Alencar e o progresso



A valorização da polidez e das virtudes, em consonância com a liberdade, em "O Guarani", seria a revelação da preocupação de José de Alencar não apenas com a imagem, mas também com o progresso moral do povo brasileiro.

Vejamos a idéia de progresso que perpassa todo o pensamento de José de Alencar, verificando alguns de seus comentários:

(...) O corpo de uma língua, a sua substância material, que se compõe de sons e vozes peculiares, esta só a pode modificar a soberania do povo, que nestes assuntos legisla diretamente pelo uso. Entretanto, mesmo nesta parte física é infalível a influência de bons escritores, eles talham e pulem o grosseiro dialeto do vulgo, como o escultor cinzela o rudo troço de mármore e dele extrai o fino lavor.

O mesmo sucede com a gramática: saída da infância do povo rude e ignorante, são os escritores que a vão corrigindo e limando (...).

Sobretudo compreendam os críticos a missão dos poetas, escritores e artistas, nesse período especial e ambíguo da formação de uma nacionalidade. São estes os operários incumbidos de polir o talhe e as feições da individualidade que se vai esboçando no viver do povo. Palavra que inventa a multidão, inovação que adota o uso, caprichos que surgem no espírito do idiota inspirado; tudo isto lança o poeta no seu cadinho, para escoimá-lo das fezes que lhe ficaram do chão onde esteve, e apurar o ouro fino.

Se o escritor apenas tem a iniciativa da introdução, alguma coisa é preciso para completar o ato, a qual é consenso da opinião, sem a qual não se poderá dizer adotada, e ainda menos introduzida uma palavra em qualquer língua.

(...) gosta do progresso em tudo, até mesmo na língua que fala. Entende que sendo a língua instrumento do espírito, não pode ficar estacionária quando este se desenvolve. Fora realmente extravagante que um povo adotando novas idéias e costumes, mudando os hábitos e tendências, persistisse em conservar
rigorosamente aquele modo de dizer que tinham seus maiores. (grifo nosso)

(...) a língua rompe as cadeias que lhe querem impor, e vai se enriquecendo, já de novas palavras, já de outros modos diversos de locução.

A língua é a nacionalidade do pensamento como a pátria é a nacionalidade do povo. Da mesma forma que instituições justas e racionais revelam um povo grande e livre, uma língua pura, nobre e rica, anuncia a raça inteligente e ilustrada.

Não é obrigando-a a estacionar que hão de manter e polir as qualidades que porventura ornem uma língua qualquer: mas sim fazendo com que acompanhe o progresso das idéias e se molde às novas tendências do espírito, sem contudo perverter a sua índole e abastardar-se.

Criar termos necessários para exprimir os inventos recentes, assimilar-se aqueles que, embora oriundos de línguas diversas, sejam indispensáveis, e
sobretudo explorar as próprias fontes, veios preciosos onde talvez ficaram esquecidas muitas pedras finas: essa é a missão das língua cultas e seu verdadeiro classismo. (grifo nosso)

(...) Eis porque o gênio pode criar uma língua, uma arte, mas não fazê-la retroceder.

Marli Quadros Leite faz o seguinte comentário: .Acerca do problema da aceitação do progresso em todas as questões de língua, Alencar contradiz-se quando, no ímpeto de apresentar suas defesas, traz vozes de autores quinhentistas, clássicos e mesmo gramáticos, portugueses e latinos, o que vai totalmente de encontro a sua pregação (...).

A esse respeito, podemos dizer que a posição de Alencar em relação ao progresso da língua não dispensa a consulta aos maiores, embora afirme se deva evitar o exagero na sua valoração.

O progresso autêntico necessita, além de algo novo, original, também de informações provenientes de personalidades ou de obras de qualquer período histórico, sejam ainda empregadas ou não, esquecidas ou não, se forem úteis para a circunstância em que se encontra o autor, pesquisador ou artista. O equilíbrio entre tradição e progresso defendido por Alencar pode ser verificado no capítulo que trata da questão da polidez.

Embora as citações digam respeito especificamente à questão do dinamismo e evolução da língua, pode-se fazer uma transposição dos mesmos para outros aspectos relacionados às suas obras.

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Fonte:
MAURICY DE OLIVEIRA MARCONDES: “A POLIDEZ E AS VIRTUDES AO ENCONTRO DA LIBERDADE EM ‘O GUARANI’, DE JOSÉ DE ALENCAR”. (Dissertação de Mestrado apresentada à Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, na área de Literatura Brasileira, sob a orientação do Prof. Dr. Eduardo de Almeida Navarro). São Paulo, 2006.

Nota
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As notas e referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.
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Para uma compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da tese em sua totalidade.
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