Por: Iba Mendes (2001)
Análise do poema: “UM SONHO”
Um Sonho
Na messe, que enlourece, estremece a quermesse...
O sol, o celestial girassol, esmorece...
E as cantilenas de serenos sons amenos
Fogem fluidas, fluindo à fina flor dos fenos...
As estrelas em seus halos
Brilham com brilhos sinistros...
Cornamusas e crotalos,
Cítolas, cítaras, sistros,
Soam suaves, sonolentos,
Sonolentos e suaves,
Em suaves,
Suaves, lentos lamentos
De acentos
Graves,
Suaves.
Flor! enquanto na messe estremece a quermesse
E o sol, o celestial girassol esmorece,
Deixemos estes sons tão serenos e amenos,
Fujamos, Flor! à flor destes floridos fenos...
Soam vesperais as Vésperas...
Uns com brilhos de alabastros,
Outros louros como nêsperas,
No céu pardo ardem os astros...
Como aqui se está bem! Além freme a quermesse...
– Não sentes um gemer dolente que esmorece?
São os amantes delirantes que em amenos
Beijos se beijam, Flor! à flor dos frescos fenos...
As estrelas em seus halos
Brilham com brilhos sinistros...
Cornamusas e crotalos,
Cítólas, cítaras, sistros,
Soam suaves, sonolentos,
Sonolentos e suaves,
Em suaves,
Suaves, lentos lamentos
De acentos
Graves,
Suaves...
Esmaece na messe o rumor da quermesse...
– Não ouves este ai que esmaece e esmorece?
É um noivo a quem fugiu a Flor de olhos amenos,
E chora a sua morta, absorto, à flor dos fenos...
Soam vesperais as Vésperas...
Uns com brilhos de alabastros,
Outros louros como nêsperas,
No céu pardo ardem os astros...
Penumbra de veludo. Esmorece a quermesse...
Sob o meu braço lasso o meu Lírio esmorece...
Beijo-lhe os boreais belos lábios amenos,
Beijo que freme e foge à flor dos flóreos fenos...
As estrelas em seus halos
Brilham com brilhos sinistros...
Cornamusas e crotalos,
Cítolas, cítaras, sistros,
Soam suaves, sonolentos,
Sonolentos e suaves,
Em suaves,
Suaves, lentos lamentos
De acentos
Graves,
Suaves...
Teus lábios de cinábrio, entreabre-os! Da quermesse
O rumor amolece, esmaiece, esmorece...
Dá-me que eu beije os teus' morenos e amenos
Peitos! Rolemos, Flor! à flor dos flóreos fenos...
Soam vesperais as Vésperas...
Uns com brilhos de alabastros,
Outros louros como nêsperas,
No céu pardo ardem os astros...
Ah! não resistas mais a meus ais! Da quermesse
O atroador clangor, o rumor esmorece...
Rolemos, b morena! em contatos amenos!
– Vibram três tiros à florida flor dos fenos...
As estrelas em seus halos
Brilham com brilhos sinistros...
Cornamusas e crotalos,
Citolas, cítaras, sistros,
Soam suaves, sonolentos,
Sonolentos e suaves,
Em suaves,
Suaves, lentos lamentos
De acentos
Graves,
Suaves...
Três da manhã. Desperto incerto... E essa quermesse?
E a Flor que sonho? e o sonho? Ah! tudo isso esmorece!
No meu quarto uma luz luz com lumes amenos,
Chora o vento lá fora, à flor dos flóreos fenos...
O SIMBOLISMO
Os “mistérios” da realidade não podem ser explicados pelo positivismo ou pelo materialismo: ela (a realidade) não é descrita, mas sugerida. A obra total (l’art pour l’art) deve resistir ao desenvolvimento da técnica. Como afirmou Walter Benjamin: “Os ritos de consagração com que a arte é celebrada são o contrapeso da dispersão que caracteriza a mercadoria”. O Simbolismo é, grosso modo, uma reação contra o objetivismo que conduziu a geração realista. O subjetivismo e a introspecção são imprescindíveis ao novo movimento literário iniciado em Portugal em 1890, com a obra Oaristo, de Eugênio de Castro.
O POETA
Eugênio de Castro é, predominantemente, um “artesão” de imagens. Na sua concepção, todas as impressões e todos os reflexos do universo e da própria vida podem ser transformadosem Arte. Para ele, as imagens são vivas, podem sem vistas e sentidas ao mesmo tempo. Embora a tristeza e o pessimismo sejam observados nos seus sonetos e em outras poesias de características amorosas, logo são transformados em pérolas. Como afirmou um desconhecido: “Se sofre, não nos deixa ver crispações violentas, não nos deixa ouvir gritos estrangulados, nem gemidos arquejantes. Assistiremos antes a cortejos de imagens melancólicas de onde apenas se erguem suspiros musicais, acompanhados de atitudes e gestos majestosamente ou graciosamente escandidos. Não fará da lamentação individual, da desvendada confissão das lástimas e das fraquezas próprias o fim ou o interesse capital da sua arte”.
O POEMA
O poema UM SONHO, embora haja quem duvide, pode ser considerado uma espécie de síntese do Simbolismo. Nele são observadas, se não todas, pelos menos as principais características dessa vertente literária:
A tentativa de representação e captação dos aspectos fluidos, densos e vagos da realidade; é a questão do significante e do significado. “O Sol, o celestial girassol, esmorece” dando lugar às estrelas que “brilham com brilhos sinistros”. Se o Sol é o símbolo do dia, e às estrelas é símbolo da noite, há de se concluir que o momento em que ocorre o sonho é o entardecer. Ainda na primeira estrofe, observa-se a predominância de termos relacionados às cores, como por exemplo, a cor amarela em: Messe, enlourece, girassol, sol. O verbo fugir indica a efemeridade das cantilenas (cantiga suave), e o adjetivo fluidas reforçam essa idéia. Também aqui é mostrado outra característica do Simbolismo, que é a predileção por momentos nos quais a luz torna o contorno das coisas menos visível.
A musicalidade é óbvia nesse poema. Aliás, não só nesse poema, mas em todos os poemas simbolistas, cujo lema é “a música antes de tudo”. A aliteração tão comum entres os escritores simbolistas, pode ser observado com clareza aqui: “Fogem fluidas, fluindo à fina flor dos fenos...”. Nota-se também a presença proposital do eco: “Na messe, que enlourece, estremece a quermesse...”. É bom ressaltar que, ao fazer uso desses recursos, o escritor reforça a musicalidade dos versos.
O enfoque espiritualista da mulher, envolvendo-a num clima de sonho em que predomina o vago, o impreciso e o etéreo, também aparece nesse poema. A mulher que habita o sonho do poeta é uma flor: “Fogem fluidas, fluindo à fina flor dos fenos...(..) Deixemos estes sons tam serenos e amenos, Fujamos, Flor! à flor desses floridos feno...”.
As características essenciais do Simbolismo são aqui descritas com nitidez: tentativa de aproximar poesia e música; evocação de elementos litúrgicos; retrato fiel da realidade; presença do vago, oculto, onírico (do sonho), do concreto e do real; predomínio da sugestão em vez da nomeação das coisas; e, finalmente, vocabulário relacionado a nomes de cores e sensações auditivas. Há aqui, o que afirma Bárbara Spaggiari: “A alma do poeta é como o espelho em que se reflete a aparência superficial das coisas; a tarefa da poesia é evocar a realidade, não só reproduzindo-lhe a beleza exterior mas também captando a trama densa de relações que liga cada parte do universo ao todo”.
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BIBLIOGRAFIA CRÍTICA
1. BENJAMIN, Walter. “Paris. Capital do século XIX”. In: Sociologia. São Paulo, Ática, 1985.
2. SPAGGIARI, Bárbara. “A poética de Pessanha”. O Simbolismo na obra de Camilo Pessanha. Ministério da Educação e das Universidades, Lisboa, 1982.
3. MOISÉS, Massaud. A Literatura Portuguesa. Editora Culturix. São Paulo.
4. SOARES, Antônio. Presença da Literatura Portuguesa: Simbolismo. Difel, São Paulo, 1969.
BIBLIOGRAFIA LITERÁRIA
CASTRO, Eugênio de. Poesias Escolhidas. Livraria Aillaud e Cia. Paris - Lisboa, 1902.
Um Sonho
Na messe, que enlourece, estremece a quermesse...
O sol, o celestial girassol, esmorece...
E as cantilenas de serenos sons amenos
Fogem fluidas, fluindo à fina flor dos fenos...
As estrelas em seus halos
Brilham com brilhos sinistros...
Cornamusas e crotalos,
Cítolas, cítaras, sistros,
Soam suaves, sonolentos,
Sonolentos e suaves,
Em suaves,
Suaves, lentos lamentos
De acentos
Graves,
Suaves.
Flor! enquanto na messe estremece a quermesse
E o sol, o celestial girassol esmorece,
Deixemos estes sons tão serenos e amenos,
Fujamos, Flor! à flor destes floridos fenos...
Soam vesperais as Vésperas...
Uns com brilhos de alabastros,
Outros louros como nêsperas,
No céu pardo ardem os astros...
Como aqui se está bem! Além freme a quermesse...
– Não sentes um gemer dolente que esmorece?
São os amantes delirantes que em amenos
Beijos se beijam, Flor! à flor dos frescos fenos...
As estrelas em seus halos
Brilham com brilhos sinistros...
Cornamusas e crotalos,
Cítólas, cítaras, sistros,
Soam suaves, sonolentos,
Sonolentos e suaves,
Em suaves,
Suaves, lentos lamentos
De acentos
Graves,
Suaves...
Esmaece na messe o rumor da quermesse...
– Não ouves este ai que esmaece e esmorece?
É um noivo a quem fugiu a Flor de olhos amenos,
E chora a sua morta, absorto, à flor dos fenos...
Soam vesperais as Vésperas...
Uns com brilhos de alabastros,
Outros louros como nêsperas,
No céu pardo ardem os astros...
Penumbra de veludo. Esmorece a quermesse...
Sob o meu braço lasso o meu Lírio esmorece...
Beijo-lhe os boreais belos lábios amenos,
Beijo que freme e foge à flor dos flóreos fenos...
As estrelas em seus halos
Brilham com brilhos sinistros...
Cornamusas e crotalos,
Cítolas, cítaras, sistros,
Soam suaves, sonolentos,
Sonolentos e suaves,
Em suaves,
Suaves, lentos lamentos
De acentos
Graves,
Suaves...
Teus lábios de cinábrio, entreabre-os! Da quermesse
O rumor amolece, esmaiece, esmorece...
Dá-me que eu beije os teus' morenos e amenos
Peitos! Rolemos, Flor! à flor dos flóreos fenos...
Soam vesperais as Vésperas...
Uns com brilhos de alabastros,
Outros louros como nêsperas,
No céu pardo ardem os astros...
Ah! não resistas mais a meus ais! Da quermesse
O atroador clangor, o rumor esmorece...
Rolemos, b morena! em contatos amenos!
– Vibram três tiros à florida flor dos fenos...
As estrelas em seus halos
Brilham com brilhos sinistros...
Cornamusas e crotalos,
Citolas, cítaras, sistros,
Soam suaves, sonolentos,
Sonolentos e suaves,
Em suaves,
Suaves, lentos lamentos
De acentos
Graves,
Suaves...
Três da manhã. Desperto incerto... E essa quermesse?
E a Flor que sonho? e o sonho? Ah! tudo isso esmorece!
No meu quarto uma luz luz com lumes amenos,
Chora o vento lá fora, à flor dos flóreos fenos...
O SIMBOLISMO
Os “mistérios” da realidade não podem ser explicados pelo positivismo ou pelo materialismo: ela (a realidade) não é descrita, mas sugerida. A obra total (l’art pour l’art) deve resistir ao desenvolvimento da técnica. Como afirmou Walter Benjamin: “Os ritos de consagração com que a arte é celebrada são o contrapeso da dispersão que caracteriza a mercadoria”. O Simbolismo é, grosso modo, uma reação contra o objetivismo que conduziu a geração realista. O subjetivismo e a introspecção são imprescindíveis ao novo movimento literário iniciado em Portugal em 1890, com a obra Oaristo, de Eugênio de Castro.
O POETA
Eugênio de Castro é, predominantemente, um “artesão” de imagens. Na sua concepção, todas as impressões e todos os reflexos do universo e da própria vida podem ser transformados
O POEMA
O poema UM SONHO, embora haja quem duvide, pode ser considerado uma espécie de síntese do Simbolismo. Nele são observadas, se não todas, pelos menos as principais características dessa vertente literária:
A tentativa de representação e captação dos aspectos fluidos, densos e vagos da realidade; é a questão do significante e do significado. “O Sol, o celestial girassol, esmorece” dando lugar às estrelas que “brilham com brilhos sinistros”. Se o Sol é o símbolo do dia, e às estrelas é símbolo da noite, há de se concluir que o momento em que ocorre o sonho é o entardecer. Ainda na primeira estrofe, observa-se a predominância de termos relacionados às cores, como por exemplo, a cor amarela em: Messe, enlourece, girassol, sol. O verbo fugir indica a efemeridade das cantilenas (cantiga suave), e o adjetivo fluidas reforçam essa idéia. Também aqui é mostrado outra característica do Simbolismo, que é a predileção por momentos nos quais a luz torna o contorno das coisas menos visível.
A musicalidade é óbvia nesse poema. Aliás, não só nesse poema, mas em todos os poemas simbolistas, cujo lema é “a música antes de tudo”. A aliteração tão comum entres os escritores simbolistas, pode ser observado com clareza aqui: “Fogem fluidas, fluindo à fina flor dos fenos...”. Nota-se também a presença proposital do eco: “Na messe, que enlourece, estremece a quermesse...”. É bom ressaltar que, ao fazer uso desses recursos, o escritor reforça a musicalidade dos versos.
O enfoque espiritualista da mulher, envolvendo-a num clima de sonho em que predomina o vago, o impreciso e o etéreo, também aparece nesse poema. A mulher que habita o sonho do poeta é uma flor: “Fogem fluidas, fluindo à fina flor dos fenos...(..) Deixemos estes sons tam serenos e amenos, Fujamos, Flor! à flor desses floridos feno...”.
As características essenciais do Simbolismo são aqui descritas com nitidez: tentativa de aproximar poesia e música; evocação de elementos litúrgicos; retrato fiel da realidade; presença do vago, oculto, onírico (do sonho), do concreto e do real; predomínio da sugestão em vez da nomeação das coisas; e, finalmente, vocabulário relacionado a nomes de cores e sensações auditivas. Há aqui, o que afirma Bárbara Spaggiari: “A alma do poeta é como o espelho em que se reflete a aparência superficial das coisas; a tarefa da poesia é evocar a realidade, não só reproduzindo-lhe a beleza exterior mas também captando a trama densa de relações que liga cada parte do universo ao todo”.
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BIBLIOGRAFIA CRÍTICA
1. BENJAMIN, Walter. “Paris. Capital do século XIX”. In: Sociologia. São Paulo, Ática, 1985.
2. SPAGGIARI, Bárbara. “A poética de Pessanha”. O Simbolismo na obra de Camilo Pessanha. Ministério da Educação e das Universidades, Lisboa, 1982.
3. MOISÉS, Massaud. A Literatura Portuguesa. Editora Culturix. São Paulo.
4. SOARES, Antônio. Presença da Literatura Portuguesa: Simbolismo. Difel, São Paulo, 1969.
BIBLIOGRAFIA LITERÁRIA
CASTRO, Eugênio de. Poesias Escolhidas. Livraria Aillaud e Cia. Paris - Lisboa, 1902.
Muito boa análise. Simples e clara.
ResponderExcluirMuito bom obrigado
ResponderExcluirPerfeita sua análise! Bem objetiva e prática.
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