Histórico da Hanseníase no Mundo



“A hanseníase, secularmente conhecida pela denominação de “lepra”, é uma doença muito antiga que acomete o homem, citada por Hipócrates, suas descrições indicam tratar-se de doença de pele com lesões escamosas, entre as quais certamente podem se destacar a psoríase e os eczemas crônicos sem haver, porém, menção de manifestações neurológicas (PACHA, 1914). Mas é na Bíblia, nos capítulos 13 e 14 do Levítico, que encontramos o termo hebreu tzaraath para designar afecções impuras, assumindo sua conotação repugnante e terrível. A associação da hanseníase com o termo lepra, que por sua vez, está associado a deformidades, reforçadas por conceitos populares e religiosos de impureza, castigo divino, trouxe uma carga de preconceitos, juntamente com outras abominações mencionadas no livro do Levítico, conforme Longo (2006). Foi Moisés segundo os cristãos daquela época, que recebeu de Deus as instruções de como reconhecer e tratar a lepra. Outras referências aparecem em manuscritos mesopotâmicos. É nesse contexto que encontramos as primeiras notícias que a lepra foi introduzida na Europa pelos Hebreus após a diáspora. (QUEIROZ; PUNTEL, 1997).

Em 1874, o médico e botânico norueguês, Gerhard Henrik Armauer Hansen, demonstrou pelo exame a fresco as chamadas células leprosas de Virchow encontradas nos nódulos cutâneos da doença, a presença dos bastonetes agentes da infecção, o bacilo transmissor, podendo isolá-lo e dar margem para que fosse conhecido e combatido. Este fato deu início a um novo conceito sobre a doença e seu modo de transmissão e os doentes passaram a ser decisivamente visto como ameaça social, desencadeando o processo de higienização da sociedade, através do confinamento compulsório dos doentes em leprosários. A primeira tese derrubada após este evento foi a de que a doença era hereditária e não contagiosa. Sob o ponto de vista de que o doente passou a ser considerado como a única fonte de propagação da moléstia. (SOUZA-ARAÚJO, 1956)

Fica nitidamente claro que grande parte do estigma gerado por essa doença deve-se muito mais ao preconceito do que a condição biológica da doença, já que a grande maioria dos indivíduos oferece resistência imunológica ao Mycobacterium leprae, o agente causador da doença.

Na Idade Média, a hanseníase manteve alta prevalência na Europa e no Oriente Médio. O Concílio de Lyon (Século VI) realizado pela Igreja Católica, no ano de 585, estabeleceu o isolamento do doente da população sadia como regra de profilaxia da doença. Em alguns locais, essa medida foi bastante rigorosa e incluía a realização de um ofício religioso em intenção do doente, semelhante ao ofício dos mortos, após o qual ele era excluído da comunidade, passando a residir em locais especialmente reservados para este fim, foram os primeiros asilos para acolher os acometidos por esta doença. O doente era ainda obrigado a usar roupas características que o identificavam como tal e fazer soar uma sineta ou matraca para avisar os sadios de sua aproximação. (QUEIROZ; PUNTEL, 1997)

Auvray (2005), no seu estudo sobre “a vida dos hansenianos num antigo leprosário do Brasil” refere que na França medieval a identificação do leproso era feita através de denúncias e que após a comprovação da doença, por um tribunal, os doentes eram submetidos a uma cerimônia de exclusão da comunidade:

Na França, cerimônias solenes marcavam o dia da separação do leproso da sociedade. O doente era acompanhado em procissão até a igreja, ao canto do ‘Liberta-me, como para um morto. Durante a celebração da missa, ficava escondido sob um cadafalso e depois retornava a sua casa. O ritual de exclusão social realizava-se ao longo do ofício ou à saída da igreja. Com uma pele na mão o padre pegava três punhados de terra do cemitério, que colocava na testa do leproso, dizendo: ‘meu amigo, é sinal de que estás morto para o mundo e por isso tem paciência e louva em tudo a Deus’.
(AUVRAY, 2005, p.13).

Segundo Queiroz e Puntel (1997), a partir do século XII, surgiram as primeiras ordens religiosas dedicadas a prestar cuidados ao doente de hanseníase, com a criação de asilos que chegaram acerca de dezenove mil no continente europeu. O declínio dessa doença, na Europa, foi gradual tendo se iniciado a partir do século XVII. Por volta de 1870, a doença já havia praticamente desaparecido em quase todos os países da Europa e a causa mais provável desse desaparecimento foi a melhoria das condições socioeconômicas.

Conforme Souza Araújo (1956), enquanto desaparecia na Europa, a endemia persistia na Ásia e África, tendo sido introduzida no Novo Mundo a partir das conquistas espanholas e portuguesas e da importação de escravos africanos. Portanto, durante o período da colonização, a América Latina foi gradativamente se tornando uma nova área endêmica no mundo.

Na Primeira Conferência Internacional de Lepra, em Berlim, no ano de 1897, foi proposto o isolamento compulsório como o melhor meio de impedir a propagação da doença, e recomendou-se a notificação obrigatória e a vigilância dos suspeitos, tais como se praticam na Noruega.

As praticas que se seguiam na Noruega desde 1825, indicava como profilaxia da lepra, o isolamento tanto em domicílio quanto em leprosários. Aos leprosos que tivessem recursos para se manter, as autoridades podiam permitir que vivessem em seus domicílios, apenas afastados de seus familiares e de suas relações, tendo ao menos um leito ou um quarto separados. Essas orientações foram mantidas na Segunda Conferência Internacional de Lepra, realizada em Bergen, na Noruega, sendo ainda recomendado o afastamento dos doentes de profissões que lidassem com o público e a separação dos seus filhos logo após o nascimento, sendo recolhidos em preventórios especiais. A Terceira Conferência de lepra, foi realizada em 1923. Estas conferências tiveram um impacto significante sobre a política de saúde pública no Brasil.
(CUNHA, 2005, p. 47)

Como a meta de eliminação da hanseníase em 2005, em nível mundial, não foi alcançada por nove países (Angola, Brasil, República Central Africana, República Democrática do Congo, Índia, Madagascar, Moçambique, Nepal e República Unida da Tanzânia), a Organização Mundial da Saúde elaborou novas estratégias, visando atingir essa meta até 2010.

A Estratégia Global da OMS é alcançar uma maior redução da carga de hanseníase e prover acesso a serviços de controle da hanseníase de qualidade para todas as comunidades afetadas, seguindo os princípios de equidade e justiça social."

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Fonte:
ADILIA MARIA MACHADO FEITOSA: "A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA HANSENÍASE NO CEARÁ: do leprosário de Canafístula ao Centro de Convivência Antônio Diogo". (Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado Profissional do Centro de Estudos da Universidade Estadual do Ceará, como requisito parcial para a obtenção do grau de mestre em Planejamento e Políticas Públicas. Orientadora: Dra. Vera Lúcia Almeida). Fortaleza, 2008.

Nota
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