A Proclamação da República e a Revolução de 1930



A Proclamação da República e a Revolução de 1930: dois momentos de um mesmo processo
“A Proclamação da República e a Revolução de 1930 são dois episódios de um mesmo processo, a revolução burguesa, que, vale ressaltar, no Brasil não trilhou as “vias clássicas”. São partes do processo que Ianni denominou de contra-revolução permanente e Fernandes de contra-revolução prolongada. Foi um processo que abarcou um amplo período histórico, tendo início após a emancipação política e culminando com o golpe militar de 1964, e que adquiriu um delineamento autoritário e antidemocrático, ou seja, mesmo as conquistas democráticas básicas foram desprezadas. Diferentemente do Ocidente europeu, não houve aliança com o povo, tal aliança era temida. Segundo Nogueira, tratou-se de uma revolução burguesa sem burguesia, ou pelo menos se iniciou sem a sua participação direta. Aqui a dominação burguesa embrionária surgiu submetida à classe senhorial de que se originara em grande parte – a burguesia nasceu, majoritariamente, caudatária dos proprietários rurais, e o espírito burguês é de origem oligárquica. Aos poucos, os grandes proprietários iriam se aburguesar. No caso brasileiro, a dita revolução burguesa esteve calcada no binômio restauração-renovação: ao passo que fez avançar as relações capitalistas, conservou os elementos do Brasil arcaico – e nesse sentido encontra experiências correlatas em países europeus.

A emancipação política, segundo Fernandes, constituiu a primeira grande revolução social que se operou no Brasil, embora tenha se caracterizado como uma “revolução dentro da ordem”. Condenou-se o estatuto colonial, enquanto estado jurídico-político, mas conservou-se o substrato material, social e moral do antigo regime. O sentido de “revolução dentro da ordem” expressa a idéia de um avanço histórico velado pelo passado, e encontra também uma convergência com a chamada modernização conservadora. No caso da Independência, o sistema político se alterou sob as antigas bases da sociedade senhorial e escravista. Posteriormente, o que se verificou, com a Proclamação da República e com a Revolução de 1930, foi o processo modernizador sendo conduzido, essencialmente, no âmbito do setor econômico às custas de uma reorganização de cúpula, a partir dos mesmos grupos sociais.

Com efeito, o Brasil se integrava ao sistema mercantil engendrado na expansão do capitalismo comercial e impunha-se, portanto, uma evolução paralela interna que implantasse no país concepções econômicas, técnicas sociais e instituições políticas essenciais para o intercâmbio e a associação com as nações hegemônicas do sistema. Nesse sentido, a autonomização política conduziu a transformações econômicas que refletiram na confluência para o padrão de civilização vigente nas nações centrais. Fernandes sentencia que, pela primeira vez, emergia na cena histórica o verdadeiro palco do burguês: uma situação de mercado que exigia econômica, social e politicamente o “espírito burguês” e a concepção burguesa de mundo.

O café iria proporcionar um expressivo desenvolvimento comercial, impulsionando a economia exportadora capitalista. Segundo Fernandes, do surto econômico provocado pelo café e pela imigração saem os representantes mais característicos e modernos do “espírito burguês”. Parafraseando o autor, podemos afirmar que o fazendeiro de café e o imigrante aparecem como os construtores pioneiros do Brasil moderno.

O fazendeiro do café, de início, quase não se afastou do protótipo do senhor rural, para o qual ele tendia como participante da aristocracia agrária. Posteriormente, ele se viu compelido a repudiar o status senhorial, para salvar-se através do “elemento burguês” de sua condição. A mentalidade capitalista se impunha e crescia, internamente, através de atividade econômicas sucessivas desempenhadas pelo imigrante.

A ordem social escravocrata e senhorial se revelava, paulatinamente, incapaz de absorver e de regular os processos econômicos que desencadeava. Em 1850, a lei de terras introduz a terra no mercado e, com a medida, ela só poderia ser adquirida pela compra. Nessa mesma década, as relações capitalistas brasileiras começam a crescer com a construção ferroviária e naval, com o crescimento do transporte urbano, com o desenvolvimento dos serviços públicos e do telégrafo, enfim, com empreendimentos que deram destaque ao nome de Mauá, que, segundo Sodré, constituiu-se no primeiro grande capitalista nacional. Em 1879, a lei de alocação de serviços regulou o trabalho livre e os contratos, estimulando a imigração. Em 1888, a Lei Áurea aboliu o trabalho escravo. Na terceira década do século XIX, a lavoura cafeeira começara a se expandir e a sua ascensão exportadora marcou o avanço da acumulação interna de capitais. O café tornou-se fonte originária da acumulação que iria gerar o capitalismo. Organizava-se no Brasil uma economia exportadora capitalista.

Aos poucos, o café deslocou o centro dinâmico da economia para o planalto paulista e criou uma nova aristocracia rural, que passou a disputar o poder com as demais frações da classe dominante e a imprimir a marca de seus interesses, idéias e costumes no conjunto da sociedade. Em consonância com Nogueira, nada mais ocorreria, a partir de então, sem a participação direta ou indireta dos membros da lavoura cafeeira. Ao lado de uma burguesia cafeeira inovadora e adepta de métodos empresariais, surgem nas cidades um incipiente setor industrial e camadas médias com crescente vitalidade: pequenos comerciantes, artesãos, profissionais liberais, intelectuais e funcionários de um aparelho estatal que se tornava complexo. Embora conservadora, a modernização acabaria por transbordar os limites do sistema monárquico, arrastando-o consigo.

No período monárquico, as novas frações agrárias – ligadas ao café e já de caráter burguês -, as camadas médias urbanas e uma incipiente burguesia industrial ascendem e passam a lutar por uma maior participação no poder. Combatem o processo eleitoral, o centralismo; aderem à idéia republicana, ao federalismo e, mais lentamente, ao abolicionismo. Enquanto pôde, a coroa administrou e manteve sob controle essa nova dinâmica. Aos poucos, porém, a máquina estatal foi-se revelando pesada e lenta demais para acompanhar as mudanças em curso. Em consonância com Nogueira, a República foi o caminho através do qual o Estado realizou a sua auto-reforma.

O elemento burguês, salvaguardado pelo fazendeiro do café, condicionaria a ruptura com a ordem senhorial e a sua plena metamorfose em cidadão da República. De acordo com Fernandes, quando o burguês emerge do senhor agrário, o fazendeiro do café já deixara de ser “homem da lavoura” e se convertera em puro agente do capitalismo comercial e financeiro. As adaptações tinham o intento de manter, sob condições inevitáveis de desagregação final da ordem escravocrata e senhorial, o monopólio do poder e a liderança econômica nas mãos dos grandes proprietários. A partir disso, as velhas estruturas se viram restauradas.

O fazendeiro acabou compartilhando com o destino burguês, que acalentava os sonhos do imigrante, a derrocada da dinastia reinante. Ele teve de optar entre o presente e o passado, opondo-se a um regime social que, se fosse mantido depois de extinta a escravidão, colocaria em risco a própria viabilidade da grande lavoura.

O conceito de revolução burguesa denota um conjunto de transformações econômicas, políticas e sociais que só se realizam por completo quando o desenvolvimento capitalista atinge o grau máximo de sua evolução industrial. Porém, torna-se difícil localizar o momento em se consolida o poder burguês e a dominação burguesa. No caso brasileiro, o fim do Império e o começo da República contêm somente o embrião desse poder e dessa dominação. De 1875 a 1930, os interesses da revolução burguesa ficaram sob o mais completo controle social dos setores rurais e da dominação tradicionalista.

Em 1930, o setor da oligarquia agrária mais ligado à produção do mercado interno se coloca à frente da chamada “Revolução de 1930”. As oligarquias não exportadoras, em conluio com outros setores da sociedade, formaram a Aliança Liberal sob a liderança de Getúlio Vargas. Outra cena da história se repete: é o historicamente velho que irá dirigir o historicamente novo.

O que se chamou de crise poder oligárquico, na realidade, foi o início de uma transição que inaugurava, ainda sob a hegemonia oligárquica, uma recomposição das estruturas do poder, pela qual se configurariam o poder burguês e a dominação burguesa. Segundo Fernandes, essa recomposição marca o início da modernidade no Brasil e separa a “era senhorial” da “era burguesa”.

Várias burguesias foram se formando em torno da plantação e das cidades, tendo o comércio como ponto de encontro. A oligarquia encontrou condições ideais para enfrentar a transição, modernizando-se. A modernização das zonas em expansão econômica e das cidades mais importantes também caminhava rapidamente, e os anseios políticos da burguesia iam mais na direção de amortecer a mudança social espontânea do que aprofundá-la e estendê-la às regiões mais retrógradas.

A modernização estava circunscrita no âmbito do desenvolvimento econômico, valendo-se de um pensamento burguês conservador que não desvanecia o mandonismo oligárquico. Fernandes advoga que “a burguesia não assume o papel de paladina da civilização ou de instrumento da modernidade, ela se compromete, por igual, com tudo que lhe fosse vantajoso”.

Os movimentos que desencadearam o “outubro de 1930” permitiram que os interesses oligárquicos se tornassem menos visíveis e mais flexíveis, favorecendo um deslocamento do poder da oligárquica tradicional para a moderna. Foi a oligarquia (antiga ou moderna), e não as classes médias ou industriais, que decidiu o que deveria ser dominação burguesa, senão idealmente, pelo menos na prática. Ela comandou as mudanças a partir do Estado e em prejuízo da democracia. Não houve, como se observa, a destituição das bases materiais do poder das oligarquias no decisivo momento da passagem ao domínio burguês no Brasil.

De acordo com Lima, a burguesia industrial, mesmo tendo se colocado contra o Estado no início do governo Vargas em 30, não necessitou de fato lutar contra a ordem oligárquica, antes ou depois de 30, para afirmar uma ordem burguesa, pois foi beneficiada no processo de acumulação de capital. O Estado, embora não estando sob o seu domínio direto, foi-lhe funcional ao garantir o controle da classe operária. A partir do movimento de 1930, a revolução burguesa estaria definida e continuaria avançando. O problema essencial seria a coexistência com o latifúndio. Segundo Sodré, na maioria esmagadora dos casos dos países latino-americanos, no campo está a inércia histórica e a presença do passado, configuradas com destaque no monopólio da terra.

Sodré asseverou, ainda, que Vargas e o movimento de 1930 conjugaram-se perfeitamente, uma vez que o movimento foi etapa importante da ascensão burguesa no Brasil, revelando aqui o desenvolvimento das relações capitalistas, e Vargas se afirmaria como o maior dirigente que a burguesia brasileira conheceu, um intérprete sagaz de suas necessidades e de seus anseios.

Na Segunda República, inaugurada em 1930, verifica-se, pouco a pouco, a formação de um bloco industrial-agrário compondo interesses da cafeicultura, indústria, comércio e imperialismo. O fomento à indústria não era questão prioritária na plataforma do novo governo, mas ele não permaneceu indiferente ao assunto. Ianni refere que as medidas anticíclicas, adotadas para proteger a cafeicultura e outras políticas governamentais, favoreceram tanto as fábricas e oficinas existentes como a criação de novas. Segundo o autor, a revolução de 1930 apeou do poder o setor agrário que, com sua política econômica e estilo de governar, constituíra-se em um estorvo ao desenvolvimento do país. No seu lugar, ascendeu um setor que tinha uma ligação maior com o mercado interno e que, por isso, pôde se mostrar mais sensível a um projeto de industrialização no país. De acordo com Sodré, se o movimento de 1930 não resultou, com a hegemonia burguesa no Estado e no comando das ações políticas, no cumprimento das tarefas próprias da revolução social, ele pelo menos efetivou reformas que importavam significativo avanço.

Contudo, vale salientar que a revolução de 1930 teve um cunho contra-revolucionário, tendo em vista fazer face à ascensão política de forças populares. Diante de movimentos de pressão popular, na cidade ou no campo, as classes dominantes responderam com violência. A Revolução Constitucionalista de 1932 e o levante comunista de 1935 são exemplos ilustrativos. Também não faltaram episódios semelhantes procedentes da República Velha, exemplos correlatos como a Revolta de Canudos e a Revolta da Vacina.

A sociedade brasileira tem como base de sua história, como se pôde observar, uma modernização conservadora que consiste numa forma de induzir a modernização econômica, mediante uma intervenção política que, ao mesmo tempo, significa uma conservação do sistema político ou um rearranjo da cúpula dirigente. No caso da República, o bloco de que assumiu a proa do Estado era tão oligárquico quanto o da época imperial. A nova facção da aristocracia rural paulatinamente foi se aburguesando e, gradualmente, foi transformando a grande propriedade em empresa capitalista agrícola, coordenando, dessa forma, o desenvolvimento capitalista. Nesse sentido, verificamos elementos de uma revolução passiva no Brasil, atrelados ao movimento republicano. Este modelo de revolução, ou restauração, também ficou caracterizado pelo alijamento das massas populares do processo de formação das grandes decisões políticas, uma vez que a República foi instituída “quase de surpresa” e durante todo o período oligárquico manteve uma máquina eleitoral eficiente que, além de manter a exclusão dos analfabetos, produzia os resultados políticos desejados pelo acordo da política do “Café com Leite”.

As transformações políticas e a modernização econômico-social efetuadas no limiar republicano estiveram também no quadro da via prussiana, uma vez que a conciliação entre as frações das classes dominantes implicou na conservação de traços essenciais das relações atrasadas, como a manutenção do latifúndio. De acordo com Basbaum, em 1920, num país essencialmente agrícola, cerca de 29 milhões de brasileiros (aproximadamente 90% da população) não tinham terra alguma.

A República não representou uma alteração de fundo na face do Brasil. Ela representou, antes de tudo, uma atualização da superestrutura jurídico-política (esclerosada pelo imobilismo do longo Segundo Reinado) e sua adequação à nova realidade econômica e social do país. O Estado no seu todo se modernizava, mas continuávamos, contudo, sem democracia real e com muitos dos vícios políticos. De acordo com Nogueira, tínhamos uma república federativa e democrático-representativa, mas os partidos eram incapazes de funcionar como verdadeiros agentes de representação e o povo continuava ausente da cena política e das grandes decisões nacionais. Tinha-se erigido, com a República, um Estado nominalmente democrático, fundado num localismo mandonista e em práticas clientelísticas que mal disfarçavam seu caráter autoritário e antipopular. No terreno político-ideológico, não seria grande a ruptura com a monarquia – ao poder pessoal substituiu-se o poder local, e quase tudo ficou como dantes.

Dessa maneira, não faltaram à inaugural Segunda República similitudes com o processo de revolução passiva e de via prussiana. Nota-se o fortalecimento do Estado em detrimento da sociedade civil. A não-participação popular no próprio movimento, e, posteriormente, a exclusão popular das grandes decisões políticas revelam a modalidade antijacobina desta fase de transição do capitalismo. De acordo com Coutinho, o Estado Brasileiro teve o mesmo papel que historicamente Gramsci atribuiu ao Estado do Piemonte, ou seja, o de substituir as classes sociais em sua função de protagonista dos processos de transformação. Esta etapa da (contra) revolução burguesa brasileira também tem feição prussiana, pois não resultou em alterações na estrutura agrária. O capitalismo avançava devagar, com o Brasil arcaico cercando o desenvolvimento por todos os lados.

A burguesia aqui se moldou sob o capitalismo competitivo, nascido da confluência da economia de exportação com a expansão do mercado interno. No entanto, só atinge a maturidade e, ao mesmo tempo, sua plenitude no poder sob a irrupção do capitalismo monopolista – momento em que a sociedade torna-se explosiva com o recrudescimento da dominação externa, com a desigualdade social e com o subdesenvolvimento. As classes sociais burguesas se unificam a partir de sua situação material, de seus interesses, de seu estilo de vida e de sua concepção de mundo. Muitos fatores levaram ao prolongamento do estado de quase-classe e semiclasse dos estratos burgueses.

A tarefa da burguesia nos países periféricos da economia global era tornar a transformação capitalista possível e durável, diante de condições adversas. A redução do campo de atuação histórica da burguesia exprimia uma realidade específica, a partir da qual a dominação burguesa aparece como conexão histórica não da “revolução nacional e democrática”, mas do capitalismo dependente. A burguesia escolheu o único caminho que lhe permitiria conciliar a sua existência com a continuidade do capitalismo dependente. Há burguesias e burguesia, sentencia Fernandes. Certas burguesias, de acordo com ele, não podem ser instrumentais, ao mesmo tempo, para a transformação capitalista e para a revolução nacional e democrática. A revolução burguesa transcende seu modelo histórico não porque este esteja superado, mas porque os países capitalistas retardatários possuem certas peculiaridades e se defrontam com um novo tipo de capitalismo no plano mundial. Portanto, segundo Fernandes, a escolha do caminho não foi por estreiteza de visão econômica e política.

As nações capitalistas centrais e hegemônicas necessitavam de parceiros sólidos na periferia, principalmente depois da Segunda Grande Guerra, quando entraram numa era de luta pela sobrevivência e contra os regimes socialistas. Essas transformações esvaziaram, historicamente, os papéis econômicos, sociais e políticos das burguesias periféricas. Por isso, as revoluções burguesas, na periferia do sistema capitalista globalizado, viram-se patrocinando uma transformação de ordem que perdera seu significado revolucionário. A burguesia luta, simultaneamente, por sua sobrevivência e pela sobrevivência do capitalismo. No caso da periferia do sistema, o capitalismo selvagem surge como único capitalismo possível, desencadeando um desenvolvimento desigual interno, submetido à dominação imperialista externa. Dessa forma, recorre a quaisquer meios para prevalecer, convertendo o Estado Nacional e democrático em instrumento de uma ditadura de classes preventiva ou num Estado autocrático-burguês. De classes condutoras da revolução democrático-burguesa nacional, elas passam a se conceberem como pilares de sustentação da ordem mundial do capitalismo.

Após a década de 1930, a burguesia viu-se sob pressão. Esta vinha tanto de fora como de dentro do país e tendia a eclipsar a dominação burguesa. Diante disso, os setores dominantes das classes alta e média se aglutinaram em torno da contra-revolução autodefensiva. Em nome do desenvolvimento econômico acelerado, aprofundou-se a incorporação da economia nacional à economia capitalista mundial. O passado se repete com o privilégio do setor econômico, e novamente realiza-se uma reforma “de cima para baixo”. A dominação burguesa de natureza autocrática, pela primeira vez, transparece.

O Brasil experimentou, portanto, um processo de modernização capitalista sem por isso ser obrigado a realizar uma “revolução democrático-burguesa” ou de “libertação nacional”, segundo o modelo jacobino. O processo foi impulsionado pela ação do Estado, sendo resultado de uma clássica antecipação das elites contra a ascensão popular, desencadeando posteriormente a sua exclusão da participação política.

Por conseguinte, de acordo com Coutinho, “todas as opções concretas enfrentadas pelo Brasil, direta ou indiretamente ligadas à transição para o capitalismo (desde a Independência política ao golpe de 1964, passando pela Proclamação da República e pela Revolução de 1930), encontraram uma solução elitista e antipopular”. De acordo ainda com o autor, embora a noção leniniana de via prussiana fosse capaz de constituir uma chave interpretativa para esse processo de transformação ‘pelo alto’, na medida em que concentra prioritariamente nos aspectos infra-estruturais do processo, quase sempre no Brasil, a interpretação para a ‘via brasileira para o capitalismo’ é complementada com o conceito de revolução passiva de Gramsci. Segundo o autor, o conceito gramsciano sublinha o momento superestrutural, em particular o momento político, revelando-se de suma importância para a análise do processo brasileiro, no qual o Estado desempenhou freqüentemente o papel protagonista, criando-se e se recriando sempre predominante e impositivo.

A revolução burguesa brasileira, ou contra-revolução prolongada, ou, ainda, revolução autocrática-burguesa, delimita um período histórico longo, sem marcos cronológicos muito bem definidos. Mas traz algumas características essenciais: a modernização econômica que fez avançar aos poucos o sistema capitalista brasileiro, em uma relação de dependência com as nações capitalistas hegemônicas; e a conservação e/ou restauração política que imprimiu, à passagem de uma etapa do desenvolvimento capitalista a outra subseqüente, um modelo de “revolução dentro da ordem”, no qual há uma recomposição da cúpula dirigente e é inexistente a participação popular. Acima de tudo, essa revolução tem, na dianteira, o Estado conduzindo a luta pela renovação, conciliando a dominação externa e o desenvolvimento do único tipo de capitalismo possível – o capitalismo selvagem, que avança às custas de grandes desigualdades internas. E, ainda, apresenta como pano de fundo a imobilidade e o silêncio no campo – o latifúndio representa o pacto que se fez com passado, mantendo sempre presente, anacronicamente, elementos do Brasil arcaico e de relações atrasadas."

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Fonte:
TAÍS DELANEZE: "As Reformas educacionais de Benjamim Constant (1890-1891) e Francisco Campos (1930-1932): o projeto educacional das elites republicanas". (UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO). São Carlos, 2007.

Nota
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