A Guerra Brasil-Paraguai sob um olhar de 1878


O texto, a seguir, faz parte da grande obra "A Guerra da Triplice Alliança", de Louis Schneider, publicada no Brasil no ano de 1878, portanto 8 anos após o término da mais sangrenta guerra na América Latina e a única em que se envolveu diretamente a nação brasileira.
Detalhes de "A Batalha de Tuiuti", de Cândido Lopes

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MOTIVOS DA GUERRA

Segundo disse uma vez um engenhoso estadista alemão, “Não se deve encetar guerra alguma, quando é preciso, mas só quando se quer”; e assim, tratando-se da guerra, que Solano Lopez empreendeu contra o Brasil, cumpre fazer diferença entre as causas e os pretextos. Pretextos para a luta não faltaram nem ao Dr. Francia nem a Solano Lopez. Desde a declaração da independência do Paraguai estavam pendentes questões de limites entre os dois estados; suscitavam-se intermináveis lutas e conflitos com a Republica Argentina e com o Estado Oriental do Uruguai, e mais de uma vez se entibiaram as relações de amizade entre o Paraguai e a Bolívia. Nem o Brasil nem o Paraguai tinham grande interesse no território situado entre o Rio Apa e o Rio Branco, território deserto, quase todo pantanoso e percorrido por poucas tribos de Índios bravios e nômades. O Brasil, por demais extenso, nenhuma vantagem poderia esperar dessa insignificante nesga de terra, talvez no espaço de muitos séculos; o Paraguai, com população escassa e avessa a lutas com os índios, teria de renunciar a seu isolamento bem calculado e energicamente mantido, para travar duplo conflito com o Brasil e com os selvagens errantes entre o Rio Apa e o Rio Branco. Ambas as partes se contentaram com protestos: discutiram diplomaticamente e usaram largamente do recurso dos adiamentos e protelações. Ora o Brasil, ora o Paraguai, faziam medições e demarcações. Uma vez patrulhas brasileiras, outra vez patrulhas paraguaias percorriam o território disputado; não era raro que colonos de ambos os lados se fossem adiantando na ocupação da terra em litígio, mas nunca se desvaneceu a convicção de que esta parcela de solo inóspito não era merecedora dos sacrifícios de uma guerra. A questão de limites ficara adiada por seis anos em 1856, por acordo mutuo. Para eliminar esta dissidência entre duas nações limítrofes, mandou o Brasil em 1864 Sauvan de Lima como ministro plenipotenciário para Assumpção, tendo antes comissionado a Leverger, oficial de marinha residente na província de Mato Grosso, para fazer as sondagens nas águas da região disputada, serviço que esse oficial terminou antes do prazo prescrito. O presidente Lopez mostrou-se ofendido com estas explorações e classificou-as de invasão por parte do Brasil. A própria declaração feita por Lopez de ficar o equilíbrio dos estados platinos transtornado com a entrada das tropas imperiais na Republica do Uruguai, só pôde ser considerada como pretexto e não como causa desta tremenda luta. Na guerra contra o tirano Rosas, de Buenos-Aires, tinha o Paraguai feito o mesmo, que agora exprobrava ao Brasil, invadindo território argentino; e com quanto se abstivesse até então de qualquer ingerência nas questões dos estados vizinhos, tinha desenvolvido suas forças militares, que por uma singularidade notável não eram apreciadas das nações vizinhas na proporção em que logo depois se patentearam.

As antigas pretensões do Paraguai á completa herança das Missões dos jesuítas, que compreendiam todo o nordeste da província de Corrientes, seriam motivo mais plausível de guerra com a Republica Argentina. Por espaço de 50 anos manifestou-se grande rivalidade e antipatia entre o Paraguai e a Republica Argentina, ao passo que as relações com o Brasil sempre foram cordiais e benévolas, ou ao menos não envolviam germens de sérios conflitos. É a tendência natural de qualquer nação e de qualquer estado, possuir as embocaduras marítimas de seus principais rios, e- se os dois primeiros presidentes do Paraguai julgaram assegurar a prosperidade de seu país por um completo isolamento, Francisco Solano Lopez, parece, recebera em sua viagem á Europa impressões diversas. A simples inspeção do mapa geográfico mostra que se o presidente almejava algum engrandecimento territorial, este só poderia realizar-se fácil e cabalmente pelos lados do Rio da Prata. O mesmo motivo que impedia ao Imperador D. Pedro II de imitar o exemplo de seu pai e de cuidar na anexação da Banda Oriental ao Brasil (serem de raça espanhola os habitantes da Republica Oriental do Uruguai) era favorável á formação de um grupo de estados, como o Paraguai, o Estado Oriental e as duas províncias argentinas de Corrientes e Entre-Rios. Desligando-se estas duas províncias da Confederação Argentina, ficava quase só Buenos- Aires, que, privada de recursos militares depois da queda do ditador Rosas, não poderia, nem apoiada pelas províncias do interior, afrontar a luta com as tropas aguerridas do Paraguai. Em breve surgiria um Império do Prata e o Brasil provavelmente nenhum embaraço suscitaria á formação desse grande estado.

Esta combinação, baseada em razões políticas, foi logo desmentida pelo primeiro ataque do Paraguai contra a província de Mato Grosso, isto é, para o norte e para o interior da América Meridional. O barão von Versen, levado por suas próprias observações e por conversas com homens políticos dos países do Prata, declara que Solano Lopez nunca pretendera dilatar seus domínios para o sul e para o lado do mar. Senhor do litoral, nenhuma barreira poderia opor ao contacto das idéias liberais e das instituições livres. O isolamento, até então rigorosamente mantido, tornar-se-ia impossível, e com ele naturalmente baquearia sua autocracia.
O ensaio feito por seu pai, a instigações suas, com a colônia de Nueva Boideos (Vila Ocidental), onde se estabeleceram imigrantes do meio dia da França tinha-lhe demonstrado exuberantemente que, concedendo-se quaisquer direitos aos estrangeiros, o Paraguai não poderia continuar a ser o que fora até então. Também a republica da Bolívia não poderia resistir a um ataque do Paraguai, e, (cousa singular!) as relações entre essa republica e o Paraguai, antes da declaração de guerra contra o Brasil estavam longe de ser amigáveis, circunstancia que poderia também servir de pretexto para uma guerra. A republica da Bolívia queria abrir um porto ao norte do forte Olimpo (Borbon), no rio Paraguai, e uni-lo á capital por um caminho de ferro. Contra esta pretensão bradou violentamente o “Semanário”, único jornal existente no Paraguay, e que estava debaixo da censura do próprio Solano Lopez.

Este segundo império chinês, formado da reunião de Entre Rios, Corrientes e Estado Oriental ao Paraguai,, teria certamente elementos de vitalidade com o sistema político e o poder militar do presidente Solano Lopez, ao menos por algum tempo. Como, porém, faltam provas seguras de um tal plano, fica ele sendo uma combinação, á qual só o futuro dará explicação certa.

Espalhou-se então pela imprensa de todos os países a noticia de que o despeito movera Solano Lopez á guerra contra o Brasil, por lhe ter sido recusada a mão da segunda princesa imperial D. Leopoldina (ao depois duquesa de Saxe, falecida em Viena em 1871), que ele pedira quando ao voltar da Europa se demorou no Rio de Janeiro. Esta fábula foi provavelmente engendrada em Montevidéu ou
em Buenos Aires. Pessoas bem informadas negam o fato, nem se pôde descobrir pontos de afinidade, que se transformassem em tão singular boato.

Em todo o caso, Solano Lopez errou o alvo. Que ele quisesse engrandecer seu país, dilatar seus domínios e para isso preparasse amplos meios de ação, na verdade grandiosos e admiráveis, tudo isso se explica pelo orgulho de autocrata, pelo estado prospero do país, pela servil dedicação do povo inteiro que governava, e pela superioridade de seu exercito, que, quanto ao numero, não tinha rival na América do Sul. Si tivesse querido empregar esses elementos contra a Republica Argentina, sua vitória teria sido fácil e rápida. São provas de um tal asserto o aprisionamento dos navios de guerra argentinos no porto de Corrientes, a ocupação de metade desta província, bem como as simpatias do general Urquiza e do partido blanco do Estado Oriental, e a frieza das províncias argentinas diante da agressão dos paraguaios. Nesse caso o Brasil conservar-se-ia completamente neutro, e até é provável que o governo imperial visse com prazer a criação de um tal complexo de estados e talvez de uma monarquia.

Motivos para uma guerra Solano Lopez não os tinha, e para se reconhecer que o pretexto escolhido — a manutenção do equilíbrio do Prata — era fútil e injustificável, basta ler a correspondência diplomática publicada pelo governo imperial. Por ser este pretexto tão fraco, ninguém acreditava na séria realização das pretensões ostentadas. Tal foi a causa porque a guerra encontrou inteiramente desprevenidos o Brasil e a Republica Argentina.

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Fonte:
A Guerra da Triplice Alliança (Volume 1). Schneider, L. (Louis), 1805-1878, disponível digitalmente no site da biblioteca: Brasiliana - USP

Nota:
Para melhor compreensão do texto, a ortografia utilizada na época foi atualizada para os padrões atuais.

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