Influências da obra de Eça de Queirós na Geração de 98.



"As semelhanças existentes entre a Geração de 98, na Espanha, e a Geração de 70, em Portugal, já haviam sido assinaladas por críticos como Julio Casares, André Gonzales Blanco, García Morejón e Fidelino de Fiqueiredo. Este nos trouxe uma questão muito interessante para o estudo comparativo da evolução cultural na Espanha e em Portugal. Segundo Fidelino, os mesmos movimentos culturais aconteciam nas duas nações com características de “paralelidade e assincronia”, ou seja, os “ismos” eram produzidos de forma paralela, mas em épocas diferentes. Isto é explicado sobre a presença de uma atitude intelectual semelhante entre Espanha e Portugal, mas com trinta anos de diferença:

En las relaciones entre Portugal y España perdura estáticamente un cierto carácter, que ya permitió el arbitrio de una fórmula o ley para esa constancia- paralelismo y asincronía.

Para Fidelino de Figueiredo é inegável a influência que a lusitana Geração de 70 exerceu sobre a Geração de 98, como relata abaixo:

La historia de la literatura española moderna estando construída con amplio espíritu, tiene que registrar la honda influencia de Eça de Queiroz, Antero de Quental, Guerra Junqueiro, Oliveira Martins y Teófilo Braga sobre autores numerosos y de la altura de un don Juan Valera, de un Ganivet, de un Unamuno y de un Valle-Inclán, y sobre eruditos de la categoria de un Rodríguez Marín.

Júlio Garcia Morejón, em um ensaio sobre a lusofilia de Unamuno, insiste nas semelhanças entre as duas gerações. Ambas foram o início de movimentos de europeização, ainda que na Espanha esta tendência ficou parada no momento em que o grupo espanhol, liderado por Unamuno, derivou-se em direção a outras doutrinas.

Compartilhavam mesmo assim a necessidade de uma compreensão da realidade nacional e de uma reforma educacional imprescindível para derrubar os moldes universitários vigentes já bastante obsoletos (não nos esqueçamos que a polêmica de Coimbra começou com um forte movimento de contestação universitária). Mas o ponto de maior identidade ideológica está no enfrentamento das duas gerações com sociedades que haviam perdido totalmente a ideologia do liberalismo em que estavam fundamentadas e haviam se convertido em um mundo burguês fechado e corrupto da Restauração espanhola ou da Regeneração portuguesa.

Um mundo regido por uma rotatividade de partidos que não enganava ninguém e nem podia contentar as novas camadas sociais ou aos jovens e que acabará em conduzir as duas nações a uma grave humilhação nacional: o Ultimatum ou o desastre de 98. O Ultimatum, em Portugal, não fez mais do que aflorar uma atitude crítica que datava de 1871, com as “Conferências do Casino” enquanto que 98 foi o ponto de partida para os regeneradores espanhóis:

Hubo en Portugal tres momentos de reacción orgánica de la minoria intelectual: 1865 reacción de carácter esteticista, frente a la decadencia que representaba en las letras el viejo árcade Castillo; 1871, de carácter criticista histórico, de análisis profundo de las realidades nacionales y 1890, con el ultimátum, en que toda aquella cólera anterior se hizo panfleto. Esta última reacción actuó sobre el ensayismo inicial de los hombres del 98.

É conhecida a influência intelectual que Oliveira Martins exerceu sobre toda a Península, desde seu posicionamento como historiador famoso e como homem político. Sua responsabilidade nas idéias iniciais do grupo de 98 é, como assinala García Morejón, decisiva. Por isso, não é desatino afirmar da clara influência da Geração de 70 sobre muitos pressupostos ideológicos da Geração de 98:

Se explicaría en su totalidad el pensamiento de Ramiro de Maeztu sin el precedente de Oliveira Martins? Sería posible la prosa inicial de Valle-Inclán sin la de Eça de Queiroz? Y una parcela de la angustia y del
tormento de Unamuno, se justificaria plenamente sin la voz agónica de Antero d Quental?

A influência é mais perceptível em alguns membros, e, indiscutivelmente, a lusofilia de Unamuno é a mais contundente e profunda, mas não se pode excluir a presença de Portugal em outras obras do grupo. Vimos em Ramiro de Maeztu,no prólogo da versão do La Alianza Peninsular de Antonio Sardinha, considerando a Geração de 70 como elemento agregador lusitano, elogiar claramente todos os membros e, em especial, Eça de Queirós, por ter se arrependido de seu cosmopolitismo na obra A Cidade e as Serras :

Los padres espirituales de Sardinha, Eça de Queiroz, Guerra Junqueiro, Ramalho Ortigão, Fialho de Almeida, y un poco más atrás Oliveira Martins, Antero de Quental y Camilo Castello Branco, constituyeron dos generaciones de escritores que habrían llenado el mundo de haber nacido en alguno de los pueblos donde en aquellos tiempos se fabricaban las grandes reputaciones literarias. Todos ellos fueron patriotas, tan saturados de la grandeza de Portugal en el pasado como desesperados de su pequenez contemporánea. Recordad el sarcasmo de Eça de Queiroz (…) había ya expresado su arrepentimiento o estaban en camino de expresarlo.”

A infuência de Eça de Queirós na obra de Valle-Inclán, há muito vem sendo discutida e contestada, mas, para Julio Casares, Andrés Gónzalez Blanco, Guerra da Cal e Fidelino Figueiredo, tal influência é clara e induscutível. O principal estudo feito acerca disto está em Crítica Profana de Julio Casares. Segundo ele, é impossível negar a influência após longa e detalhada análise dos processos estilísticos tão similares.

Yo creo que Valle-Inclán, traductor a su vez de Eça de Queiroz, y em condiciones privilegiadas, como gallego, para saborear la exquisita armonía de la prosa de este gran estilista, tan poco conocido en España hasta después de su muerte (1900) debió hallar también en las páginas admirables de
La Reliquia y de Prosas Bárbaras la fórmula de expresión más adecuada a su propio temperamento y, voluntaria o inconscientemente, dios a imitar en sus escritos el léxico, los giros y las cadencias del novelista portugués.

Ernesto Guerra da Cal em sua grande obra Linguagem e Estilo de Eça de Queiroz reitera a opinião de Casares:

Em Valle-Inclán, pelas formas e pela reiteração percebe-se a provável influência do romancista português – como se verifica em muitos outros aspectos de seu estilo (…) se acercou, respeituoso e familiar(
Sonata de Otono. Madrid,1902, p.17)

Ao largo de seu estudo, Guerra da Cal vai assinalando as semelhanças estilísticas entre os dois autores: a complacência no uso do adjetivo “vago”, em seu ritmo similar. Apresenta como a diferença mais notória o exagero no uso por Valle-Inclán de neologismos. Guerra da Cal nos afirma ser inegável a influência de Eça na Geração de 98, incluindo a geração realista espanhola.

Na Espanha, a influência da obra de Eça, que já se fizera sentir na geração realista, continuou depois e ainda mais energicamente, pois o seu estilo resumia muitas das apetencias dos “Modernistas” e dos menbros de “Geração de 98”. Observa-se isto, depois de Valle, em Gabriel Miró (
A Reliquia está vigorosamente presente nas figuras de La Pasión del Señor), na tônica e na forma das crônicas humorísticas de JulioCamba, e em muitíssimos escritores de segunda categoría(toda a obra de Wenceslao Fernández Flórez e estilisticamente é um decalque queirosiano).

Para Fidelino de Figueiredo, Eça exerceu com seu estilo peculiar, uma forte influência na Espanha: Su estilo de vida y el de palabra que lo expresa, irradiaron influencia vasta por España, por Brasil y por la América española, e conclui reafirmando a influência do autor português sobre Valle-Inclán, em uma entrevista ao autor de”Sonatas”, realizada em Madrid - 1928:

Na época de plástica serenidade das
Sonatas, Valle-Inclán recebeu influências benéficas de Eça de Queiroz, de quem traduziu alguma obra, exemplo O Crime do Padre Amaro. Aludo com discrição a esse fato, mas ele já distante do esteticismo das Sonatas e já célebre, desvia a conversa e atribui a tradução a sua esposa, ali presente que sorri e deixa passar o pequeno erro biográfico para a história literária.

García Morejón mantém a idéia da influência de Eça de Queirós, incluindo a de Guerra Junqueiro na obra de Valle-Inclán.

Pero si es cierto que Valle-Inclán se había dejado guiar por el esteticismo inicial de los últimos escritores realistas portugueses, y también por el de Eça , más tarde se reflejaron en él resonancias junqueirianas. El lusitanismo del autor de las
Sonatas es pues, más intimo y menos aparencial de lo que se piensa. Su posición estética castellana se entiende mejor si tenemos en cuenta algunos aspectos de la lusitana…”

Afirmamos, então, que a lusofilia portuguesa da Geração de 98 está centrada em dois grandes autores: Valle-Inclán, sendo neste autor uma influência estilística e não crítica, dificultando uma análise detalhada; enquanto que em Miguel de Unamuno o seu amor profundo por Portugal é proclamado em muitas páginas de sua crítica, devendo algumas figurar como as melhores de sua obra."

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Fonte:
Vera Maria Monteiro de Souza Rios: A OBRA DE EÇA DE QUEIRÓS: LEITURAS ESPANHOLAS Dissertação apresentada no Programa de Pós-Graduação em Literatura Portuguesa, do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da Faculdade de Filosofia , Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, para a obtenção do título de Mestre em Letras. Orientador: Prof. Dr.José Horácio de Almeida Costa). São Paulo, 2007.

Nota
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