“Bárbaros, selvagens e incivilizados”

Em seu excelente ensaio “Pueblos primitivos, pueblos civilizados: Ideologías subyacentes a los lenguajes documentales”, Edgardo Civallero, da Universidad Nacional de Córdoba (Argentina), trata da importância que a lingugem exerceu sobre o processo de dominação entre os povos ao longo da história, especialmente após o advento do evolucionismo de Herbert Spencer, o qual, segundo o autor, foi uma das primeiras escolas de pensamento em antropologia cultural.

De acordo com Spencer, as sociedades, da mesma maneira que os organismos vivos, progrediram da forma simples para a complexa, seguindo por leis imutáveis. Foi deste conceito que Tylor, Morgan e Lubbock desenvolveram um esquema evolutivo com uma série de etapas, as quais iam desde o “selvagerismo” até à “civilização”, passando pelo “barbarismo”. Tanto Tylor quanto Morgan assinalaram que o “primitivo” seria para o “civilizado” o que o menino seria para o adulto.

Todavia, durante todo o longo processo histórico até os dias de hoje, o conceito de “bárbaro, selvagem, incivilizado, subdesenvolvido” e outros de natureza semelhante, sempre foram utilizados por um determinado grupo para definir o “outro” como “inferior ao mesmo tempo em que logravam para si a posição de “superioridade”. Os antigos romanos, por exemplo, consideravam “bárbaros” todos quantos viviam além das fronteiras do Império e que não possuíam a sua cultura.

Os antigos colonizadores europeus consideravam igualmente tanto o índio quanto o negro como povos selvagens, incivilizados e sem alma. Desta forma justificavam as chacinas em nome da “civilização”. O mesmo fez os imperialistas no século XIX e XX, mas desta feita usando argumentos considerados “científicos”, com os quais afirmavam que as “raças inferiores”, isto é, os povos dominados, estavam abaixo na escala evolutiva e, portanto, deviam submeter-se aos seus senhores “civilizados”.

Na Alemanha, durante a Segunda Guerra Mundial, o ditador Hitler, por sua vez, rotulava os judeus de “raça degradada”, ao passo que os alemães eram tidos como modelos de desenvolvimento físico, moral e intelectual. A própria natureza, segundo Hitler, incumbia-se de eliminar os “fracos”:

A própria natureza costuma agir no sentido de limitar o aumento de população de determinadas terras ou raças, em épocas de grandes necessidades ou más condições climáticas, bem como de pobreza do solo; e isso com um método tão sábio quão inexorável. Ela não impede a capacidade de procriação em si e sim, porém, a conservação dos rebentos, fazendo com que eles fiquem expostos a tão duras provações que o menos resistente é forçado a voltar ao seio do eterno desconhecido, o que ela deixa sobreviver às intempéries está milhares de vezes experimentado e capaz de continuar a produzir, de maneira que a seleção possa recomeçar” ("Minha Luta - Mein Kampf").

E, para quem imagina que tais deturpações foram cousas do passado, é preciso lembrar que de uma outra maneira esses mesmos conceitos ainda prevalecem sorrateiramente como algo natural e aceitável em nossos dias. As expressões “países subdesenvolvidos” e “terceiro mundo”, por exemplo, são termos que de algum modo remetem aos mesmos conceitos discriminatórios do passado, só que latentemente oficializados como capazes de designar a realidade dos povos atuais.

A realidade, porém, nem sempre reflete a posição dos "donos do saber". Tomando como exemplo as idéias desenvolvidas pelo naturalista Charles Darwin, é bem comum em suas obras a dualidade entre “raças superiores e civilizadas” e “raças inferiores e selvagens”. Em a “A Origem das Espécies” ele fala claramente de algumas “raças desfavorecidas pela natureza” no processo da evolução. Obviamente que a “raça favorecida” era o homem branco. Os índios, os africanos e os nativos do resto do planeta constituíam as raças incivilizadas no dito processo evolutivo.

Já em seu livro “A Descendência do Homem”, Darwin fez igualmente muitas suposições a respeito da “óbvia desigualdade entre as raças”. Expressou claramente suas inclinações racistas ao definir os nativos da Terra do Fogo visitados por ele em sua viagem em 1871. Os descreveu como humanos “totalmente nus; submergidos em tintas; comendo o que encontravam e iguais aos animais selvagens; descontrolados; cruéis com qualquer que não seja de sua tribo; sentindo prazer nas torturas e seus inimigos; oferecendo sacrifícios cruéis; assassinando os seus filhos e as suas esposas; cheios de superstições (próprias de) ignorantes”. Contudo, W.P. Snow, que havia estado na dita região uma década antes, descreveu aos mesmos nativos como “elegantes, fortes, orgulhosos de seus filhos, engenhosos inventores de técnicas, com noção á propriedade privada de algumas coisas e respeitosos com a autoridade dos mais velhos e da comunidade”. O motivo porque Darwin aviltou tão exageradamente a este povo se deve ao seu anseio de defini-lo como “uma raça que se havia caído do trem da história no processo evolutivo”.

Como afirmou Nélio Marco:
“Escreveu Darwin numa carta a um amigo, W. Graham, em julho de 1881, pouco antes de morrer: "Posso contestar que a seleção natural mais fez para o progresso da civilização do que V. parece inclinado a admitir... As chamadas raças caucasianas mais civilizadas derrotaram o turco falso na luta pela existência. Olhando para o mundo num futuro não muito distante, creio que um número considerável de raças inferiores terão sido eliminadas pelas raças mais altamente civilizadas através do mundo!".

Pelas passagens já reproduzidas e por tantas outras que se encontram em seus escritos, não resta dúvida de que Darwin era um cidadão orgulhoso de sua nacionalidade. Mais que isto, estava convencido de que a sociedade baseada na competição generalizada era a única forma de se atingir o estágio ‘superior’ de ‘civilização’. Ainda jovem, a bordo do Beagle, lamentou as relações igualitárias que os índios da Terra do Fogo mantinham.

Escreveu ele em seu diário: “A perfeita igualdade entre os indivíduos que compõem as tribos da Terra do Fogo deverá retardar-lhes, por muito tempo, a civilização (...) até que algum chefe se levante com poder suficiente para garantir-se a posse de vantagens adquiridas, simples animais domésticos por exemplo, parece quase impossível que o estado político do país possa melhorar. Atualmente, o simples pedaço de tecido que se dá a um índio é rasgado em mil pedaços para contentar a todos, nenhum ficando mais rico do que o outro.

Era com esses olhos que Darwin observava a natureza à sua volta. Vendo uma pradaria sul-americana coberta por uma única espécie vegetal, não tardava a pensar que o lugar tinha sido originalmente ocupado por muitas espécies nativas, que teriam sido exterminadas pela conquistadora.E indo além, adiantava que tal espécie era era européia! Só podia ser mesmo. Europeus massacrando nativos e impondo seu domínio em terras distantes não era nada de incomum naqueles tempos" (BIZZO, O que é darwinismo).

Discorrendo sobre a idéia de superioridade de sua nação, Darwin escreveu no mesmo livro anteriormente citado: “O notáveis êxitos dos ingleses como colonizadores, em comparação com outras nações européias, foram atribuídos à sua energia audaz e persistente. Um resultado que ficou evidenciado ao compararmos o progresso dos canadenses de extração inglesa e francesa” (Origem do Homem, p. 170).”

É bem verdade que essa visão racista era comum naquela era vitoriana. Uma boa parcela da elite inglesa nutria do mesmo sentimento que Charles Darwin. Quiçá por isso o naturalista tenha sua culpa minimizada; no entanto: até que ponto seus ideais ainda não estão vivos e atuantes, hoje, em muitas mentes que o idolatram?

É algo para ser pensado!

É isso!

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