Na Guerra das Malvinas, a dúbia posição brasileira

NA GUERRA DAS MALVINAS, A DÚBIA POSIÇÃO BRASILEIRA

Por ocasião da Guerra das Malvinas (02 de abril a 14 de junho de 1982) o Brasil adota uma postura de ambígua neutralidade, com a qual, ao mesmo tempo em procura proteger o país de possíveis críticas domésticas e internacionais, presta seu apoio à causa argentina. As-sim no discurso diplomático, defende o direito de Buenos Aires à soberania disputada, mas repudia a opção bélica. Nas palavras do chanceler Saraiva Guerreiro, o Brasil reconhece os direitos da Argentina sobre as Malvinas desde 1883, quando, informado o governo imperial pelo de Buenos Aires da ocupação das ilhas pela In-glaterra pela força, instruiu seu ministro plenipotenciário em Londres a apoiar o protesto que faria o representante argentino [...]. Por outro lado, o Brasil sempre propugnava a solução de conflitos por meios pacíficos, diplomáticos, e fazia votos para que, mesmo na situação presente, prevalecessem negociações políticas (apud VIZENTINI, 1998, p. 299).

À procura de uma saída negociada para o conflito, a chancelaria brasileira apresenta uma proposta de pacificação imediata ao Conselho de Segurança das Nações Unidas, que é aprovada como Resolução nº 502, e repele as sanções econômicas contra a Argentina adota-das pela Comunidade Econômica Européia e pelos Estados Unidos; adicionalmente, portos nacionais são utilizados para diminuir o impacto das represálias comerciais aos produtos pla-tinos. Conforme aduzido por Carlos Escudé e Andrés Cisneros (2000), três razões justificam a atitude brasileira contrárias às medidas: estas afetam os interesses da nação vizinha e constitu-em grave precedente no conflito Norte-Sul, igualmente prejudicial ao país; são atitudes agres-sivas adotadas por Estados estranhos ao conflito anglo-argentino; e não encontram funda-mento jurídico na Carta da ONU, na Resolução do Conselho de Segurança ou no GATT.

A par da neutralidade oficial e do posicionamento diplomático de defesa de uma solu-ção pacífica para as desavenças no Atlântico Sul, o Brasil, no campo militar, presta reservada, mas eficaz ajuda às Forças Armadas Argentinas, através da venda de armas a preço simbóli-cos e da cessão de aviões EMB 111 – incluindo a tripulação da FAB – para patrulhamento do litoral e acompanhamento da esquadra britânica (MONIZ BANDEIRA apud SPEKTOR, 2002, p. 120). No desenrolar dos acontecimentos, no dia 01 de maio de 1982, em seqüência ao afundamento do cruzador Belgrano, o porta-voz do Itamaraty divulga que o “Brasil não pode deixar de estar em desacordo com o choque armado realizado na manhã de hoje que caracteriza uma violação do primeiro parágrafo da Resolução 502 do Conselho de Segurança da ONU que determina a cessação das hostilidades. [...] O Brasil reitera a necessidade de que as Nações Unidas ajam sem demora no sentido de restabelecer condições para uma solução negociada da questão.” (FOLHA DE SÃO PAULO, edição de 2 de maio de 1982). E, quase no final do conflito, em 03 de junho, caças da FAB interceptam avião Vulcan britânico que penetrara no espaço aéreo brasileiro e obrigam-no a pousar na base aérea do Galeão, no Rio de Janeiro. Este só é devolvido à tripulação depois de desarmado e de obtida a promessa do embaixador do Reino Unido que a aeronave não seria utilizada nas operações de guerra.

Finalmente, com a interrupção dos canais diplomáticos com Londres, o Brasil assume a representação dos interesses argentinos naquele país, fato de capital importância para a den-sificação do relacionamento entre Brasília e Buenos Aires que perdura durante o governo constitucional de Raúl Alfonsín. Assim, a “diplomacia brasileira negou-se a fazer da Argenti-na um pária no sistema internacional” e o resultado de todo este processo de desenvolvimento de um sistema de confiança mútua é a “existência de um clima de entendimento que daria vida aos protocolos bilaterais de 1986, os quais inauguram uma inovadora parceria” (SPEKTOR, op. cit.).

---

Fonte:
JOSÉ MARCOS CASTELLANI FAJARDO: “ACORDO TRIPARTITE ITAIPU – CORPUS: PONTO DE INFLEXÃO ENTRE A DISPUTA GEOPOLÍTICA E A POLÍTICA DE COOPERAÇÃO”. (Dissertação de Mestrado em Ciência Política. Universidade Federal do Rio Grande do Sul - Programa de Pós-graduação em Ciência Política. Orientador: Prof. Dr. Carlos Schmidt Arturi).  Porto Alegre, 2004.
Nota:
A imagem inserida no texto não se inclui na referida tese.
As notas e referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.
O texto postado é apenas um dos muitos tópicos abordados no referido trabalho.
Para uma compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da tese em sua totalidade.
Direitos autorais:
Segundo Portaria n 5068, de 13/10/2010, da UFRS: “Os trabalhos depositados no Lume estão disponíveis gratuitamente para fins de pesquisa de acordo com a licença pública Creative Commons.”

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Excetuando ofensas pessoais ou apologias ao racismo, use esse espaço à vontade. Aqui não há censura!!!