A TEORIA DO POPULISMO
DE ERNESTO LACLAU
Ernesto
Laclau é contrário às teses de que o populismo seja uma etapa de um estágio de
desenvolvimento econômico, assim como também é contra a ideia de que o
populismo seja um conceito pejorativo, embora também não seja necessariamente
positivo. De acordo com Laclau, o populismo não é algo específico de um
determinado tipo de regime político ou de uma ideologia:
[...] o populismo é
uma categoria ontológica e não ôntica – quer dizer, seu significado não será
encontrado em algum conteúdo político ou ideológico que se adentre na descrição
das práticas de qualquer grupo particular, mas melhor em um modo particular de
articulação de conteúdos sociais, políticas ou ideológicas (2005b, p. 34).
Em
outras palavras, para Laclau (2005a, p. 150) “é possível definirmos
conceitualmente o populismo não como um tipo de movimento – identificado com
uma base social especial ou mesmo com uma determinada orientação ideológica –,
senão como uma lógica política”.
Ainda
segundo o autor, essa lógica política pode operar com bases sociais e
orientações ideológicas distintas. Porém, surge em momentos de crise de
hegemonia, quando as interpelações populares-democráticas não atendidas são
articuladas por alguma classe ou fração de classe contra o bloco de poder
dominante, em uma situação de crise desse, criando uma relação de
equivalência entre estas demandas diante de um antagonista comum – o bloco
de poder dominante.
Daremos um exemplo de
uma demanda simples: um grupo de pessoas que vivem em um bairro querem uma
linha de transporte que os leve desde seus lugares de residência à área em que
a maioria deles trabalha. [...].
[...] Suponhamos que a
reivindicação é rejeitada. Dessa decisão derivará indubitavelmente uma situação
de frustração social. Porém, se trata somente de uma demanda que não é
satisfeita, isso não alterará a situação substancialmente.
Em contrapartida, se
por algum motivo, a variedade de demandas que não encontram satisfação for
muito grande, essa frustração multiplicada desencadeará uma lógica social de um
tipo completamente diferente. Por exemplo, se o grupo de pessoas naquela área
que viu frustrados suas reivindicações de melhor transporte descobre que seus
vizinhos estão igualmente insatisfeitos em suas reivindicações acerca da
segurança, serviço de água potável, habitação, escolas, etc..., algum tipo de
solidariedade emergirá entre eles: todos compartilham o fato de que suas
demandas permanecem insatisfeitas. Isto é, as demandas compartilham uma
dimensão negativa mais além da sua natureza diferencial positiva.
Uma situação social em
que as demandas tendem a reagrupar-se sobre uma base negativa e na qual todas
permanecem insatisfeitas é a primeira precondição – embora não a única – do
modo de articulação política a que chamamos populismo [grifos meus] (2005b, p. 36-37).
Para
Laclau, essa situação em que uma pluralidade de demandas não satisfeitas
reagrupam-se é denominada de cadeia equivalencial. Se o sistema
institucional atender essas demandas não satisfeitas, os vínculos
equivalenciais se tornaram débeis. Porém, ao contrário, se o sistema
institucional revela-se incapaz de atender às demandas, criará as condições
para uma ruptura populista.
Essa
ruptura populista se dará ao nível da subjetividade popular, que fomentará uma
fronteira interna que dividirá o social em dois campos: “o poder e os
desamparados – o povo”, isto é, haverá a dicotomização da sociedade em “um
poder que se opõe ao conjunto das demandas que constituem a vontade popular”.
Portanto, “o populismo não é, em conseqüência, expressão do atraso ideológico
de uma classe dominada, mas, ao contrário, uma expressão do momento em que o
poder articulatório desta classe se impõe hegemonicamente sobre o resto da
sociedade” (1979, p. 201).
Ademais,
Laclau lembra que “não há populismo sem a construção discursiva de um inimigo:
o Antigo Regime, as oligarquias, os países imperialistas, etc”. Acerca disso, o
autor realiza uma interessante análise sobre os significantes vazios:
[...] a construção de uma subjetividade popular somente é
possível sobre a base da produção discursiva de significantes tendencialmente
vazios. A denominada “pobreza” dos símbolos populistas é a condição de sua
eficácia política – devido a que sua função é converter uma realidade altamente
heterogênea em uma homogeneidade equivalencial, somente podem conseguir este
objetivo reduzindo ao mínimo seu conteúdo particular. No limite, este processo
alcança um ponto onde a função homogeneizante é desempenhada tão somente por um
nome: o nome do líder (2005b, p. 39-40).
Em suma, para Laclau
(Ibidem, p. 43-44):
Para começar, somente teremos populismo se há uma série
de práticas político-discursivas que constroem um sujeito popular, e a
precondição da emergência de tal sujeito é, como já vimos, a construção de uma
fronteira lógica interna que divide o social em dois campos. Porém, a lógica
desta divisão é ditada, como sabemos, pela criação de uma cadeia equivalencial
entre uma série de demandas nas quais o momento equivalencial prevalece sobre a
natureza diferencial das demandas. Por último, a cadeia não pode ser o
resultado de uma coincidência fortuita pura, melhor, deve ser consolidada
através da emergência de um elemento que da coerência à cadeia significando-a
como uma totalidade. Este elemento é o que chamamos “significante vazio”.
Lembra-nos
Laclau (Ibidem, p. 47) que “nenhum movimento político estará absolutamente
isento de se tornar populista porque nenhum está incapacitado para convocar o
povo contra o inimigo comum, por meio da construção da fronteira social”. Dessa
forma, “um movimento ou uma ideologia – ou, para colocar ambos sob um mesmo
gênero, um discurso – será mais ou menos populista dependendo do grau em que
seus conteúdos são articulados pela lógica equivalencial”.
Contudo,
o populismo não implica necessariamente em uma manipulação cínica ou
instrumental por parte dos políticos, pois “[...] o populismo não se
caracteriza como uma ‘constelação fixa’, mas sim como um arsenal de ferramentas
retóricas (‘significantes flutuantes’) que podem ter os usos ideológicos mais
diversos” (2005a, p. 237).
Por fim,
Laclau define o populismo não como um movimento político – pois não está
vinculado a um fenômeno delimitável –, mas como uma lógica social e política,
cujos efeitos atravessam uma variedade de fenômenos. Em suma, na perspectiva de
Laclau, o populismo é um “modo de construir o político”.
[...] O populismo faz referência ao questionamento da
ordem institucional, através da construção do desamparado como agente social –
quer dizer, como um agente que é um outro
com respeito à forma em que as coisas estão estabelecidas. Porém, isto é o
mesmo que a política. Somente teremos através do gesto que toma o estado de
coisas existentes como um sistema e apresenta uma alternativa a ele (ou, pelo
contrário, quando defendemos esse sistema contra alternativas potenciais
existentes). Esta é a razão pela qual o fim do populismo coincide com o fim da
política. Teremos o fim da política quando a comunidade concebida como uma
totalidade e as vontades coletivas tornarem-se indistinguíveis uma da outra
(2005b, p. 47-48).
Portanto,
há duas alternativas que possibilitam a utilização/operacionalização do
conceito de populismo: a primeira por meio do viés thompsoniano (como vêem
realizando historiadores como Alexandre Fortes, Fernando Teixeira da Silva,
Hélio da Costa, Paulo Fontes, entre outros); a segunda possibilidade se daria
por meio do conceito de populismo de Ernesto Laclau. No entanto, no presente
trabalho optamos em abandonar e não utilizar o conceito de populismo –
seguindo, assim, a proposta de historiadores como Angela de Castro Gomes, Jorge
Ferreira, Daniel Aarão Reis Filho, entre outros.
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Fonte:
ALESSANDRO BATISTELLA: “O PARTIDO TRABALHISTA BRASILEIRO NO PARANÁ - 1945-1965”. (Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul como requisito parcial à obtenção do título de Doutor em História, sob a orientação da Profª. Drª. Céli Regina Jardim Pinto). Porto Alegre, 2014.
ALESSANDRO BATISTELLA: “O PARTIDO TRABALHISTA BRASILEIRO NO PARANÁ - 1945-1965”. (Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul como requisito parcial à obtenção do título de Doutor em História, sob a orientação da Profª. Drª. Céli Regina Jardim Pinto). Porto Alegre, 2014.
Nota:
A imagem inserida no texto não se inclui na referida tese.
As notas e referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.
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Para uma compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da tese em sua totalidade.
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