A Propaganda Nazista



"Como mostras da importância que o novo regime daria às imagens em especial ao cinema, com a subida de Hitler ao poder, a transição do cinema mudo para o sonoro na Alemanha foi efetivada às pressas. A Alemanha dominava o mercado cinematográfico europeu, e mundialmente só perdia para os Estados Unidos. Segundo Mauro Luiz Rovai:

(...) sem menosprezar o papel da fotografia, foi por meio do cinema que
a missão de “propagar imagens” foi realizada, uma vez que ele já havia sido largamente aproveitado em outros países, durante a Primeira Guerra Mundial, como França, Grã-Bretanha, Estados Unidos e Alemanha. (...) ao final da década de 1920, o número de cine jornais – a categoria escolhida para fazer com que a educação e a cultura chegassem ao povo italiano, analfabeto na sua maioria – supervisionados pessoalmente pelo Duce, passa, de quarenta e quatro, em 1927, para mais de duzentos, em 1928, apontando uma tendência que se manifestaria cada vez com mais força na década seguinte. Cresceu também a produção de filmes voltados para a propaganda – principalmente a germânica e a italiana, pouco eficaz ou inexistente na Primeira Guerra Mundial – tendo seus maiores expoentes em Goebbels, e em Mussolini. (...) Coincidentemente, ambos eram jornalistas e cultivavam a crença de que a cristalização eficaz de sentimentos fundamentais e arcaicos da pátria e da nação dependia, sobremaneira, do poder das imagens.

Apesar da percepção tardia sobre o uso da fotografia e do cinema como
instrumento de persuasão de massa, o que contribuiu para sua derrota na Primeira Guerra, a Alemanha saberia, na Segunda Guerra, usar como nenhum outro país estas novas armas. Desta forma, nos anos que se seguiram ao término da Primeira Guerra, além dos investimentos na reconstrução do país e do pagamento das dívidas de guerra, a Alemanha passou a investir pesadamente na indústria cinematográfica:

Conforme a recomendação de Ludendorff dá-se a fusão das principais companhias cinematográficas: o Alto Comando alemão criava a UFA em estreito entendimento com proeminentes financistas, industriais e armadores, um grupo de bancos e todas as empresas do setor. A Universum Film AG (UFA) nascia imponente: vinte e cinco milhões de marcos em ações, um terço de propriedade do Reich. Sua missão era a propaganda nacional, a partir de diretrizes do governo. Isto incluía propaganda direta, filmes de educação
nacional e obras características da cultura alemã. O comunicado oficial tinha um tom quase festivo: ‘É uma satisfação constatar que se espalha cada vez mais a opinião segundo a qual o filme não tem como finalidade exclusiva a distração do público, mas que deve responder a necessidades nacionais educativas e econômicas’.

Porém, a estagnação da moeda alemã foi desfavorável ao desenvolvimento cinematográfico e a UFA quase foi à falência. Em 1925, um acordo com as norte-americanas Paramount e Metro-Goldwyn favoreceu a entrada dos produtos norte-americanos no mercado alemão. Em 1927, a crise econômica da UFA aumentou e para salvá-la da falência, seus meios de controle sobre a opinião pública foram ampliados. O então diretor da UFA, Alfred Hugenberg, queria estender sua influência engolindo as principais companhias cinematográficas alemãs
.

Além do incentivo dado pela Alemanha para a produção de filmes, o rádio também foi considerado um grande aliado no convencimento das massas, tanto que

(...) a ação nazista sobre as estações de rádio levou a um aumento do número de aparelhos (de apenas dois tipos, pois o que importava era a eficácia) de um milhão e meio, produzidos durante 1933, para ultrapassar a marca dos seis milhões, em 1934, sendo que, em 1939, às vésperas da guerra, mais de 70% dos lares alemães tinham rádio, a maior porcentagem em relação a qualquer outro lugar do mundo
.

O cinema, a imprensa e o rádio, controlados pelos nazistas, inundaram a
Alemanha com propaganda política. Os alemães podiam ler e ouvir apenas o que dizia respeito às glórias do governo de Hitler. Por trás de toda a propaganda, havia uma figura
extremamente necessária ao sucesso do regime: Joseph Goebbels, então Ministro do Esclarecimento Público e da Propaganda. “Coordenando” artistas e cineastas, ele iria produzir as armas espirituais para a doutrinação da população. Para isto, contaria especialmente com os trabalhos do arquiteto Albert Speer e de diversos cineastas, entre eles Leni Riefenstahl, responsável pela produção de alguns dos filmes mais emblemáticos do nazismo.

O controle das massas exercido através dos meios de comunicação criou na sociedade
alemã uma histeria coletiva de caça às bruxas levando ao extermínio de milhões de pessoas. Goebbels sabia que o cinema seria sua grande arma de guerra ao tornar-se uma poderosa arma de convencimento público, já que o acesso das massas à informação era possível apenas por meio do cinema e do rádio e, em menor escala, da imprensa escrita.

Como observou Paul Virilio, (...) o cinema entra para a categoria das armas a partir do momento em que está apto a criar a surpresa técnica ou psicológica
. Em um pronunciamento feito por Goebbels no Congresso do Partido em Nuremberg, em 1934, que passaria à História pelas lentes de Leni Riefenstahl, o uso da propaganda como arma fica explícito:

Possa a brilhante chama de nosso entusiasmo nunca se extinguir. Esta chama sozinha dá luz e calor à arte criativa da moderna propaganda política. Nascendo das profundezas do povo, esta arte deve sempre descer de volta a ele e encontrar lá seu poder. O poder baseado em armas pode ser uma coisa boa; é, porém, melhor e mais gratificante conquistar o coração de um povo e mantê-lo.

Leni Riefenstahl afirmava que foi procurada por Hitler, depois que este assistiu a
um filme de montanha dirigido por Arnold Fanck em que ela atuava como atriz e dançarina; mais tarde Hitler se encantara com o primeiro filme da diretora, A Luz Azul (Das blaue Licht, 1932). Já em 1933 ela dirigiu um curta-metragem sobre um comício do Partido Nazista, A Vitória da Fé (Sieg des Glaubens, 1933), que ela, muitos anos depois, renegou por julgá-lo um fracasso. Mas Hitler não era da mesma opinião e pediu a Leni que filmasse o II Congresso do Dia do Partido do Reich, realizado em Nurembergue entre 5 e 20 de setembro de 1934. O resultado foi O Triunfo da Vontade (Triumph des Willens, 1934-1935), obra que glorificava a nova ordem nazista e que tornou a cineasta mundialmente conhecida como a mais proeminente diretora do cinema de propaganda nazista, mesmo tendo ela, depois da guerra, negado qualquer envolvimento político com o regime.

Seria apenas um filme a registrar um Congresso do Partido não fosse toda a estrutura armada por ela e por Speer. Com um orçamento estatal inaudito para um filme documentário, com os melhores equipamentos disponíveis e toda uma divisão dos melhores cinegrafistas da Alemanha, Leni Riefenstahl realizou aquele que seria considerado o mais impressionante filme de propaganda política, com ângulos e tomadas de câmara inovadoras.

Realizado logo após o esmagamento das tropas S.A., que opunham uma última
divisão ao poder absoluto de Hitler, O Triunfo da Vontade exaltava a unidade de nação e partido, encarnada no Führer, detentor de um poderio militar até então sem precedentes. O filme glorificava o poder absoluto do Führer, alimentando esperanças utópicas na população alemã através da preparação de uma nova guerra, da qual a Alemanha sairia finalmente vitoriosa.

Nele, tudo foi feito com a intenção de projetar mundialmente o regime nazista e sacramentar a figura de Hitler:
O cenário fora montado e as paradas cenografadas pelo arquiteto Albert Speer, o criador da arquitetura monumental do regime, que cercou o estádio com canhões de luz, direcionados para o alto: o ‘Congresso’ transcorreu dentro desta catedral de luz, de efeito impressionante. O Führer acompanhou todos os preparativos do filme, que devia transmitir a imagem de seu triunfo sustentado pelas massas.

Com o convencimento público obtido não somente através deste filme, mas a partir de toda uma estrutura de propaganda, o poder de Hitler se constituiu e a Alemanha passou a reagir às sanções impostas pela derrota na Primeira Guerra, fortalecendo suas forças armadas. Os líderes nazistas pregavam que os alemães eram de uma raça nórdica superior e que todos os outros povos não-nórdicos eram inferiores. Os judeus, em especial, eram considerados uma “anti-raça” que contaminava o sangue ariano e que, portanto, não podia misturar-se aos alemães. A ascensão de Hitler ao poder através da propaganda seria somente uma prévia do que estava por vir – aquilo justamente que a propaganda não poderia nunca mostrar – o extermínio de aproximadamente 6 milhões de judeus, 500 mil ciganos, 60 mil doentes mentais e 10 mil homossexuais em nome da purificação racial.

Com o objetivo de conquistar mais territórios a leste e vingar a derrota alemã na Primeira Guerra Mundial, Hitler proclamava ao povo alemão que a conquista não era apenas um direito, mas um dever. De 1933 a 1939, o país foi preparado para a guerra. Os nazistas assumiram o controle dos tribunais, das indústrias, da polícia, das escolas. Muitas crianças espionavam e delatavam os próprios pais para os nazistas. A maioria da população aprovava a ditadura nazista e os que não aprovavam eram forçados a deixar o país ou enviados aos campos de concentração. Em 1936, a Alemanha invadiu a região desmilitarizada a oeste do rio Reno, conhecida como Renânia. E, em 1938, anexou a
Áustria, que não reagiu, pelo contrário, recebeu Hitler de braços abertos. Após a rápida conquista da Áustria, a Alemanha passou a reivindicar a região dos Sudetos, uma região da Tchecoslováquia habitada por 3,5 milhões de alemães, muitos dos quais haviam ingressado em um partido pró-alemão que recebia ordens de Hitler. Porém os tchecos prepararam-se para a batalha e obtiveram o apoio da União Soviética, da França e da Grã-Bretanha. Neste momento, Hitler declarou que aquela região era a última reivindicação territorial que tinha a fazer na Europa. Para evitar uma guerra, foi assinado um tratado de paz que concedia o território tcheco à Alemanha. Esta política de apaziguamento adotada pela França e pela Grã-Bretanha diante dos avanços nazistas mostrou pouco tempo depois todo o seu fracasso.

Neste período, os jornais alemães destacavam os supostos maus tratos sofridos pelos povos de língua alemã que residiam na Polônia. A população rebelou-se contra tal situação, e os conflitos entre poloneses e alemães aumentaram. À medida que o tempo passava, os rumores sobre uma guerra espalhavam-se através dos meios de comunicação e a população apoiou uma terceira invasão, desta vez à Polônia, em 1939. Porém, agora, a Grã-Bretanha e a França declararam guerra à Alemanha para conter seu avanço sobre a Europa oriental. A Rússia assinou um pacto de não-agressão com a Alemanha, pois tinha interesse no território polonês. E enquanto a Alemanha não atacou a Rússia, esta forneceu trigo, petróleo e outros produtos essenciais para o esforço bélico alemão. Mas esta neutralidade não duraria muito.

Com a reconhecida força das imagens, na Alemanha, a “classe média culta” que atacava a imoralidade dos filmes e afirmava que sua influência era nefasta sobre a juventude, mostrou-se entusiasmada com o iminente conflito que se tornaria a Segunda Guerra Mundial
. A indústria cinematográfica alemã seria, de fato, muito beneficiada com a matança. A produção doméstica, que jamais teve condições de competir com os filmes franceses e norte-americanos, passou a dominar o mercado e precisava dar conta de uma enorme demanda interna, pois às salas regulares somaram-se incontáveis cinemas militares que proliferavam nos cenários devastados das frentes de batalha.

Nesta época, os Estados Unidos e a Inglaterra já haviam desenvolvido o filme a cores. A Alemanha, atrasada nesta e em outras tantas tecnologias com a perda de muitos técnicos e especialistas, obrigados ao exílio, só obteve o primeiro filme de longa-metragem em cores, feito em Agfacolor, durante a Segunda Guerra Mundial: A Bela Diplomata (Frauen sind doch bessere diplomaten, 1941), que ainda teve sua projeção proibida por Joseph Goebbels, que julgou as cores abomináveis e sinistras em relação aos filmes em Technicolor, aos quais havia assistido após uma apreensão de um navio Aliado pela marinha alemã, em especial, E o Vento Levou... (...Gone with the wind, 1939). Devido à pirataria logística, o Agfacolor foi aperfeiçoado e, no ano seguinte, Veit Harlan pôde realizar A Cidade Dourada (Die goldene stadt, 1942). Foi também durante a Segunda Guerra Mundial que Eisenstein pôde rodar – numa União Soviética também atrasada pela ausência de liberdade de criação – uma longa seqüência de seu filme Ivã, o Terrível (Ivan Groznyy I, 1944) com película Agfacolor confiscada do inimigo
.

Os discursos públicos, as emissões radiofônicas, os alto-falantes, os panfletos e as tipografias móveis foram também grandes armas durante a Segunda Guerra Mundial. A utilização da propaganda para incentivar as próprias tropas e desestabilizar o inimigo foi tão forte que destacamentos especiais foram criados para organizar a “guerra psicológica”. Ao analisar em sua dissertação de mestrado o trabalho de Paul Virilio sobre o desenvolvimento tecnológico favorecido pelas guerras, Adriana Schryver Kurtz, concluiu:

A história do desenvolvimento do cinema alemão é, ao mesmo tempo, a visão retrospectiva das lutas inter-imperialistas e contra-revolucionárias que tumultuaram a primeira metade de nosso século. As duas grandes guerras, especificamente, acabaram por transformar-se no mais concreto incentivo à
criação e ao desenvolvimento das “fábricas dos sonhos”, o que vale tanto para a lendária UFA (Universum Film AG), quanto para a Cinecittà, verdadeiros laboratórios de uma mentalidade modernista reacionária que marcaria a chamada sétima arte no contexto de uma política “fascistizada”.

Numa Europa dominada pela Guerra Relâmpago, a Blitzkrieg, os alemães ainda continuavam produzindo filmes de forte apelo sentimental, estilo que já fazia sucesso mesmo antes da chegada dos nazistas ao poder. Não interessava à propaganda nazista mostrar, nos chamados “filmes de entretenimento” cenas de batalhas contemporâneas, o convencimento era feito de maneira mais amena, através de filmes que exaltavam a vida no campo e o vigor do homem alemão, e de filmes de guerra transportados para épocas anteriores, especialmente nos tempos de Frederico II. Também foram testadas, além das tradicionais tochas de fogo, novas tecnologias de iluminação para as marchas e espetáculos de propaganda, como os canhões de luz, que impressionavam as massas. Como disse Hitler: As massas precisam de ilusão, não somente no teatro ou no cinema, mas também nas coisas sérias da vida."

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Fonte:
Adriana de Barros Ferreira Cunha: "A Imagem como Arma: O uso ideológico das imagens de guerra". (Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Artes da Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Artes. Área de concentração: Arte e Tecnologia da Imagem. Orientador: Prof. Dr. Luiz Nazario Belo Horizonte Escola de Belas Artes). Belo Horizonte, 2008.

Nota
:
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O texto postado é apenas um dos muitos tópicos abordados no referido trabalho.
Para uma compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da tese em sua totalidade.

Disponível digitalmente no site: Domínio Público

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