (do Ceará, com atuação em todo o Nordeste), cogitavam da saída revolucionária, caso fracassasse a solução política.

Ao próprio Getúlio Vargas atribuía-se uma certa propensão para a solução revolucionária.

A frase: “façamos a revolução antes que o povo a faça”, de Antonio Carlos, demonstra que os ânimos populares estavam exaltados, exigindo-se providências mais drásticas.

Porém, enquanto Getúlio aceitou o resultado das eleições, entre os tenentes e os outros setores revolucionários havia um descontentamento muito grande.

Assim, alguns líderes tenentistas e políticos passaram a articular a revolução, procurando convencer o candidato derrotado a aceitar a liderança do lado revolucionário.

O clima político do país estava cada vez mais propenso à exaltação. No dia 26 de julho de 1930, numa confeitaria em Recife, João Pessoa foi assassinado por um inimigo político e pessoal, João Dantas.

Com a morte de João Pessoa, desencadeou-se um verdadeiro clamor revolucionário, muito propício às articulações tenentistas.

Finalmente, no dia 3 de outubro eclodiu a revolução no Rio Grande do Sul e, no dia seguinte, nos estados do Nordeste.

Rapidamente a agitação tomou conta do país. O povo saiu às ruas; se bem que não se pode atribuir sua agitação à consciência claramente revolucionária, pois (...)“não saiu às ruas para propriamente aplaudir os revolucionários, que ele desconhecia e que sempre se haviam mantido longe dele. Saiu às ruas — agora que não havia polícia — para deitar jogo nos chalés de bicho, depredar clubes de jogo e escritórios de políticos, que apenas haviam feito, até então, advocacia administrativa.”

De qualquer forma, a agitação somou a favor dos revolucionários. As tropas do Sul marcharam sobre o Rio de Janeiro; contudo, não houve combates. No Rio, uma junta militar, a 24 de outubro, exigiu a renúncia de Washington Luís, que estava a menos de um mês do final do seu mandato."

Fonte:
Elza Nadai e Joana Neves: “História do Brasil: da colônia à república”. Editora Saraiva, 1990. São Paulo, p. 212-214.

Com o título "A chegada dos libertadores", a revista "A Cigarra" publicou esta fotografia, tirada no instante em que chegavam à Estação Sorocabana as tropas getulistas, chefiadas pelos generais Izidoro Dias Lopes e Miguel Costa.


GENERAIS: IZIDORO DIAS LOPES E MIGUEL COSTA

IMPORTANTES PERSONAGENS DA REVOLUÇÃO


----

30: Outra História

"A sistemática exclusão, repressão e manipulação do movimento operário pelas classes dominantes e por aqueles que se autodenominaram representantes dos trabalhadores - esses são os suportes da idéia de revolução de 1930.

A convergência desses objetivos - exclusão, repressão, manipulação e controle dos trabalhadores confere o conteúdo real àquilo que a história oficial (a memória dos vencedores) chama de Revolução de 1930. Por trás desses objetivos, tanto os das classes dominantes como os daqueles que se diziam porta-vozes do proletariado, uma mesma e única lógica os identifica: a lógica da dominação.

A fim de se compreender o sentido dos acontecimentos em torno de 1930, é preciso, de inicio, varrer do cenário as representações criadas sobre esse período por certos grupos envolvidos na luta - os grupos que venceram essa luta.

O que havia, corno de resto continua havendo, era um confronto fundamental entre burguesia e proletariado, A idéia de que existiu uma revolução em 30 cumpre precisamente o papel de apagar o real, ou seja, o confronto do qual resultou a derrota do proletariado.

Nos anos que antecederam 1930, durante a década de vinte, existia realmente um processo revolucionário em curso. De fato, articulavam-se naquele momento diversas propostas políticas visando à modificação das estruturas de dominação então prevalecentes. Sobretudo em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro, por exemplo, não se passava um dia praticamente sem que a grande imprensa de oposição ao governo e os jornais operários falassem em revolução.

Falavam em revolução as diversas facções que compunham o grupo de militares rebelados contra o governo, os chamados “tenentes” revolução é o tema principal do Partido Democrático de São Paulo, fundado em 1926 por dissidentes do antigo Partido Republicano Paulista, então no poder, (Cf. Carlos Alberto Vesentini e Edgar S. de Decca, “A Revolução do Vencedor”, Ciência e Cultura, nº, janeiro de 1977).

Entretanto, por fora dessas oposições geradas no interior do sistema dominante, crescia, no próprio espaço político criado por aquelas dissidências burgueses, unia tendência que pretendia falar em nome do proletariado - o Partido Comunista do Brasil (PCB), fundado em 1922. Ele também era portador de uma proposta de revolução.

A fim de sustentar sua estratégia baseada na combinação entre o controle do movimento operário, no terreno sindical, e a disputa eleitoral, com vistas a eleger seus representantes nas assembléias burguesas, o PCB necessitava ganhar autoridade política para poder transacionar com as demais oposições “revolucionárias”. Para isso tornava-se imprescindível obter o apoio dos trabalhadores, falar como seu único e legitimo representante.

Para alcançar esse objetivo, os comunistas tenham pela frente uma tarefa prioritária no nível sindical: afastar definitivamente da cena política as sobrevivências do anarco-sindicalismo ainda vivas em sindicatos Importantes, tanto no Rio como em São Paulo. Nessa época, meados dos anos vinte, pequenos grupos socialistas, sindicalistas católicos que faziam a política da Igreja junto aos operários, ao lado de líderes “amarelos” (pelegos) a serviço do governo e dos patrões, também serão obstáculos para os comunistas na luta pela conquista da hegemonia sobre o proletariado. Mas o principal adversário era, sem dúvida, o anarco-sindicalismo.”

Fonte:
Ítalo Tronca: “Revolução de 1930: A Dominação Oculta”. Editora Brasiliense. São Paulo, p. 13-15.

---


Imagem da revista "A Cigarra" ilustrando o momento da deposição de Washington Luís, que deixava o catete e seguia para o forte de Copacabana.
---
Fonte das imagens:
Revista "A Cigarra", edição de outubro de 1930, disponível digitalmente no site do Arquivo Público do Estado de São Paulo

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Excetuando ofensas pessoais ou apologias ao racismo, use esse espaço à vontade. Aqui não há censura!!!