A TEORIA DO PROCESSO ANALÍTICO
É possível identificar duas
idéias que perpassam as verbalizações no que diz respeito ao papel da teoria no
processo analítico. Para dois dos sujeitos a teoria é fundante do processo,
isto é, indissociável dele, o constrói; para outros dois, a teoria tem um papel
descritivo do processo e é, portanto, não essencial a ele. No primeiro caso
vemos em S1 “Vamos dizer o seguinte, dentro da minha teoria analítica,
dentro dos conceitos básicos de psicanálise do Freud, inconsciente, transferência,
sexualidade, sexualidade infantil, instinto de vida,
instinto de morte,..., tem toda uma cultura minha, de outras leituras, de
literatura, de filosofia, de outras leituras que todos nós temos e que
certamente passam a fazer parte da nossa teoria analítica. Bom, então, vamos
dizer assim, o meu conceito de processo analítico, embora eu possa estar
usando, como por exemplo contigo, uma nomenclatura analítica, mas isto esta
presente em mim como esta presente em mim toda bagagem cultural que eu possa
ter, menor ou maior. (S 1) Aqui, o processo faz parte de uma cultura
orgânica do analista, é um elemento constitutivo, como outros, da dimensão
cultural da pessoa do analista, faz parte da sua constituição cultural.
No segundo caso, temos em S4 “o
processo é constituído pela instalação da transferência, a utilização do
inconsciente tal qual foi definido por Freud que permanece até hoje e que
permite que através de orientações pessoais, preferenciais, de natureza
teórica, mas que respeitem o fundamento básico da psicanálise, operacionalizem
essas modificações psíquicas. É isso que eu chamo de processo. Aqui, a
teorização sobre o processo se dá pelo analista a posteriori, respeitados os
fundamentos básicos, os quais não são teorizados, precedem a teorização.
São, portanto, formas opostas
de entender o processo e procedem do que tanto ETCHEGOYEN quanto KACHELLE
chamam de visão naturalista do processo, por um lado e da visão artificial,
por outro. Embora esses autores não o digam, a visão do processo como algo que
se desenrola naturalmente vem de Freud, está na citação de 1913, quando diz que
o processo “uma vez começado, segue sua própria rota e não permite
que, quer a direção que toma, quer a ordem em que colhe seus pontos, lhe sejam
prescritas” (FREUD,1913). Tal afirmação tem por base a inevitabilidade do
desenvolvimento da transferência como repetição do passado, com base na
pulsão, sem a participação do analista, que pode “supervisionar esse
processo, auxiliá-lo, afastar obstáculos em seu
caminho, e pode indubitavelmente invalidar grande parte dele”
(FREUD,1913), mas não pode
construí-lo com o paciente, porque é independente dele. A esta visão do
processo se opõe o que ETCHEGOYEN (1985) chama de visão artificial, onde
o processo, com a participação do analista, “é criativo, original, não se
repete”(op. cit. 310). KACHELLE (1985), discordando da visão naturalista,
diz que pouco se pode dizer do processo se não o vemos como um modelo
processual, isto é, produto de uma teoria, “o terapeuta não pode conduzir
nem avaliar um tratamento sem ter um modelo”. (p. 341) Na definição
do que considera processo, o analista, implicitamente, diz que modelo é
o seu. Dentro desse modelo o analista define sua participação e estabelece o
que é e o que não é progresso e objetivos, estabelece suas metas e
intervenções.
---
Fonte:
ANUEL JOSÉ PIRES DOS SANTOS: “PROCESSO ANALÍTICO: A CONCEITUAÇÃO EM UM GRUPO DE PSICANALISTAS”. (Orientadoras: Profa. Dra. Lúcia Helena Freitas Ceitlin e Profa. Dra. Maria Lúcia Tiellet Nunes). UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL DEPARTAMENTO DE PSIQUIATRIA E MEDICINA LEGAL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS MÉDICAS MESTRADO EM PSIQUIATRIA. Porto Alegre, 2003.
Fonte:
ANUEL JOSÉ PIRES DOS SANTOS: “PROCESSO ANALÍTICO: A CONCEITUAÇÃO EM UM GRUPO DE PSICANALISTAS”. (Orientadoras: Profa. Dra. Lúcia Helena Freitas Ceitlin e Profa. Dra. Maria Lúcia Tiellet Nunes). UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL DEPARTAMENTO DE PSIQUIATRIA E MEDICINA LEGAL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS MÉDICAS MESTRADO EM PSIQUIATRIA. Porto Alegre, 2003.
Nota:
A imagem inserida no texto não se inclui na referida tese.
As notas e referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.
O texto postado é apenas um dos muitos tópicos abordados no referido trabalho.
Para uma compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da tese em sua totalidade.
Disponível digitalmente no site: Repositório Digital da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Direitos autorais:
Segundo Portaria n 5068, de 13/10/2010, da UFRS: “Os trabalhos depositados no Lume estão disponíveis gratuitamente para fins de pesquisa de acordo com a licença pública Creative Commons.”
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Excetuando ofensas pessoais ou apologias ao racismo, use esse espaço à vontade. Aqui não há censura!!!