Sêneca, o preceptor, o conselheiro imperial



SÊNECA, O PRECEPTOR, O CONSELHEIRO IMPERIAL

Lúcio Aneu Sêneca, nascido em Córdoba por volta do ano 4 a.C., filho do retórico Marco Aneu Sêneca (55 a.C. – 39 d.C.), recebeu, em Roma, uma educação esmerada, estudando a arte da retórica e tornando-se grande orador.

Segundo João Teodoro D’Olim Marote (2005), interessou-se também pela filosofia, começando pelo pitagorismo, com o filósofo Sotion, e passando, posteriormente, para o estoicismo, com os ensinamentos de Átalo.

Para Reinholdo Aloysio Ullmann (1996), Sêneca internalizou os ensinamentos de Sótion, passando a viver frugalmente, sem beber vinho, jejuando e alimentando-se apenas de vegetais. De igual modo, valeu-se da sabedoria de Átalo, percebendo a precariedade dos bens materiais e da vida no luxo. Ainda jovem, já discursava no fórum e, aos vinte e cinco anos, sentindo a saúde bastante abalada, retirou-se da vida pública e foi tratar-se no Egito. Contudo, para Enrique Óton Sobrino (2004), o real motivo da viagem foi o medo de seu pai de que o jovem Sêneca fosse condenado por se dedicar a práticas pitagóricas, proibidas naquele período.

De joven marcha a Egipto junto com su tia, casada com prefecto G. Galerio, destinado em aquella zona africana. El motivo de este viaje há de hallarse em el temor Del padre a uma condena de su hijo por parte de la autoridad a causa de las práticas de corte pitagórico (abstención de carnes) que podían hacerlo sospechoso en un momento en que dichas práticas están perseguidas (SOBRINO, 2004, p.10)

Em Alexandria, maior capital intelectual da época, estabeleceu relações com importantes filósofos e foi iniciado nos arcanos da religião oriental. De acordo com Campos (2004), a filosofia senequiana implicava uma série de técnicas que se aproximavam de algumas formas de pensamento oriental e mesmo de certos místicos, como veremos mais tarde.

De volta a Roma (31 d.C.), retomou sua carreira política, sendo nomeado questor, senador (33 d.C) e tribuno da plebe (37 d.C.). Seu gênio na arte da oratória acabou despertando a inveja de Calígula, que foi assassinado antes que o mandasse matar. Por intrigas da corte e de Messalina, primeira esposa de Cláudio, Sêneca foi acusado de adultério e condenado ao exílio na Córsega. O exílio foi um período de intensa produção intelectual, pois, além de se dedicar ao estudo do estoicismo, Sêneca escreveu ali parte de sua obra. Após oito anos de exílio (41d.C – 49 d.C.), a nova imperatriz, Agripina, deu-lhe o perdão e confiou-lhe a educação de seu filho, o jovem Domício, futuro imperador Nero. Para Grimal, Sêneca formulou sua teoria do poder imperial para conduzir o jovem Nero aos princípios do regime, tal como fora concebido por Augusto. Contudo, Nero parece não ter seguido as orientações morais de Sêneca e, assim como seus antecessores, colocou o poder a serviço dos próprios caprichos.

O filósofo não se restringiu a zelar pela educação do futuro imperador. Sua pedagogia reverberou nos meios intelectuais e ele passou a fazer parte e a liderar um dos mais expressivos círculos culturais do Império:

Além da presença no meio político, em pouco tempo Sêneca passou a liderar um dos mais expressivos círculos culturais de Roma. Com uma personalidade brilhante e sedutora, reunia em torno de si muitos dos mais dinâmicos e inovadores intelectuais. Atraindo ao mesmo tempo os mais jovens, passou a influenciar o gosto e as idéias de toda uma geração (LIMA, 2000, p.9).

A filosofia estóica se fez presente na corte neroniana e, ao mesmo tempo em que atuava como fonte de uma ética pessoal e coletiva, dava incentivo à participação política. Permitia unificar, no universo das relações, a vida pessoal, ou seja, o recolhimento dedicado à introspecção e ao estudo da filosofia, com a existência pública, a ação em prol do bem humano:

Há uma tendência, na historiografia sobre as relações entre estoicismo e política, em enfatizar o caráter marcadamente pessoal e individualizante da ética estóica, sobretudo a partir do, assim chamado, médio estoicismo e das obras de Sêneca, Epiteto e Marco Aurélio. Uma ética centrada no autocontrole de si e para a qual a questão da liberdade se resolve individualmente, pelo controle das paixões e pelo contentamento com o que se possui, baseando-se, simultaneamente, numa confiança absoluta na providência divina e no reconhecimento da inelutabilidade do destino. Essa imagem, verdadeira em linhas gerais, não deve, contudo, fazer-nos esquecer que o estoicismo romano, como o dos eleatas, possuía também uma forte dimensão política, estreitamente vinculada à sua adoção por parte significativa da elite política romana desde o final da República. No seio desta elite, o estoicismo atuava como fonte de uma ética ao mesmo tempo pessoal e coletiva, que dava sentido à sua participação na vida pública e permitia unificar, no universo de suas relações, sua vida privada com sua existência pública (GUARINELLO, 1996, P.54).

Nessa perspectiva, o estoicismo imperial não recomendava ao homem que se retirasse da sociedade. Incentivava uma participação ativa, mas aconselhava sua alternância com períodos de ócio produtivo, necessários para o fortalecimento do caráter e para a conexão com o logos.

Por inveja da sua popularidade, os inimigos do filósofo acusaram-no perante o imperador de pretender rivalizar com ele em oratória e poesia. Sêneca solicitou afastamento da vida pública, mas Nero negou. Passou, então, a viver em Nápoles, em contato com a corte, mas retraído. Foi nesse período que escreveu suas obras mais importantes.

Em 65, acusado de cumplicidade na conspiração de Pisón, foi condenado à morte por Nero, aquele a quem dedicou sua vida. Morreu de maneira estóica, rodeado de admiradores e amigos:

Paulina afirma-lhe que está disposta a morrer com ele e pede-lhe que a ajude a obter o seu intento. Sêneca não quis se opor ao seu desígnio, pois temia deixar a esposa aos insultos de seus inimigos [...] Abriram então as veias dos braços. Sêneca, vendo que seu sangue corria muito devagar, porque seu corpo estava muito debilitado por causa da dieta e da velhice, mandou abrir também as veias das pernas e dos jarretes. Esgotado pela violência da dor, ele percebeu que seus tormentos abatiam a constância de sua esposa e, temendo testemunhar-lhe fraqueza, vendo-a morrer ele a convenceu a passar a um outro quarto. Sua eloqüência não o abandona nem mesmo nessa cruel conjuntura. Manda chamar seus secretários e lhes dita sentenças admiráveis, que Tácito não guardou porque, em seu tempo, todos as sabiam de cor. Nero, informado da deliberação de Paulina, não tendo ressentimento pessoal algum contra ela, teve medo de que a morte dessa dama o tornasse ainda mais odioso. Como sabia, ademais, da sua beleza, sobre a qual podia ter também outras intenções, deu ordens para que lhe impedissem a morte. Logo os escravos e os libertos, ante a palavra dos soldados, detêm o sangue e enfaixam-lhe os braços [...] Sêneca, vendo que a morte se aproximava muito lentamente, rogou a Estácio Aneu, que era médico e de cuja ciência e fidelidade se havia muitas vezes valido, lhe desse um certo veneno que há muito estava em seu poder e com o qual se matavam os criminosos em Atenas; mas o bebeu em vão, seus membros já estavam enregelados e seu corpo não pôde desenvolver a atividade do veneno. Entrou, por fim, num banho quente e borrifou com água seus escravos, mais próximos, dizendo-lhes: “Faço esta libação a Júpiter libertador”. Depois mergulharam-no no banho, cujo vapor o sufocou. Seu corpo foi queimado sem pompa alguma. Assim ele o havia determinado em seu testamento, quando ainda no auge da opulência e do prestígio (PLUTARCO, 1954, p.399).

Sêneca morreu ao modo estóico. O estoicismo admitia o suicídio como uma forma de libertação quando a vida já não tivesse mais finalidade:

Ora, como tu sabes, a vida não é um bem que se deve conservar a todo custo: o que importa não é estar vivo, mas sim viver uma vida digna! Por isso mesmo, o sábio prolongará sua vida enquanto dever, e não enquanto puder. Considerará sempre onde deve viver, com que companhias, como deve agir, que acções deve empreender. Deve ter no pensamento a qualidade da vida e não a sua duração. Se se lhe deparam muitas situações graves, muitos obstáculos à sua tranqüilidade, o sábio retirar-se-á. E não o fará apenas como último recurso, mas, assim que a fortuna começar a mostrar-se hostil para com ele, deverá meditar seriamente se não convém por termo imediato à vida (SÉNECA, 2004a, p. 264).

Como veremos posteriormente, o fato de ter feito uma oferenda a Júpiter libertador, reforçou a idéia de alguns autores contemporâneos de que o pensador, no final de sua vida, passou a crer na imortalidade da alma.

DA OBRA

Sêneca, considerado o homem mais sábio do seu tempo, produziu uma obra muito rica, volumosa, e que, escrita nos mais diversos gêneros, influenciou a filosofia e a literatura de todos os tempos. Convencido de que no homem residia uma centelha divina, dedicou sua energia ao estudo da moral:

Estaba convencido de que “dios está cerca de ti, está contigo, está en ti”, de que, “no hay hombre de bien sin la intervención de la divinidad”, como cuenta a su amigo Lucilio. Desde ese convencimiento, lá única rama de la filosofía que realmente le interesó fue la filosofía moral por considerar que sólo ella podía ayudar al hombre a ser mejor y a conseguir la felicidad, que no se encuentra en las cosas externas (MANGAS, 2001, p.125 e 126).

De acordo com Fábio Faversani (2000), muitas de suas obras se perderam ao longo do tempo, mas várias foram preservadas. Chegaram até nós catorze obras filosóficas, uma sátira e nove tragédias. Em seu legado, Sêneca tratou de tudo quanto um intelectual de seu tempo poderia abordar. Falou dos fenômenos naturais, da política, da vida, da morte e da moral. Dez de seus trabalhos filosóficos foram preservados por meio do códice Ambrosiano, contudo, a datação desses tratados é bastante incerta. O primeiro deles é o De Prouidentia (Da Prudência), cuja datação é desconhecida; o segundo é o De Constantia Sapientis (Da Constância do Sábio), escrito em algum momento entre os anos de 47 e 62; depois temos o De Ira (Da Ira), que deve ter sido escrito no início do governo de Cláudio, antes de 52; a seguir vem o Ad Marciam de Consolatione (Consolação a Márcia), de 39 ou 40; na seqüência temos de Vita Beata (Sobre a Vida Feliz), produzido depois do ano de 58; De Otio (Sobre o Ócio) é provavelmente anterior a 62, se o tratado for dedicado mesmo a Sereno, o que também não é certo; De Tranquillitate Animi (Sobre a Tranqüilidade da Alma) ; De Breuitate Vitae (Sobre a Brevidade da Vida), composto possivelmente em 55 ou, talvez, em 49; Ad Polybium de Consolatione (Consolação a Políbio), escrito em 43; e, por fim; Ad Helvia de Consolatione (Consolação a Hélvia), composto nos anos em que esteve exilado. Além desses tratados, há ainda mais quatro textos preservados, em prosa. São eles: De Clementia (Da Clemência), escrito na passagem dos anos 55-56; De Beneficiis (Dos Benefícios), cuja datação é incerta, mas que foi escrito em algum momento entre os anos de 54 e 64; Questiones Naturales (Questões Naturais), escritas, nos seus últimos anos de vida; Epistulae Morales (Epístolas Morais), sua última obra, consolidação do seu pensamento. Atribui-se a Sêneca ainda uma sátira, em prosa e verso, intitulada Apocolocyntosis, que surge imediatamente após a morte de Cláudio (54). Foram preservadas também nove tragédias: Hercules Furens, Troades, Phoenissae, Medea, Phaedra, Oedipus, Agamemnon, Thyestes, Hercules Oetaeus. Com exceção da última, todas elas têm por base tragédias gregas, porém com destacada influência de poetas latinos, sobretudo de Ovídio e de Vário Rufo. Em sua composição, nenhuma dessas peças tem datação segura. Há, por fim, uma série de fragmentos de obras e, ainda, 77 epigramas, cuja autoria, em sua grande parte, é bastante discutível e a datação totalmente incerta.

Concordamos com Ullmann (1996), quando diz que Sêneca é um homem da História e não apenas da Filosofia. Afinal, além de estadista, dramaturgo e filósofo, ele desenvolveu uma proposta pedagógica potencialmente regeneradora, objeto deste estudo. Para além disso, ele foi testemunha da força do estoicismo e sua meta era servir à sociedade romana. Levava uma vida interior intensa e era movido pelas questões morais.

[...] Sêneca perpassa os séculos como um verdadeiro missionário. Para o mundo positivista de hoje, suas lições guardam atualidade. Encerrando-se no limite do horizonte visível, o homem do século vinte profana o universo. Nossa época parece caracterizar-se por um contraste entre a proliferação de meios e a ausência de objetivos claros. Sêneca tinha-os. O útil, entre nós, desdenha do verdadeiro; o funcional sobrepõe-se ao essencial; o prazer confunde-se com o bem. Em meio à instabilidade e modismos éticos, Sêneca emerge como uma vigorosa coluna mestra a apontar um caminho seguro de felicidade natural (ULLMANN, 1996, p. 66).

Em toda a sua obra, Sêneca enfatizou a moral visando a aprendizagem da arte do bem viver e do bem morrer. Sua originalidade repousa na forma como entendeu a sociedade romana do seu tempo e na importância que deu à educação para a formação do sábio. Compreendia a importância dos valores morais para a manutenção social e sua preocupação implicava uma proposta formativa com vistas a combater os vícios. Nisso constituía a educação preconizada pelo filosofo: combater os vícios e edificar as virtudes.

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Fonte:
MARCOS VINÍCIUS FERNANDES MIRANDA: “DO VÍCIO À VIRTUDE: UMA PROPOSTA EDUCATIVA EM SÊNECA”. (Dissertação apresentada por Programa de Pós-Graduação em Educação, Área de Concentração: História e Historiografia da Educação, da Universidade Estadual de Maringá, como um dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Educação. Orientador(a): Profª. Drª.: TEREZINHA OLIVEIRA). Maringá, 2008.

Nota
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