“Os sertões retratam a presença da natureza como a verdadeira protagonista. Um sertão desconhecido, mas que é quase do tamanho do Brasil.” (LIMA, 1998)
Sertão foi um tema muito estudado e debatido por diversos ramos da intelectualidade brasileira. E, nesta trabalho, ele é o grande elemento espacial que vem construir a representação de Nordeste suassuniana. Ao ler o romance, que escolhi como a parte empírica deste trabalho, ficou muito claro como o sertão é um elemento definidor da trama. Além disso, reflexo da temática do pensamento do escritor. Assim, apesar da grande diversidade de significados que o tema “Sertão” pode adquirir, escolhi aqui fazer uma breve apresentação do que, no meu entendimento, seria a visão de sertão de Suassuna, o escritor que venho trabalhando ao longo desta pesquisa.
Os modos de representação variam intensamente quando se trata da discussão sobre o que significaria de fato o sertão brasileiro, e no nosso caso, uma maior ênfase para este recorte na região Nordeste. A valorização positiva ou negativa do homem e vida no interior, desde a afirmação de elementos como força, autenticidade, originalidade e comunhão com a natureza, ou a constatação da ausência disso, esboça o retrato ou o estereótipo do homem sertanejo brasileiro.
Diversos foram os estudos sobre o sertão brasileiro, mas é importante frisar que nos concentraremos em apresentar a visão deste na Literatura e principalmente no entendimento do que ele significaria
Acompanhando o raciocinio de Lima (1998), segundo a maior parte das obras literárias o espaço domina os tipos humanos. E, no caso de Suassuna, este domínio é encarado com um traço de bom humor, erotismo, esperança e tendências sobrenaturais e sagradas. O sertão possui a natureza como grande protagonista e isso acaba acumulando uma atenção bastante considerável. O sertanejo muitas vezes foi visto como o símbolo da brasilidade.
Em primeiro lugar é preciso analisar qual seria o sentido e a etimologia da palavra sertão, para, a partir desta, elaborar as questões sobre o tema. Lima (1998), faz considerações interessantes sobre a definição de sertão:
De acordo com estudos etimológicos, a palavra seria oriunda de desertão; seu sentido encontra-se, segundo dicionários da língua portuguesa dos séculos XVIII e XIX, em uma dupla idéia – a espacial de interior e a social de deserto, região pouco povoada. Este sentido é reafirmado por Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, que define sertão como: 1- região agreste, distante das povoações ou das terras cultivadas; 2- terreno coberto de mato, longe do litoral; 3- interior pouco povado.
Ao analisar a etimologia da palavra “sertão”, com estas breves definições, a primeira característica do imaginário acerca do termo vai se esboçando: seu sentido transcende o de uma delimitação espacial precisa. Ainda se pode enxergar o sertão a partir de constrastes: com o litoral civilizado e a região colonial outrora estabelecida no território brasileiro, o espaço preenchido pelo colonizador, o estrangeiro. Algumas visões ficaram marcadas como mais presentes no senso comum sobre o que significaria o sertão. Em primeiro lugar ele compreenderia as áreas despovoadas do interior do Brasil, depois corresponderia à área da região semi-árida do Nordeste e ainda se aproximando da civilização do couro.(LIMA, 1998, p. 58). Em Suassuna, há uma grande simbiose dessas três visões de sertão e também do povo que habita estes espaços, sendo o sertanejo.
A visão de sertão como área despovoada acaba por criar o mito do “vazio do sertão”. Em Suassuna, esta é a que menos aparece, e este vazio compreenderia muito mais as ausências sociais e de recursos que, mesmo encaradas por ele postivamente, não deixam de existir nesta região. Para Lima (1998), uma das perspectivas do mito do sertão enquanto espaço vazio, encobriria a natureza de um mundo que experimentava as conseqüências do isolamento físico e social, uma espécie de rebelião permanente como marca constitutiva da resistência cultural e étnica do país. Para Suassuna por sua vez, esta é uma questão interessante, constantemente abordada em sua obra, a busca desta brasilidade neste que ele considera como Brasil real, aquele que resiste às tendências homogeneizantes dos valores estrangeiros. O sertão seria, pois, na visão de Suassuna, um espaço simbólico de divisas geográficas pouco definidas, representado como o lugar onde se desenvolveria o mais típico da identidade nacional.
Outra maneira consagrada de se retratar e analisar o sertão foi a partir do dualismo “litoral X sertão”. Este dualismo, no entanto, obteve características de ambivalência, em que o sentido positivo/negativo ou atraso/moderno, entre tantos outros pares dicotômicos, alternou-se para estes dois extremos da dualidade. Veja o que Lima (1998) comenta sobre o assunto:
O dualismo sertão/litoral apresenta duas faces. Numa delas, o pólo negativo é representado pelo sertão – identificado com a resistência ao moderno e à civilização. Na outra, o sinal se inverte: o litoral é apresentado como sinônimo de inautenticidade, enquanto antítese da nação. Em muitos autores, entre os quais a posição de Euclides da Cunha é exemplar, a ambivalência consiste na principal característica da representação que se constroem sobre o país e seus contrastes.
A idéia de construir o sertão a partir do litoral marcou o pensamento social brasileiro, basta pesquisar um pouco do assunto em autores que discutem o tema do projeto de nação do país. As perspectivas que valorizam positivamente ou abordam de forma ambivalente aquele que é visto comumente como o pólo do atraso e da resistência ao progresso, vêem o sertão como a possibilidade do desenvolvimento de uma autêntica consciência nacional. (LIMA, 1998, p. 61). E, Suassuna, definitivamente, enxerga o sertão com este papel de autenticidade. O sertanejo representaria o símbolo da brasilidade. Contudo, é importante ressaltar, que a valorização positiva do sertão não foi construída com um imaginário formado apenas por elementos positivos. As tensões e ambiguidades desta construção do sertão como essência da nacionalidade também são levadas em consideração, não só em Suassuna, como em outras obras literárias que enxergam o sertão a partir deste viés, senão, onde ficariam os conflitos presentes em todos os romances regionalistas que abordam o tema?
Outra representação de sertão pode ser associada ao abandono e às doenças. A identificação do sertão como abandono representa uma releitura interessante para o tema do isolamento do sertanejo. Falar em abandono significa constatar uma atitude de desprezo das elites políticas e intelectuais pela vida do homem do interior (LIMA, 1998, p. 109). Na minha leitura, Suassuna retrata este abandono com uma outra questão interessante: o messianismo. Ao visualisar esta situação de abandono e ausências para o sertão, ele cria o rito do “salvacionismo”. O sertão estaria designado à ser salvo pelo seu messias, o verdadeiro representante do povo sertanejo. Com isso, entendemos a importância que ele transmite ao messianismo, que viria para resolver os problemas do sertão, entre eles o abandono, e tudo isso com uma influência do divino e do sagrado. Assim, o povo de condição de abandono, estaria sendo salvo. Entretanto, é importante ressaltar, que o povo sertanejo não é completamente homogêneo. Este isolamento seria relativo, uma vez que dependeria da variação deste contato estimulado com os núcleos urbanos.
Outra questão importante sobre a representação do sertão é o tema racial, que é bastante presente na sociedade. Negros, índios e portugueses, - e outras levas de imigrantes que aportaram no território brasileiro - além da miscigenação em torno destas etnias, estariam no cerne da face do povo brasileiro e sertanejo. Lima (1998) apresenta uma classificação interessante em zonas:
Haveria a zona do caboclo, formada por Mato Grosso, Amazonas, Pará e o norte de Goiás. Os estados do Nordeste até as vizinhanças da foz do São Francisco costituíam a Zona da influência africana: Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia, Minas, sul de Goiás, Espírito Santo, Rio de Janeiro, norte de São Paulo. A Zona de influência Européia compunha a fita litorânea e os estados do sul. Por mais criticável que seja essa divisão, inclusive pela sua dificuldade de situar a forte miscigenação, ela é significativa.
Com a miscigenação, é fato que muitos constataram os problemas nacionais sendo determinados por questões raciais, atreladas também à localização destes povos no sertão. No entanto, o grande problema se encontra na educação dos que no sertão estão, sendo claros ou escuros. Daí, aparece a força influenciadora de quem foi o colonizador. E a zona do sertanejo, nada mais seria, um intermediário forçado entre os antigos e os futuros colonizadores do interior (LIMA, 1998, p. 128).
Suassuna vai levantar uma outra questão interessante que ele critica bastante que é o cosmopolitismo. Quanto maior for a miscigenação, maior será o contato entre diferentes culturas e costumes. No entanto, geralmente aqueles que acabam se prevalecendo são os da cultura dominadora e de tendências homogeneizantes. Analisando o pensamento deSuassuna, o verdadeiro espírito da cultura do povo brasileiro/sertanejo está em resistir com as suas raízes formadoras do negro, do indígena e do medievalismo português, valores muito presentes em suas obras e no romance aqui estudado.
Em muitas abordagens sobre o sertão, o aspecto mais valorizado do sertanejo acaba sendo a relação deste com a natureza. Esta relação é difícil de captar, descrever, interpretar, especialmente quando se trata de um analista de uma outra cultura. No entanto, não é difícil constatar esta característica. Uma grande contribuição ao associar esta relação do sertanejo com a natureza com a formação da nacionalidade é dada por Lima (1998):
[...] a associação entre o sertanejo e a formação da nacionalidade repousaria no encadeamento entre homem e ambiente pois seu tipo sublimou-se nessa completa adaptação às condições ecológicas: ele é um forte, um verdadeiro tipo de raça brasileira.
Esta afirmativa nos leva a considerar o fato de que o homem brasileiro se torna mais identificado como tal à medida que mais adentra ao interior, onde esta relação com a natureza prevalece, onde a urbanização ainda não é preponderante.Para Suassuna, o sertão é o palco para esta relação profunda entre homem e natureza e por conseguinte a resistência. Em seu romance, esta relação ainda pode ser lida como voltada para o sobrenatural.
De espaço geográfico a lugar simbólico de intenso apelo emocional é fato que há várias versões de representação do sertão. No caso de Suassuna, toda esta perspectiva além das características já abordadas, se insere num contexto positivo e de muita esperança. Suassuna não opta por elaborar a rudeza que o sertão carrega em si, seja pela sua aridez física ou pelas suas peculiaridades de ausência social, mas sim em encarar estas propriedades em desafios a serem ultrapassados pelo seu povo com luta, fé e muita esperança."
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Fonte:
NATALLYE LOPES SANTOS OLIVEIRA: “REPRESENTAÇÃO ESPACIAL DE NORDESTE: O OLHAR ARMORIAL DE ARIANO SUASSUNA”. (Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação de Geografia da Universidade Federal Fluminense. Orientador: Prof. Dr. Ruy Moreira). Niterói, 2008.
Nota:
A imagem inserida no texto não se inclui na referida tese.
As notas e referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.
O texto postado é apenas um dos muitos tópicos abordados no referido trabalho.
Para uma compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da tese em sua totalidade.
Disponível digitalmente no site: Domínio Público
O Sertão de Suassuna
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