MARCELLO PERA E A NOVA FILOSOFIA
DA CIÊNCIA: RETÓRICA E DIALÉTICA
Marcello Pera insere suas produções no âmbito da “nova filosofia da
ciência” (“new philosophy of science”). Posta a palavra “nova”, naturalmente
surge a pergunta acerca da distinção pretendida. Ou seja, a que exatamente do
passado estamos nos referindo. Pera entende que a nova filosofia da ciência
tem, por uma de suas tarefas, fazer a completa revisão da visão recebida da
ciência. Marcello Pera intenta transferir a ciência do domínio da demonstração
e do método para o campo da argumentação. O foco, portanto, são os discursos da
ciência.
Para lidar com a ciência em seu contexto discursivo, Marcelo Pera opera
um retorno a Aristóteles. No entanto, ele trabalha com uma visão revisada de
Aristóteles, pois o que ele tem a dizer não advém diretamente da visão
aristotélica e dela se difere em vários aspectos (PERA, 1991).
Pera se apóia em Aristóteles para afirmar que retórica e dialética
desempenham um papel no conhecimento; são técnicas e modos de argumentar que
desempenham uma função cognitiva. Marcello Pera, entretanto, afasta-se de
Aristóteles quando este último – segundo Pera – afirma que não há uma distinção
técnica entre retórica e dialética, pois ambas fazem uso do mesmo tipo de
argumento. Neste ponto, é importante uma marcação de referência. Pera trabalha
com a retórica e dialética aristotélicas presentes na Tópica e na Retórica,
principalmente. Dessa forma, está-se tratando da retórica e da dialética da
ciência em Aristóteles dentro do âmbito do conhecimento conjectural, aberto por
Aristóteles a partir do componente por ele chamado de “opinável”.
Mas, afinal, de que forma Marcello Pera se apropria da retórica e da
dialética? Ele esclarece esta questão com a seguinte afirmação: “eu devo me
referir à ‘retórica’ como a prática da argumentação persuasiva (ou “o ato
de persuadir”), (...) e à ‘dialética’ como a lógica
de tal ato de prática (...)” (PERA, 1994, p. viii) (grifos do autor) (tradução
nossa).
Para Marcello Pera (1991, p. 35), a retórica científica “(...) é o
conjunto daquelas técnicas persuasivas, argumentativas que os cientistas usam
para alcançar suas conclusões (...)” (tradução nossa). É importante ressaltar
que a retórica não é um modo de expressão, de ornamento, de estilo,
embelezamento que acompanha argumentos persuasivos; ela é, outrossim, o campo
para a constituição desse tipo de argumento.
Retórica e dialética desempenham, portanto, funções na ciência. A
dialética levanta dificuldades em ambos os lados de uma questão. É ela que
opera também o exame crítico de todas as teses que são “adequadas” à questão em
si. A dialética facilita a detecção da verdade e da falsidade, pois usa
adeqüadamente os argumentos. Por fim, a visão dialética concebe o conhecimento
como o resultado de uma disputa concreta entre interlocutores que mantenham
teses rivais.
A retórica, que se ocupa dos meios de persuadir, conduz o emprego da
persuasão em ambos os lados de uma questão. Se alguém argumentar injustamente,
será a retórica que nos proverá as possibilidades de contestar o argumentador.
Os argumentos retóricos também darão conta da insuficiência da restrição
das técnicas argumentativas a padrões dedutivos ou indutivos. Isso ocorre
porque os modelos rígidos de argumentação científica consideram, por exemplo,
falaciosos argumentos que são legítimos e aceitos em vários contextos
relevantes, ignorando a prática científica atual. Como explica Pera (MACHAMER;
PERA; BALTAS, 2000, P. 12)
Na prática atual, não há um
processo de prova de uma alegação e um processo lógica ou cronologicamente
diferente de apresentação dessa alegação, ou de fazê-la aceitável ou palatável.
Processos dialéticos e retóricos se fundem a uma atividade
particular, a qual acaba na vitória argumentativa de um grupo sobre outro e na
persuasão da comunidade, e do qual a aceitação da alegação, isto é, sua
constituição como uma alegação científica, depende (tradução nossa).
Na ciência, esse conjunto de técnicas argumentativas usadas pelos
cientistas no intuito de que as conclusões desejadas sejam atingidas revela-se
como o uso de argumentos persuasivos. Esses argumentos são aplicados para
persuadir e converter uma audiência ao incluir o contraste de opiniões rivais.
Dessa forma, eles mudam ou reforçam opiniões da comunidade científica sobre
questões que tenham valor cognitivo.
Vemos que o modelo dialético leva em consideração a presença de uma
audiência, a presença da comunidade científica. A visão dialética de
conhecimento e racionalidade (científica) concebe o jogo do conhecimento com
três jogadores (e não mais dois jogadores, segundo o modelo tradicional):
“(...) um indivíduo ou um grupo de indivíduos, a natureza, e outro grupo de
indivíduos que debate com o primeiro grupo no que diz respeito aos fatores da
dialética científica” (PERA, 1994, p. ix) (tradução nossa). Assim, entre a
natureza e os que a interrogam há os que debatem acerca da resposta certa ou
aceitável.
Podemos retirar duas importantes conclusões dessa nova concepção acerca
do jogo do conhecimento: a primeira diz respeito à forma com a qual os debates
chegam ao seu fim. Não temos mais a natureza fornecendo a resposta verdadeira,
mas sim uma decisão alcançada pelo próprio debate, na discussão entre teses
rivais. A segunda conclusão refere-se à presença do terceiro grupo no jogo do
conhecimento. Essa presença evidencia que os debates que visam a estabelecer
conhecimento requerem uma audiência com uma estrutura de opiniões partilhadas.
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Fonte:
RÚBIA LIZ VOGT DE OLIVEIRA: “CONTROVÉRSIAS: PERSUASÃO RACIONAL NA CIÊNCIA”. (Dissertação apresentada como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre, pelo Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Orientadora: Anna Carolina Krebs Pereira Regner). São Leopoldo, 2011.
Fonte:
RÚBIA LIZ VOGT DE OLIVEIRA: “CONTROVÉRSIAS: PERSUASÃO RACIONAL NA CIÊNCIA”. (Dissertação apresentada como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre, pelo Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Orientadora: Anna Carolina Krebs Pereira Regner). São Leopoldo, 2011.
Notas:
A imagem inserida no texto não se inclui na referida tese.
As notas e referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.
O texto postado é apenas um dos muitos tópicos abordados no referido trabalho.
Para uma compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da tese em sua totalidade.
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