Uma breve descrição da Guerra do Contestado



“Antes de passarmos para o aprofundamento de tais questões, consideramos importante descrever brevemente a Guerra do Contestado, no intuito de contribuir para que o leitor localize mais facilmente as referências citadas no decorrer do nosso trabalho.

A Guerra do Contestado foi um dos maiores conflitos armados da história republicana brasileira. Ocorrida entre 1912 e 1916, numa área de fronteira disputada pelos estados de Santa Catarina e Paraná. O Contestado foi um movimento social com forte presença religiosa durante toda sua existência e aderiram às vilas santas pessoas de origens bastantes variadas: posseiros expulsos de suas terras, ervateiros impossibilitados de continuar com seu trabalho, trabalhadores desempregados pela estrada de ferro, antigas lideranças federalistas e importantes opositores políticos dos coronéis da região, em especial de Curitibanos e Canoinhas.

O estopim da revolta foi o “ajuntamento” em torno de um “monge” chamado José Maria, em agosto de 1912. Perseguidos por tropas catarinenses, os seguidores do monge fugiram em direção ao Paraná até chegar ao sertão de Palmas, na localidade denominada Irani, onde, em 22 de novembro, ocorreu o primeiro combate contra a força pública paranaense. José Maria morreu durante este conflito, assim como o comandante do Regimento de Segurança, Coronel João Gualberto.

Cerca de um ano após o combate do Irani, alguns seguidores de José Maria, liderados por Eusébio Ferreira dos Santos, voltaram a se juntar na localidade de Taquaruçu, esperando o retorno do monge à frente de seu exército encantado. O rápido crescimento do novo reduto (como eram chamados os acampamentos dos sertanejos), além demonstrar que a crença na ressurreição de José Maria era bastante forte na região, acabou por "incomodar" os grandes fazendeiros do planalto catarinense.

A primeira investida contra o reduto aconteceu em dezembro de 1913, quando as tropas do exército e da polícia catarinense foram derrotadas, aumentando a fama dos rebeldes. Estima-se que em Janeiro de 1914, Taquaruçu contava com aproximadamente 600 habitantes, quando iniciou-se o deslocamento para uma nova vila santa em Caraguatá. No dia 08 de fevereiro o que restava do reduto de Taquaruçu foi arrasado em combate que permaneceria na memória daqueles sertanejos como uma grande injustiça cometida pela República, já que as tropas do exército não pouparam sequer mulheres e crianças.

O número de rebeldes não parou de crescer nos primeiros meses do ano de 1914. No final do mês de março, quando uma epidemia de tifo obrigou a realização de uma nova mudança do reduto-mor para Bom Sossego, os rebeldes somavam mais de 2.000 pessoas, neste contexto sob a liderança de Elias de Morais, antigo oficial da Guarda Nacional e de uma vidente de nome Maria Rosa. Em abril, o governo federal nomeou o experiente General Carlos Frederico de Mesquita para o comando das tropas do exército. Depois de atacar algumas áreas já abandonadas pelos rebeldes e criticar a “politicagem” existente no planalto, considera sua tarefa cumprida e deixa na região apenas um contingente de 200 homens sob o comando do Capitão Matos Costa.

Em junho de 1914, aderiram ao movimento caboclo importantes líderes da oposição política da vila de Canoinas. Bonifácio Papudo, Antônio Tavares Júnior e Aleixo Gonçalves formaram os seus redutos, ampliando ainda mais a quantidade e o raio de ação dos rebeldes. A principal liderança, neste contexto é Francisco Alonso de Souza, conhecido como Chiquinho Alonso.

Em setembro de 1914, os rebeldes deram início a uma grande ofensiva, atacando as principais vilas de toda a região, várias estações da Estrada de Ferro São Paulo - Rio Grande, instalações da serraria Lumber e colônias de imigrantes europeus. Neste mesmo mês, o governo de Hermes da Fonseca nomeou o General Fernando Setembrino de Carvalho para assumir o comando de uma nova campanha militar, desta vez contando com todos os recursos bélicos que se fizessem necessários. Setembrino levou para o front de batalha, cerca de 6.000 soldados do exército, além de ter utilizado largamente o apoio dos chamados vaqueanos, milícias dos coronéis da região.

Depois da morte de Chiquinho Alonso no ataque à colônia de Rio das Antas em novembro, o movimento passou ser liderado por Adeodato Manoel Ramos. Em dezembro, os rebeldes iniciaram a concentração dos vários redutos no Vale de Santa Maria, a fim de encontrarem uma posição de defesa mais segura contra os ataques do exército. Depoimentos de um rebelde e o relatório de um militar dão conta de uma população estimada em mais de 10 mil pessoas apenas neste novo reduto. Ao final deste mês e em janeiro de 1915 a estratégia de cercomontada por Setembrino surtiu efeito e ocorreram as primeiras rendições em massa.

Os meses de fevereiro e março de 1915 foram marcados por intensos combates que terminaram com o arrasamento do reduto de Santa Maria e a execução de muitos rebeldes. A maior parte do efetivo militar deixou a região do Contestado em maio deste ano, deixando apenas um contingente sob o comando do major José Vieira da Rosa, militar que conhecia muito bem a região e foi ajudado por um bom número de vaqueanos encarregados de reprimir os redutos restantes e caçar os rebeldes escondidos nas matas. O último reduto, São Pedro, foi arrasado em dezembro de 1915, depois de novas deserções em massa. Adeodato, porém, foi capturado e preso em julho de 1916."

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Fonte:
TARCÍSIO MOTTA DE CARVALHO: “COERÇÃO E CONSENSO NA PRIMEIRA REPÚBLICA: A GUERRA DO CONTESTADO - 12/1916”. (Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal Fluminense como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor. Orientadora: Profª Drª Sonia Regina de Mendonça) Niterói, 2009.

Nota
:
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As notas e referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.
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Para uma compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da tese em sua totalidade.
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