Machado de Assis por seus contemporâneos: João do Rio



JOÃO DO RIO (1881-1921)
João do Rio, pseudônimo de Paulo Barreto, nasceu no Rio de Janeiro, em 5 de agosto de 1881, vindo a falecer na mesma cidade em 23 de junho de 1921. Foi jornalista, cronista, contista e teatrólogo. Em sua Biografia publicada no site da Academia Brasileira de Letras, consta que: “Nos diversos jornais em que trabalhou, granjeou enorme popularidade, sagrando-se como o maior jornalista de seu tempo. Usou vários pseudônimos, além de João do Rio, destacando-se: Claude, Caran d’ache, Joe, José Antônio José. Como homem de letras, deixou obras de valor, sobretudo como cronista. Foi o criador da crônica social moderna. Como teatrólogo, teve grande êxito a sua peça A bela madame Vargas, representada pela primeira vez em 22 de outubro de 1912, no Teatro Municipal.”

João do Rio também teceu comentários sobre o nosso grande Machado de Assis. Vejamos...



Ilustração publicada na revista "Fon-Fon", edição de 3 de outubro de 1908, uma homenagem ao genial escritor brasileiro: Machado de Assis.

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Machado de Assis

Naturalmente, a ausência de certos nomes notáveis num inquérito, que procurava as respostas dos corifeus dos espíritos brasileiros, poderá parecer estranha. Talvez o seja, mas, como todas as coisas verdadeiramente estranhas, é perfeitamente explicável. Há nomes que deviam aqui estar, mas que não estão porque a isso se opuseram uma sensibilidade grande, a vaidade doentia, a noção de responsabilidades graves e principalmente talvez a balbúrdia das idéias. A sensibilidade grande é a do ilustre mestre Machado de Assis.

Quando fui pessoalmente levar-lhe o inquérito, o admirável escritor recebeu me com um acesso de gentilezas, que nele escondem sempre uma pequena perturbação.

— Um inquérito? Pois não: às suas ordens, com todo o gosto.
Passaram-se os dias. Voltei à carga.
— Francamente, disse-me o autor do Brás Cubas, o assunto é grave, é muito grave. Mas eu respondo, respondo quando tiver ânimo para escrever.
Logo os amigos e admiradores do mestre disseram-me:
— Perdes o tempo, o Machado não responde...

Resolvi então cultivar a relação preciosa em bocados de palestra, ouvidos nos balcões do Garnier, por onde todos os dias passa o glorioso escritor. Soube assim que o Brás Cubas fora ditado, durante uma moléstia de olhos de Machado, à sua cara esposa; que o humorista incomparável da "Teoria do Medalhão" tem uma vida de uma regularidade cronométrica, que as suas noites passa-as a tentar o sono...

Espírito de tamanho fulgor tem, entretanto, a nevrose de se incomodar e sofrer com os pequenos nadas da existência. Se por esquecimento deixa de cumprimentar um homem, perde-se em conjecturas. Que irá pensar o homem? Que dirá dele? Nesse período, uma vez, o grande mestre chegou à livraria nervosíssimo. E contou por quê. Fora à secretaria um cavalheiro pedir-lhe qualquer coisa. Não o satisfizera e estava incomodado com isso quando passou o contínuo com a bandeja do café. Aceita uma xícara? Se me fizer companhia! — Ora eu não tomo café; mas já tinha recusado ao homem uma coisa e achei que seria demais não o acompanhar. Tomei a xícara e estou com dores de cabeça...

Do inquérito cheguei a saber que Machado de Assis tem como livros de cabeceira o Hamlet e o Prometeu, que acha as predileções passageiras como o próprio homem, e respeita a mocidade olhando-lhe as extravagâncias com um pasmo sincero.

Mas, por fim, o mestre incontestável percebeu que eu o acompanhava para lhe arrancar frases e tornou seco um pedaço de intimidade nascente entre o meu louvor e a sua bonomia.

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Fonte
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Fragmento extraído de RIO, João do. O momento literário. Rio de Janeiro: H. Garnier, 1905,
disponível digitalmente no site da Biblioteca Nacional Digital do Brasil
Imagem também disponível na BNDB

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