William Shakespeare e o seu tempo histórico



O Renascimento
"Na época denominada de Renascimento - o período entre a Idade Média e a Moderna- presencia-se o início de um novo ciclo histórico sem precedentes na história mundial que se caracteriza, principalmente, em termos de política, pelo fortalecimento do Estado Moderno. Em toda a Europa, a preocupação dos governos era com a ordem, com o desenvolvimento e a disseminação da consciência e do sentimento nacional, por isso precisavam de um governo forte.

O nacionalismo servia de apoio ao autoritarismo e crescia, juntamente com o individualismo e as deliberadas divisões de classe, numa conjução de opostos. Como em toda parte, era um produto de forças em mudança, tanto econômicas como culturais, e tinha fortes laços com a religião, em uma Europa amargamente dividida quanto ao controle dos caminhos que conduziam ao Paraíso e também às Índias. Na Inglaterra esse nacionalismo poderia ser identificado como uma mística Tudor e um “culto à personalidade” dos quais muito dependia Elizabeth. Era fácil idealizá-la como a defensora da Inglaterra durante muitos anos, mas o inglês comum parecia ter dúvidas quanto ao regime sob o qual vivia. A corte elisabetana era sinônimo de arrogância e depravação; deve ter havido uma forte mistura de sentimentos da classe média contra uma aristocracia suntuosa e suas pretensões
(KIERNAN, 1999, p. 21).

Para unificar as nações, era preciso combater a independência e o poder dos barões feudais, as invasões estrangeiras e implantar uma monarquia forte. “A invenção do canhão, no século XIV, desempenhou um grande papel, pois permitiu aos reis forçar as defesas dos castelos feudais. Mas o desenvolvimento comercial favoreceu também poderosamente a unificação das nações” (DENIS, 1993, p. 91).

Na maioria das nações medievais o poder do rei era até certo ponto nominal e simbólico, restrito às terras de sua propriedade. Os senhores feudais possuíam exército próprio, o que lhes dava autonomia e poder: cunhavam as próprias moedas, estabeleciam tributos, cobravam pedágio, decidiam a guerra e a paz, administravam a justiça. Ora, tal fragmentação do poder colocava entraves ao comércio florescente que necessitava da uniformização de pesos e medidas, moeda, impostos, além de exigir uma legislação válida para todo o território nacional, livre das arbitrariedades dos condes e duques mais poderosos.

Por isso o surgimento do Estado Moderno não se dissocia das transformações econômicas resultantes das atividades mercantis, ou seja, os interesses da burguesia em ascensão estão em consonância com o fortalecimento do poder central dos reis. A reciprocidade de interesses se expressa por meio de favores mútuos: os burgueses pagam impostos e concedem empréstimos com os quais os reis garantem o funcionamento da administração, sustentam a milícia nacional e impõem à autoridade. Em contrapartida, o Estado forte é empreendedor, cria companhias de comércio e monopólios, além de montar o sistema de colonização das terras do Novo Mundo. Sob esse aspecto político, a aliança entre reis e burgueses levará à consolidação das monarquias nacionais, fundadas na unidade do território, povo e governo. Do século XVI ao XVIII, a legitimação da soberania monárquica justifica o absolutismo real; do ponto de vista econômico, a intervenção direta do Estado nos negócios particulares fortalece o mercantilismo. Procurando aumentar os lucros da burguesia nacional, para fortalecer o poder do Estado, os governos centralizados realizaram a política mercantilista, cuja característica básica foi a intervenção governamental na economia. Podemos caracterizar o mercantilismo como uma política econômica correspondente à primeira grande fase do sistema capitalista internacional. Essa fase foi a da Revolução Comercial. Sabendo que a palavra revolução designa uma mudança profunda, podemos definir a Revolução Comercial como uma alteração relativamente rápida e em profundidade na atividade econômica como um todo e, em especial, no comércio principalmente, dentro da Europa e nas diversas partes do mundo. A política mercantilista foi aplicada nos países da Europa ocidental, apresentando algumas variações de país para país, ao lado de algumas características comuns. a) metalismo: durante o século XVI a política mercantilista baseou-se fundamentalmente no metalismo. Podemos definir o metalismo como a crença de que um país seria tanto mais rico quanto maior fosse a quantidade de metais preciosos (ouro e prata) por ele possuída. no século XVII, com base no que acontecera na Espanha, pensadores partidários do mercantilismo faziam crítica do metalismo, afirmando: não adianta um país possuir ouro e prata em abundância se não possuir uma balança comercial favorável, isto é, se não mantiver uma exportação maior que a importação; b) balança comercial favorável: para muitos dos pensadores, a importação de artigos estrangeiros deveria ser reduzida tanto quanto possível, ao mesmo tempo que se deveriam incentivar ao máximo as exportações, com a criação de uma política de bons preços. Mas o problema central da manutenção da balança de comércio favorável, em qualquer país, residia no grau de desenvolvimento que apresentasse internamente. Por exemplo, não adiantava tentar diminuir as compras no exterior através das proibições às importações pura e simplesmente, porque dessa forma incentivaria o contrabando das mercadorias proibidas; c) uma política de monopólios: visando a estabelecer controles sobre a economia e acumular capitais o mais rapidamente possível, os governos mercantilistas procuravam estabelecer nos seus respectivos países uma economia baseada em grandes unidades comerciais e industriais e para isso estabeleceram uma série de monopólios. Podemos afirmar que o mercantilismo foi uma política essencialmente monopolista. d) pacto colonial: as relações entre as colônias, especialmente americanas, e as metrópoles europeias, foram sendo regulamentadas a partir do século XVI, através de uma série de normas que acabaram por constituir a política do Pacto Colonial. Pela política do Pacto Colonial, a economia das colônias deveria existir para promover a prosperidade das metrópoles. Dessa forma a agricultura colonial não podia produzir o que era produzido em território metropolitano; da mesma forma era proibida a instalação de qualquer manufatura nos territórios coloniais. Mas era na atividade comercial que essa política mostrava o seu caráter mais opressivo: as colônias só podiam fazer comércio com as metrópoles respectivas.

Assim, as novas nações são modernas no sentido de fortalecerem o poder central, superando a estrutura política feudal caracterizada pela descentralização do poder; são também modernas por voltarem para a formação do Estado laico, desvinculando-se da tutela da Igreja. No entanto, a centralização do poder se fez de maneira irregular, dependendo das circunstâncias em cada região.

De acordo com Rezende (2001) Portugal se constitui Estado Moderno no final do século XIV, sob Dom João I, da dinastia de Avis; a precoce centralização do poder real facilita a expansão marítima decorrente da aliança feita com a burguesia mercantil e o Estado estimula pesquisas, incentiva o aperfeiçoamento náutico e promove viagens.

Na Espanha a unificação se dá no final do século XV, após a expulsão dos mouros do território espanhol. Os reis católicos, Fernando de Aragão e Isabel de Castela, estimulam a expansão marítima, e é durante esse governo que o navegador genovês Cristóvão Colombo, a serviço da Espanha, “descobre” a América.

Os reis de Espanha, para encher o tesouro real, expulsam os mouros, depois os judeus, confiscando os seus bens, e até, seguidamente, um grande número de cristãos de origem moura ou judia, supostamente mal convertidos. O tráfico com o Novo Mundo é rigorosamente monopolizado pelo Estado. A partir daí, a indústria e o comércio privados são arruinados. Os elementos evoluídos da população dirigem-se em massa para a administração ou ingressam nas ordens. A terra passa cada vez mais para as mãos da nobreza e do clero, que não se preocupam com a melhoria dos métodos de cultivo. Em 1588, a frota espanhola destinada a invadir a Inglaterra (A Armada Invencível) é destruída, e a Espanha perde a supremacia no mar. Em 1656, depois da derrota das Dunas, perde a supremacia militar em terra em proveito da França
(DENIS, 1993, p. 133).

“Quando Carlos V abdica em 1555, deixa a seu filho Filipe II um império colonial tão vasto que, segundo se diz na época, nele “o Sol nunca se põe” (SILVEIRA, 2004, p.31). Tal ditado será copiado mais tarde no século XIX, na Inglaterra, quando esta tiver um império tão vasto quanto ao da Espanha no século XVI.

Na França, Joana D´Arc é o símbolo da valorização do sentimento nacional, fazendo coroar Carlos VII em 1429, em plena Guerra dos Cem Anos contra a Inglaterra. O rei organiza o exército nacional, estabelece impostos e prepara o caminho para seus sucessores, cada vez mais fortalecidos; já no século XVI, o Estado aprimora a marinha, as companhias de comércio e as manufaturas. O absolutismo e o mercantilismo atingem o auge no século XVII com Luís XIV, o rei “Sol”.

Os recursos do país são utilizados numa larga medida por Luís XIV numa política tendente a assegurar a hegemonia da França sobre toda a Europa, política que leva a numerosas guerras. E o absolutismo do rei, o fausto da corte, não favorecem o desenvolvimento da burguesia mercantil industrial
(DENIS, 1993, p. 135).

Os Países Baixos protestantes conquistaram a sua independência dos Espanhóis em 1609. De acordo com Denis (1993), no século XVII, o capitalismo particular desenvolve-se principalmente na República das Províncias Unidas (atuais Países Baixos), formada no seguimento de uma revolta vitoriosa da burguesia das cidades contra a autoridade do rei de Espanha. “A cidade de Antuérpia pôs em prática no século XVI o sistema da igualdade absoluta entre os mercadores estrangeiros e os da cidade” (DENIS, 1993, p. 134).

Na Inglaterra, essa necessidade era ainda maior, pois como se não bastassem às lutas com a França, Irlanda e Escócia, o caos tomou conta da nação quando a guerra doméstica, (Guerra das Duas Rosas) pela Coroa entre as famílias Lancaster e York, foi desencadeada em 1455. A unidade da Inglaterra só se realizou verdadeiramente sob o reinado de Henrique VII (1485-1509). A monarquia inglesa apóia-se no Parlamento, que contém numerosos representantes da classe média.

Para desarmar o que ainda restava dos partidos nobres e dos seus bandos, os reis Tudores apóiam-se em três classes novas: a gentry, os yeoman e os comerciantes. A gentry é o conjunto de gentis-homens que vivem nas aldeias. A palavra gentleman, empregada no reinado de Isabel, está longe do significado da palavra francesa gentilhomme. Pode-se ser gentleman sem ser nobre e até possuir terra feudal. A gentry tanto inclui o descendente do cavaleiro como o rico negociante, antigo chefe de município de sua localidade, que adquire uma terra para se retirar da cidade, ou o advogado célebre, tornando-se proprietário rural; tem por limite inferior um censo territorial – as vinte libras de rendimento que, outrora, faziam um cavaleiro e que, no século XVI permitem a um proprietário ser juiz de paz. À pequena aristocracia de nascimento sucede a pequena aristocracia do dinheiro cujas funções no Estado se podem comparar às desempenhadas em França pelas classes médias no tempo de Luís Filipe; mas continua a ser uma aristocracia rural. Entre os squires que a formam e os pares do reino não há compartimentos estanques. Os herdeiros dos pares entram na Câmara dos Comuns onde se encontram em perfeita igualdade com os gentis-homens da aldeia. Também os yeomen formam uma classe rural, logo abaixo de gentry e acima do antigo vilão. Compreende (mais ou menos) os indivíduos com menos de quarenta xelins de renda exigidos para fazer parte de um júri ou para participar nas eleições do condado -, mas que não possuem as vinte libras necessárias para serem gentlemen. Não é preciso ser-se proprietário para ser yeoman. Copy holders e até rendeiros podem ser yeomen. Bacon define a classe dos yeomanry como intermediária entre os gentlemen e os camponeses, e Blackstone chama-lhes a classe dos eleitores da aldeia (a gentry era a classe dos elegíveis). Esta yeomanry que, no século XVII contará cento e sessenta mil ingleses, mais ou menos, forma a armadura do país e dos seus exércitos. Vê-se quanto a estrutura da Inglaterra é então diferente da dos Estados do Continente, em que além dos nobres poucas pessoas possuem terras. Os yeomen foram os arqueiros da guerra dos Cem Anos. Não têm medo nem do trabalho manual nem da guerra. Formam adentro da nação um elemento econômico, político e social de enorme valia e estão sempre do lado do rei porque só tem a perder quando há desordens
(MAUROIS, 1965, p.226-227).

A Renascença, portanto, é o primeiro passo na criação da cultura leiga e burguesa da Idade Moderna.

Cultura leiga é aquela preocupada, basicamente, com as coisas deste mundo, com as “coisas” do homem, em contraposição à cultura sacra, voltada basicamente para o domínio do sagrado. Quanto ao caráter burguês da cultura renascentista, podemos afirmar que foi parte do processo de ascensão econômica, social e política da classe burguesa, que procurou criar uma cultura capaz de refletir seus interesses e sua visão do mundo.

Visão esta relacionada, por exemplo, com o antropocentrismo; o homem como centro das preocupações e estudos humanos. Evidente que a visão antropocêntrica não significa a negação da existência de Deus, mas sim a confirmação de que o homem é a criação mais perfeita desse ser divino.

À medida que o “burguês” se enriquece, procurará viver o estilo de vida da nobreza, investindo em terras e casando-se com algum(a) nobre falido - para obter título e status; Quando não os conseguia através do casamento, tentava um título, alegando serviços prestados à comunidade ou ao rei, como foi o caso do pai de Shakespeare.

A decorrência do desenvolvimento comercial foi à ampliação das atividades propriamente financeiras, cada vez tornando-se mais complexas.

De início, as dificuldades provocadas pela diversidade de moedas utilizadas nas feiras exigiam a competência do cambista, capaz de efetuar as trocas a partir da equivalência de valores; estes passaram, também, a fazer empréstimos e aperfeiçoaram os instrumentos de crédito, como as letras de feira, letras de câmbio e títulos. Com isso, começava a nascer o sistema bancário.

Conforme Kiernan (1999), à época em que Shakespeare viveu, não podemos afirmar que fosse uma Inglaterra feliz: no século XVI, os níveis populacionais estavam crescendo na Europa e, entre 1500 e 1650, a população da Inglaterra deve ter aumentado de dois para cinco milhões.

Esse fator populacional criava grandes pressões sobre sociedades e economia rígidas.

O alto índice de desemprego, a existência de muitos desabrigados e a vadiagem eram evidências de quão gravemente o quadro social da Inglaterra estava desagregando-se. Havia muita migração do campo para as cidades, especialmente para Londres, cuja população, aumentava pela vinda de estrangeiros. Aproximava-se de duzentos mil em 1600, sendo imensamente maior do que a de qualquer outra cidade inglesa. Kiernan (1999, p. 18) destaca que “a penúria e a miséria lançavam uma sombra opressiva sobre o cenário no qual Shakespeare nasceu. “Mendigos robustos” ou vagabundos alarmavam a população e, em represália, eram tratados com brutalidade. “A vagabundagem e a mendicidade são ferozmente reprimidas” (DENIS, 1993, p. 91).

No aspecto religioso, a Igreja Católica passava por uma grande ruptura causada pela degradação do clero, que vivia no luxo e bem longe do povo. Esse desregramento deu origem a diversas guerras e ocasionou a Reforma Luterana, a Reforma Calvinista e a Reforma Anglicana. A Igreja Católica reagiu com a Contra-Reforma.

A Igreja Romana não pode absolutamente com o seu estilo de cristianismo, criar uma vida tolerável, absolutamente superior para a vida da humanidade em comum. E por isso nesta transição de época reinam o desespero, a perturbação, a renúncia ao antigo. Contra a Igreja pontifícia surge a reforma confessional, contra o império a instituição dos principados, contra a universidade da cristandade latina a evolução nacional das culturas particulares dos povos, contra o feudalismo agrário o espírito mercantil burguês das cidades, contra o escolasticismo dos teólogos a livre investigação científica
(VALENTIN, 1965, p.86).

De 1517 a 1563, o mundo europeu mergulhou em infindáveis guerras de religião. Foi no Concílio de Trento (1545-1563) que se pôs fim a essa questão, reconhece-se a coexistência de duas confissões: luterana e católica ou protestante e católica. O protestantismo atingiu a todas as camadas sociais.

Na França, as guerras de religião prolongaram-se até 1598. O grão-mestre da Ordem Teutônica transformou a Prússia num ducado secular; a Suécia sob a casa Wasa, separada da Dinamarca e da Noruega, adotou a Reforma, os outros países acompanharam-na.

Na Inglaterra, durante o reinado de Henrique VIII – de 1509 a 1547 – o clero, a partir de 1534, passou a prestar contas exclusivamente ao rei e não mais ao papa, criou a Igreja Anglicana independente realizando por motivos mundanos, velhas aspirações inglesas de natureza, sobretudo política.

A separação da Inglaterra da Igreja, como ficou dito, realizada pelo capricho e arbitrariedade de Henrique VIII. Antipapista a Inglaterra era havia muito e antipapista queria ela ficar sendo. Essa tendência manteve-se como a norma no futuro. Como nenhuma outra dinastia inglesa os Tudors determinaram de um modo inteiramente pessoal o destino no país. A gentry ou pequena nobreza, a burguesia, e o Parlamento mantiveram-se certamente no seu rumo, mas agiam de acordo com a vontade régia
(VALENTIN,1965, p. 329).

Conforme alguns autores, os prelados ingleses eram mais estadistas do que homens da Igreja. A Câmara dos Lordes, onde tinham assento, votou todas as reformas, sem revolta. “O alto clero estava impregnado de uma espécie de pré-anglicanismo” (MAUROIS, 1965, p. 249).

Maria Tudor, primogênita de Henrique VIII, que governou de 1553 a 1558, restabeleceu a submissão ao papa; a fogo, ferro e sangue, o protestantismo deveria ser sufocado e esmagado para os católicos ingleses.

Aqui um contragolpe com a católica Maria, seu esposo, Filipe II incluiu a Inglaterra por um par de anos como um Estado vassalo na sua grande política de Contra-Reforma. O carrasco começou a perseguir o protestantismo na Inglaterra; os trezentos mártires desse período sangrento jamais serão esquecidos, o ódio contra o catolicismo recrudescia por muito tempo ao recordá-los. A repulsa que esse fanatismo inspirava favoreceu com o decorrer do tempo os protestantes, que também moviam perseguição sangrenta contra seus adversários, mas que nunca se entregaram a semelhantes orgias de sangue
(VALENTIN, 1965, p. 330).

Para a manutenção da ordem e a busca da soberania a filha do antipapista, a rainha Elisabeth - 1558 - 1603 – restaurou o anglicanismo.

A rainha Isabel nos mostra como uma mulher pode ser complicada como criatura humana e ter simultaneamente uma grande significação como soberana, é justamente nas mulheres mais inteligentes que a feminilidade é um gravame e tem fatalmente de ceder às solicitações do sexo. A rainha herdara do avô a maneirosa, insinuante e um pouco falsa afabilidade, do pai a arrogância brutal e a predileção por tudo o que era genuinamente inglês. Ela própria julgava-se moderada e justa, mercê desse dom de auto-sugestão característico das mulheres e príncipes. Isabel era principalmente muito inteligente expressava-se admiravelmente, escolhia seus instrumentos com acerto, deixava magistralmente livre o jogo ao instinto nato e sabia representar papel heróico e viril perfeitamente em atitude, sentimentos e equanimidade, que mesmo de muito perto pareciam reais
(VALENTIN, 1965, p.331).

De acordo com alguns autores, a subida ao trono de Elisabeth foi acolhida pelo povo inglês com alegria quase unânime. Depois de tanto ter receado a tirania espanhola, que aliás nunca se fez sentir, era um alívio aclamar uma rainha liberta de laços com o estrangeiro. Desde a conquista normanda, nenhum soberano havia sido de sangue tão puramente inglês como ela.

Do ponto de vista cultural, a Europa do século XVI viveu tempo de criações artísticas marcantes.

Renascença, la rinascita, e só mais tarde renascimento, chamamos, de acordo com os contemporâneos, a grande metamorfose do espírito ocidental que primeiro se verificou na Itália como algo inteiramente italiano, mas que depois, pelo espírito de imitação e rivalidade, porém, sobretudo obedecendo a um impulso íntimo, se propagou pelos demais países; que se iniciou com elevadas aspirações e arrebatador encanto para, por fim, entibiar-se contra uma vigorosa oposição, mas ainda pela sua própria ação. Foi a princípio o renascimento do indivíduo como criatura divina afastando todo vínculo, tutela, todo amparo religioso e intercessão, para ser inteiramente ele próprio, para ditar-se sua própria norma de vida, ser seu juiz e bastar-se a si mesmo, deixando de ser membro, parcela anônima da sociedade. Desse indivíduo que se curva crente e serve, forma ele o eu livre que utiliza sua própria força, forma sua própria concepção do mundo, determina seus atos, forja sua própria felicidade, aumenta sua glória
(VALENTIN, 1965, p.87).

O Renascimento é, então, o nome que os estudiosos deram ao período, por renascerem os valores estéticos e filosóficos dos antigos gregos e latinos; seu traço marcante foi o profundo racionalismo. Tal perspectiva somente poderia ter surgido no quadro da sociedade burguesa, cujo objetivo era o domínio mais completo possível da natureza, numa atitude que seria mais tarde chamada de científica, a fim de ampliar seus lucros de mercado. O elemento chave para dominar a natureza era a matemática, decorrência imediata do desenvolvimento da mentalidade calculadora que se expressava nos livros de contabilidade e no uso dos algarismos arábicos.

Disto, resultou a convicção de que tudo podia ser explicado pela razão e ciência, e, a recusa a acreditar em qualquer coisa que não tivesse sido provada; os métodos experimentais, a observação científica e a organização racional do Estado são exemplos desse racionalismo em que a racionalização envolve a capacidade de perceber as diferenças, e de individualizar as coisas. Daí emergiu a segunda característica do Renascimento, o individualismo, que se transformou em otimismo, na medida em que ampliou a crença nas próprias potencialidades do homem.

A capacidade de individualizar, de decompor as partes levou à aguda análise e percepção da natureza, à própria descoberta da natureza: o naturalismo. É óbvio, porém, que entre as maravilhas da natureza criadas por Deus, o homem é a obra-prima da criação, por isso é preciso colocá-lo no centro das preocupações, com suas necessidades sociais, políticas, religiosas e angústias existenciais. Nasce, assim, o antropocentrismo, que nada tem a ver com ateísmo, pois considera o homem como a manifestação mais perfeita da obra de Deus.

O espírito de aventura intelectual e artística que surgiu na Itália no decorrer do século XIV e ficou conhecido como Renascença estava fundado, portanto, numa confiança resoluta nas capacidades do homem e em sua bondade essencial. Esta época estende-se do século XIV ao século XVI, quando atinge seu clímax e declina para dar lugar à idade barroca. Na leitura de Maquiavel e Hobbes, o homem, embora vivendo em sociedade, não possui o instinto natural de sociabilidade. Os homens são egoístas, hipócritas, dissimulados, invejosos, cruéis, o que torna bastante difícil estabelecer regras de convivência para evitar que os homens se destruam uns aos outros. Por isso, a instauração da ordem da sociabilidade humana – e para Maquiavel essa sociabilidade artificial exige a ação de homens especiais, capazes de promover a estabilidade.

Assim, a cultura renascentista desenvolveu-se em diversos países da Europa centro-ocidental, assumindo, em cada país, características próprias e específicas; apesar das características locais, existiram também traços comuns aos diversos países. A Renascença foi uma época de intensa produtividade nos diversos ramos da vida cultural: na literatura, nas artes plásticas, na filosofia e nas ciências, a produção foi cada vez maior. Essa produtividade de artistas, filósofos e homens de ciência resultou, em parte, de uma revolução nas comunicações, com o aparecimento da imprensa em meados do século XV; uma cultura é muito mais rica quando mais fácil se propaga, pois, dessa forma, são favorecidas as trocas de diferentes experiências culturais dos indivíduos e dos grupos humanos.

Silveira (2004) salienta que a Renascença foi assinalada por transformações de toda ordem na Europa ocidental, dando origem a uma civilização brilhante, com traços que definem nitidamente a sua originalidade com relação à civilização medieval que a precedeu. Na ordem das ideias, a civilização da Renascença veio a ser conhecida como idade do humanismo. Esse termo tem, aqui, uma conotação peculiar: indica, ao mesmo tempo, uma nova sensibilidade em face do homem e a redescoberta e exaltação da literatura clássica, sobretudo, latina, considerada a mais alta expressão dos valores preconizados pelo humanismo e o mais apto instrumento para elevar o homem à altura de sua verdadeira humanidade: homo humanus. Nesse sentido, perseguindo com ardor o ideal humanístico, os estudiosos puseram-se a redescobrir e interpretar, às vezes após séculos de olvido, as grandes realizações da Grécia e de Roma na Antiguidade.

A civilização da Renascença foi à primeira civilização do livro impresso, e essa característica influiu, decisivamente, na difusão do ideal humanista; ela viu o nascimento da filologia clássica, que irá tornar possível uma nova forma de apropriação da herança literária da Antiguidade. É num contexto de complexas influências que se forma, pois, a concepção renascentista do homem, de um lado, a tradição cristã-medieval, ainda poderosamente presente, e dando ao humanismo renascentista a fisionomia de um humanismo cristão, de outro, o ideal de humanidade, inspirado nos autores antigos, e que tentava conciliar-se, com maior ou menor êxito, com a tradição cristã. Finalmente, a nova sensibilidade surgiu no bojo de profundas transformações, nas estruturas materiais e simbólicas do mundo europeu ocidental e que, nele, desenham uma nova paisagem social, política e religiosa.

Com o Renascimento, foram sendo repudiados vários ideais de vida da Idade Média; a cavalaria medieval já estava em decadência como arma de guerra, principalmente, por causa da utilização da pólvora. A partir da Renascença, completou-se o declínio da cavalaria, como instituição social formadora do cavaleiro, tipo humano que possuía, em termos ideais, os seguintes valores: devoção a Deus e à Igreja, fidelidade ao seu senhor, respeito às damas e obrigação de defender fracos e oprimidos. A honra, o dever e as habilidades guerreiras eram as principais preocupações de um cavaleiro. No Dom Quixote de Miguel de Cervantes, obra-prima da literatura renascentista espanhola, os ideais da cavalaria apareciam como algo superado e decadente para os homens do século XVI.

O Renascimento marca uma nova postura do homem ocidental diante da natureza e do conhecimento. Este deixa de ser revelado, como resultado de uma atividade de contemplação e fé, para voltar a ser o que era antes entre gregos e romanos o resultado de uma bem conduzida atividade mental. Assim como a ciência, a arte também se volta para a realidade concreta, para o mundo terreno, numa ânsia por conhecê-lo, descrevendo-o, analisando-o, medindo-o, quer com medidas precisas, quer por meio de uma perspectiva geométrica e plana. É nesse ambiente de renovação que o pensamento científico tomará novo fôlego e, com ele, o pensamento acerca da vida social.

Num mundo que se torna cada vez mais laico e livre da tutela da Igreja Católica, o homem se sente livre para pensar e criticar a realidade que vê e vivencia; sente-se livre para analisar a realidade como algo em si mesmo e não como um castigo que Deus lhe reservou. Os filósofos passam a questionar e dissecar a realidade social, assim, a vida dos homens passa a ser fruto de suas ações e escolhas, e não dos desígnios da justiça divina.

Nessa visão humana e especulativa da vida social está o germe do pensamento moderno que vai se expressar na literatura, na pintura, na filosofia.

Conforme ressalta Silveira (2004), o principal intelectual responsável pela introdução desse novo conhecimento no norte da Europa foi Desiderius Erasmus, nascido em Rotterdam, na Holanda, por volta de 1466. Erasmo de Rotterdam escreveu tratados teológicos, crítica social e sátiras, além de fazer uma tradução pioneira para o latim do original grego do Novo Testamento. Sua obra forneceu munição para os críticos de princípios da Igreja que não tinham base nas Escrituras. Além de Roterdã, as maiores figuras do Renascimento foram Montaigne e Maquiavel. O pensador francês Michel Eyquem de Montaigne (1553 – 1592) influenciou toda a Europa com seu pensamento.

Ainda, Silveira (2004) ressalta que Montaigne expôs um ideal de felicidade que consiste na tranqüilidade da alma, na prudência, na eliminação da inquietude, no viver de acordo com a natureza mais íntima do eu. Por meio de refinadas análises psicológicas, foi um dos primeiros a mostrar o peso da condição humana e, por isso, tem sido lembrado como um precursor do existencialismo moderno. Para ele, o homem se define pelo que faz e pelo que projeta no futuro, sendo um ser “ondulante” - seus livros foram editados pela primeira vez em 1580.

Já o pensador florentino Maquiavel (1469-1527) escreve tanto na área da política como da dramaturgia. Para alguns autores, Maquiavel tornou-se o fundador da política como ciência moderna. Afastou a moral religiosa da atividade política, pois esta, segundo ele, possui uma moral que lhe é própria. “A base da teoria maquiavélica está na consideração da liberdade como um produto de conflitos” (ARAUJO, 2007, p. 131). Deliberadamente distancia-se dos tratados sistemáticos da escolástica medieval e, à semelhança dos renascentistas preocupados com fundar uma nova ciência física, rompe com o pensamento anterior, através da defesa do método de investigação empírica. Maquiavel propõe estudar a sociedade pela análise da verdade efetiva dos fatos humanos, sem perder-se em vãs especulações. “Sua teoria teve uma matéria-prima empírica e uma fundamentação ética que a tornou distinta das demais” (ARAUJO, 2007, p. 131). O objeto de suas reflexões é a realidade política, pensada como prática humana concreta, e o centro maior de seu interesse é o fenômeno do poder, formalizado na instituição do Estado. Não se trata de estudar o tipo ideal de Estado, mas compreender como as organizações políticas se fundam, se desenvolvem, persistem e decaem. Embora não tenha sido compreendido pela maioria a princípio – e nem hoje é tão bem compreendido - mudou toda a concepção da arte de governar. A política faz brilhar as prerrogativas de uma ação calculada que visa conduzir o povo, graças às contradições deste último. Ela não repousa de forma nenhuma sobre um consentimento. Visto que a unidade do corpo político não está dada, é a ação política que a realiza. Ela desenvolve-se por ocasião do desentendimento dos homens caracterizados como átomos egoístas sobre cujas relações de interesse o príncipe pode/deve agir. A verdade do poder e do Estado exprime-se numa lógica estratégica em situação de contingência radical. “Maquiavel reuniu um imenso conhecimento sobre a História e sobre os pensadores clássicos à sua experiência na vida pública, para teorizar a política como técnica e inaugurar a política moderna” (ARAUJO, 2007, p. 131).

Já o Renascimento na Inglaterra chegou com vagar.

No renascimento inglês, em seu poder e em suas limitações, vemos o que parece ser a versão mais estranha do movimento. Não houve pintura nem escultura; os esforços para criar escolas inglesas de ambas as partes nos séculos XV e XVI tiveram pequeno êxito, e as de mérito que restam pertencem à escola de Holbein, ou à de Torrigiani, escultor italiano, ou alguma outra influência estrangeira, ao passo que o renascimento da arquitetura, inspirado por Luigo Jones, começou no reinado de James I. Por outro lado, os ingleses podiam vangloriar-se de uma poesia, de um drama, de uma prosa não rivalizados por nação alguma, então ou mais tarde – de um esplendor e de uma fertilidade súbita que só pode ser comparada à eclosão da arte na Itália. Na Inglaterra do século XVI os nomes dos escritores que perduraram fazem um volume tão grosso quanto o dos nomes dos pintores e escritores do Cinquecento. No setor da música, também, grandes coisas foram feitas. Nunca, antes ou depois, a Inglaterra deu ao mundo tantos compositores. Os destinos da música estavam naquele tempo intimamente ligados aos da poesia. Dowland, Morley, Orlando Gibbons, Weelks, Wilbye criaram o madrigal, assim como os poetas elisabetanos evocavam o soneto. Byrd, Tallis e John Bull emprestaram seu brilho à música sacra. Vinte compositores colaboraram na realização de The Triumphs of Oriana uma coleção de canções. E de parte sua própria arte, eles deveram ter uma influência surpreendente no verso: sugeriram metros, talvez mesmo temas; inspiraram e em troca foram inspirados pelos mestres da lírica que os rodeavam
(SICHEL, 1972, p. 122-123).

A glória dos músicos ingleses é inferior ao sucesso inglês conquistado com a literatura. Dos escritores daquele período considerado os anos dourados poetas, dramaturgos, prosadistas, teólogos muitos, transcendendo qualquer época, pertencem a todos os tempos.

Esses grandes homens trouxeram nova riqueza para a literatura da Inglaterra; criaram o soneto inglês, a canção inglesa e o drama inglês. Sir Thomas Wyat (1503-1542) e o Conde de Surrey (1517-1547) trouxeram o soneto petrarquiano da Itália e deram forma à poesia lírica inglesa, construindo um patrimônio duradouro.

De acordo com Sichel (1972), no drama, não país que se rivalize com o inglês, embora a Inglaterra tenha moldado de acordo com suas necessidades os modelos renascentistas que vieram da Itália e da França.

O drama inglês ganhou forma e vida, extraídas pelos autores elisabetanos da confusão do esquema nos autos da devoção e de moralidade, bem como interlúdios e adaptações de Sêneca e Plauto, executados e desempenhados nos salões dos grandes senhores ou para maiores públicos em estrados improvisados e pátios de estalagens
(WOADWARD, 1964, p. 111).

O verdadeiro crescimento literário inglês está muito ligado ao desenvolvimento da capacidade emocional do artista que capta novas formas de beleza. Os elisabetanos entendem que a vida é maior que a arte, e que a arte só pode viver enquanto interprete a vida. Para eles, a arte era o acompanhamento, não a interpretação da vida.

Na Inglaterra, concilia arte e a fé, a beleza e a religião. A poesia da Inglaterra elisabetana é profundamente religiosa, como afirma Sichel (1972). Para Sichel (1972), a poesia amorosa inglesa é a mais rica da Europa moderna, “mas ela é cheia de uma força espiritual que lhe dá peso; de sentimento, que é a religião do coração” (SICHEL, 1972, p. 129).

E uma proliferação espontânea de gêneros literários no Renascimento inglês: soneto, lírica, hino, narrativa dramática, comédia, tragédia, canção dramática. Todas carregadas de sentimento, energia dramática e força lírica.

Na Inglaterra o movimento não conheceu a decadência; como na Alemanha, imergiu na questão religiosa e foi conduzido diretamente para a luta pela liberdade cívica. Não houve estagnação, nem processo de degenerescência. Muito diferente foi na França e na Itália. Os últimos Médici foram déspotas corruptos, os últimos Valois, loucos corruptos envoltos em decadência; todos foram igualmente enredados em intrigas mesquinhas e incapazes de uma política mais séria. No entanto em cada nação o Renascimento subsistiu assim como a juventude subsiste em cada um de nós – para renovar o espírito, para recordar, estimular, inspirar. O Renascimento foi a nascente da revivificação; nessa fonte podemos beber ainda hoje
(SICHEL, 1974, p. 133).

E, sem dúvida, Shakespeare ergue-se como o maior talento e estrela da era elisabetana e do Renascimento inglês."

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Fonte:
José Renato Ferraz da Silveira: "William Shakespeare e a teoria dos Dois Corpos do Rei: a tragédia de Ricardo II". (Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Ciências Sociais, Política, sob a orientação do Prof. Doutor Miguel Wady Chaia. São Paulo , 2009.

Nota
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A imagem inserida no texto não se inclui na referida tese.
As notas e referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.
O texto postado é apenas um dos muitos tópicos abordados no referido trabalho.
Para uma compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da tese em sua totalidade.
Disponível digitalmente no site: Domínio Público

Um comentário:

  1. Não gostei parece que você pegou um texto da wikipedia e fez ctrl c e ctrl v aqui

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