A educação feminina na obra de Eça de Queirós



“Perdoem, gentis meninas, se a nossa pena nem sempre for glorificada como um sonho de Petrarca: mas a tinta moderna sai do poço da Verdade.” Eça de Queirós

A figura feminina sempre foi a mais prejudicada em termos sociais e culturais. Assim sendo, também ao se tratar do quesito educação, não poderia ser diferente.

Eça de Queirós, assim como Proudhon o fez, descreve a situação da mulher do século XIX, dizendo que esta não possuía sua própria independência, vivia em função dos afazeres domésticos; quando casada devia se dedicar a cuidar do marido e dos filhos, de modo que a educação formal não se fazia necessária.

Ao analisar a representatividade feminina nos meios educacionais, o escritor demonstra o quanto às mulheres eram ensinadas a sujeitarem sua independência à procura de um marido e apenas a ele se dedicarem:

As mulheres vivem nas conseqüências desta decadência. Pobres, precisam casar. A
caça ao marido é uma instituição. Levam-se as meninas aos teatros, aos bailes, aos passeios, para as mostrar, para as lançar à busca. Faz-se com a maior simplicidade esse ato simplesmente monstruoso. Para se imporem à atenção, as meninas têm as toilettes ruidosas, os penteados fantásticos, as árias ao piano. A sua mira é o casamento rico. Gostam do luxo, da boa mesa, das salas estofadas: um marido rico realizaria esses ideais. Mas a maior parte das vezes, o sonho cai no lajedo: e casam com um empregado a 300$000 réis por ano. Aquilo começou pelo namoro e termina pelo tédio. Vem a indiferença, o vestido sujo, a cuia despenteada, o cão de regaço. As que por ventura casam ricas desenvolvem outras vontades: satisfeitas as exigências do luxo, aparecem as exigências do temperamento.

Assim como demonstra Eça, a cultura portuguesa, em consonância à européia, formava mulheres apenas para o casamento, de modo particular para o casamento por interesse, como meio de enriquecimento. O que pode ser considerado agravante nessa situação é que isso era incentivado e apoiado pelos pais, como costume da época.

Se assim era o que ocorria na vida das mulheres do Portugal oitocentista, então logo se compreende o porquê das autoridades governamentais não se interessarem por questões educacionais e, principalmente, com a educação das mulheres portuguesas, pois se a sina dessas mulheres era viver para a sua família, de que serviria estudar?

O que não se tinha em mente, na cultura da época, era que também essas mulheres poderiam corroborar com o crescimento da nação. Essa consciência, porém, fez parte dos escritos de Verney, conforme descritos anteriormente.

Em contrapartida, a preguiça, pelas palavras de Eça de Queirós, era um dos grandes males que atingia a sociedade portuguesa contemporânea, de modo particular as mulheres que tinham seu futuro educacional comprometido, porque as meninas eram educadas desde cedo para a vida matrimonial. Além do mais, essa educação ia ao mesmo tempo ensinando-lhes o catecismo e a doutrina cristã tendo como único objetivo fazer com que os preceitos morais fossem decorados e não obedecidos na maioria das vezes, já que não havia uma compreensão daquilo que era memorizado; depois iam freqüentar os colégios que eram tediosos e estudavam a Literatura, o Inglês, Francês a Geografia e a História.

Conseqüentemente, a educação feminina não tinha muita relevância prática na vida das mulheres, pois se a sociedade havia colocado-as na posição de donas-de-casa, o máximo que os estudos poderiam ser úteis seria na educação dos filhos, o que para a maioria dos intelectuais, incluindo Eça de Queirós, seria uma das saídas para o início do crescimento cultural da nação portuguesa.

Em suma, Eça de Queirós acompanha o debate sobre a questão educacional em Portugal contemplando também a educação feminina, que não podia ficar de fora, porém não se preocupa em propor novos rumos a essa educação, limita sua obra a descrições da situação em que sobrevive essa prática. Por outro lado, ao se fazer uma descrição da situação educacional vigente, Eça de Queirós apresenta-nos uma postura crítica que leva seus leitores a uma reflexão de quanto à educação em Portugal precisava ser repensada e aprimorada e desse repensar a prática pedagógica dependeria o futuro promissor da nação portuguesa."

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Fonte:
MARCIO JEAN FIALHO DE SOUSA: “A Postura de Eça de Queirós à Luz dos Debates Educacionais em Portugal”. (Dissertação apresentada à Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, para obtenção do título de Mestre em Literatura Portuguesa. Área de Concentração: Literatura Portuguesa. Orientador: Profª. Drª. Aparecida de Fátima Bueno). São Paulo, 2008.

Nota
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