Confissões do "VELHO" Darwin


Recentemente, “fuçando” numa conhecida biblioteca de uma conhecida universidade aqui de São Paulo, deparei-me com o título As Cartas de Charles Darwin, uma seleta de 1825 a 1859, prefaciado por Stephen Jay Gould, e publicado originalmente pela Cambridge University Press e, no Brasil, pela Editora Unesp.
Claro, para a seleção de tais missivas prevaleceu o critério do "não-comprometimento", ou seja, a não publicação de cartas que pudessem arranhar a imagem do naturalista; todavia, ainda assim é possível extrair destas alguma cousa de reveladora. Vejamos...

26 de setembro de 1957, a T.H. HUXLEY:
“Há de chegar um momento, creio, ainda que eu não viva para vê-lo, em que disporemos de árvores genealógicas bastante verdadeiras de cada um dos grandes reino da natureza...” (. 265).

Como é sabido, Darwin criou seu próprio modelo de árvore genealógica, um tipo de arbusto que obedecia cabalmente ao seu rígido e estrito gradualismo. Porém já é notório que o tipo de árvore criado por Darwin é ilusório, não correspondendo a realidade vivenciada na natureza. Lembrando ainda que foi desse conceito de "árvore" que nasceu a árvore racial de Haeckel, de evolução como progresso.
3 de outubro de 1857, a T.H. HUXLEY:
“Eu sabia, é claro, da visão que Cuvier tem da Classificação, mas, creio que a maioria dos naturalistas procura algo mais, & busca "o sistema natural",— "o projeto segundo o qual trabalhou o Criador" (p. 266).

O Termo “projeto”, na frase de Darwin, demonstra claramente que ele via a natureza como se fosse desenhada. Na verdade, todos os biólogos (e inclusive o zoólogo Dawkins) admitem o que eles chamam de “desenho aparente” na natureza. Apenas justificam-no mediante a seleção natural e outros “aliados evolutivos coadjuvantes”.

29 de novembro de 1857, a ASA GRAY
(nesta carta, Darwin admite que seu trabalho é meramente indutivo, e que seu erro mais comum é ausência de dados; também justifica o uso do termo Seleção Natural):
"O que sugeres em linhas gerais é muito, muito verdadeiro, ou seja, que meu trabalho será deploravelmente hipotético & que grandes partes não serão dignas, de modo algum, de serem chamadas de indutivas,
consistindo o meu erro mais comum, provavelmente, na indução a partir de um número muito pequeno de dados.— Eu não havia pensado em tua objeção a meu uso do termo "Seleção natural" como agente; utilizo-o, na condição de agente, tanto quanto um geólogo emprega a palavra Desnudação para expressar o resultado de várias ações conjuntas. Tomarei o cuidado de explicar, não apenas por inferência, o que pretendo dizer com esse termo, pois preciso utilizá-lo; caso contrário, teria que ampliá-lo reiteradamente em algum tipo de fórmula (aqui precariamente expressa) como a seguinte: "tendência à preservação (graças à severa luta pela vida a que estão expostos todos os seres orgânicos, em algum momento ou geração) de qualquer das variações mais ínfimas, em qualquer lugar, que seja da mais ínfima serventia, ou que seja favorável à vida do indivíduo que sofreu tal variação, juntamente com a tendência à sua herança". Qualquer variação que não tivesse nenhuma utilidade para o indivíduo não seria preservada por esse processo de "seleção natural".
Mas não vou cansar-te prosseguindo neste assunto, pois não creio que conseguisse deixar mais claro o que pretendo dizer sem me estender enormemente.— Acrescentarei apenas mais uma frase: diversas variedades de Ovelhas foram soltas ao mesmo tempo nas Montanhas de Cumber-land, & o que se verifica é que uma raça em particular sai-se tão melhor do que todas as demais, que praticamente leva as outras a morrerem de inanição: eu diria, nesse caso, que a seleção natural escolheu essa raça, & tendeu a aperfeiçoá-la, ou teria tendido a formá-la primitivamente...” (p. 267).

Interessante! Darwin admite claramente o emprego do termo Seleção Natural como um agente. Note-se que no fim da carta ele trata da seleção artificial, vendo nela a ação do próprio "agente" seleção natural.

E, na mesma carta:
"Aliás, um dia desses, encontrei Phillips, o Paleontólogo, & ele me perguntou: "como defines uma espécie?".— Respondi-lhe: "Não consigo". Ao que ele disse: "finalmente descobri a única definição verdadeira: 'qualquer forma que tenha tido, algum dia, um nome específico'!"

A dificuldade de se definir "espécie" é clara, aqui. Interessante que seus seguidores póstumos não tiveram nenhum problema em elegerem uma definição assim, digamos, mais conveniente segundos seus interesses epistêmicos.

"Indagastes se discutirei o "homem";— creio que evitarei todo esse assunto, por ser muito cercado de preconceitos, embora reconheça plenamente que ele é o problema supremo & mais interessante para um naturalista”
(p. 270).

É aquilo que Nélio Bizzo escreve em “
O que é Darwinismo”:
No “A Origem das Espécies”, ele “passa comodamente ao largo das implicações de sua teoria com o Homem. No entanto, no seu “Origem do Homem”, ele penetra na questão e, aí, suas opiniões deixam pouca margem de dúvida” (p.67).

Darwin, ao contrário de Wallace acreditava que a Seleção Natural moldou inclusive a mente humana. Wallace não conseguia conceber à mente outra realidade senão à metafísica.

18 de junho de 1858, a CHARLES LYELL:
“Disseste isso quando te expliquei aqui, muito sucintamente, minhas ideias sobre o fato de a "Seleção Natural" depender da Luta pela vida.— Nunca vi coincidência mais impressionante. Se Wallace dispusesse do esboço do manuscrito que escrevi em 1842, não poderia ter feito dele um resumo melhor! Até seus termos figuram agora como Títulos de meus Capítulos” (p. 274).

Discute-se acerca de quem teria elaborado primeiro o conceito de Seleção Natural, se Wallace ou se Darwin. É notório que Wallace já havia antecipado Darwin nesta conclusão. O que deveria ser discutido é se Darwin plagiou ou não o trabalhado dele.

25 de junho de 1858, ao mesmo LYELL:
“Não há nada no esboço de Wallace que não tenha sido escrito com muito mais detalhes em meu esboço transcrito em 1844, & lido por Hooker uns doze anos atrás. Há mais ou menos um ano, enviei um pequeno resumo de minhas ideias, do qual tenho uma cópia, a Asa Gray (em virtude da correspondência quanto a diversos pontos), de modo que poderia, com toda a veracidade, afirmar & provar que não tirei nada de Wallace. Eu ficaria extremamente feliz, neste momento, em publicar um esboço de minhas concepções gerais, com cerca de dez páginas. Mas não consigo convencer-me de que possa fazê-lo de maneira honrada. Wallace não fala nada sobre qualquer publicação, & eu te envio sua carta em anexo.— Mas, visto que eu não tencionava publicar nenhum resumo, será que posso fazê-lo honradamente, pelo fato de Wallace me haver remetido um esboço de sua doutrina?— Eu preferiria, sem termos de comparação, queimar meu livro inteiro a que ele ou qualquer outro homem considerasse que me portei com espírito mesquinho. Não achas que o fato de ele me haver remetido esse resumo deixa-me de mãos atadas? Não creio, minimamente, que ele tenha concebido suas ideias a partir de nada que eu possa ter-lhe escrito” (p.275).

Uma coisa é certa. É indiscutível a maior influência de Charles Darwin no âmbito acadêmico da época. Se ele se beneficiou ou não dessa "vantagem adaptativa" é discutível, contudo, o fato é que nesses termos e, também, no pecuniário, Wallace era sem dúvida o "menos apto".

29 de junho de 1858, a J.D. HOOKER:
“Espero em Deus que ele não tenha sofrido tanto quanto parecia. Ele teve uma piora muito súbita. Foi Febre Escarlatina. Foi o mais abençoado alívio ver seu pobre rostinho inocente retomar sua expressão suave, no sono da morte.— Graças a Deus, ele nunca mais sofrerá neste mundo.Recebi tuas cartas” (p. 276).
É constante a menção de Darwin à Divindade. Talvez por força do hábito. Seja como for, isso demonstra de certa forma o quanto essa questão atormentava o naturalista inglês.

4 de julho de 1858, a ASA GRAY:
"Lyell, que está familiarizado com minhas ideias, conversou com Hooker (que, doze anos atrás, leu um longo rascunho meu, redigido em 1844), e {os dois} insistiram, com muita gentileza, em que eu não deixe que outra pessoa se antecipe a mim...” (p. 278).

Gould realmente tem razão! Darwin temia ser antecipado por Wallace e recebeu todo o apoio da academia, para não deixar que o “pobre” Wallace publicasse primeiro o trabalho sobre seleção natural.

13 de julho de 1858, a J.D. HOOKER:
"Sempre julguei muito possível que alguém se antecipasse a mim, porém imaginava ter uma alma suficientemente nobre para não me importar; entretanto, descobri-me equivocado & punido; apesar disso, eu estava bastante resignado, &: já escrevera metade de uma carta a Wallace para lhe conceder toda a prioridade, & decerto não a teria modificado, não fosse pela extraordinária bondade tua &t de Lyell. Asseguro-te que posso senti-la & que não a esquecerei” (p. 279).

Aqui, Darwin, ao mesmo tempo em que demonstra uma espécie de sentimento de culpa por não ter permitido que Wallace publicasse primeiro seu trabalho, ele ainda confessa seu desejo de antecipá-lo, coisa que de fato o fez.

25 de novembro, a HERBERT SPENCER:
“Rogo-vos permissão para agradecri sinceramente pela enorme gentileza de me presenteardes com vossos Ensaios.— Já li vários deles com grande interesse. Vossos comentários sobre a tese geral da chamada Teoria do Desenvolvimento parecem-me admiráveis. No momento, estou preparando um resumo de um trabalho maior sobre as mudanças das espécies; porém trato o assunto como um simples naturalista & não de um ponto de vista geral; se assim não fosse, em minha opinião, seria impossível aprimorar vossa tese, & ela poderia ser citada por mim com grande benefício.
Vosso artigo sobre a Música também me interessou muito, pois penso frequentemente no assunto & havia chegado praticamente às mesmas conclusões que vós, embora não esteja apto a corroborar essa ideia com detalhes. Além disso, por uma curiosa coincidência, há anos que a Expressão tem sido um de meus temas favoritos na especulação sem compromisso, & concordo inteiramente convosco em que toda expressão tem algum significado biológico.—
Espero poder aproveitar vossas críticas sobre o estilo &, com meus melhores agradecimentos, subscrevo-me, | Prezado Senhor, | Mui atenciosamente, C. Darwin” (p. 283).

Para quem não sabe, Spencer foi o iniciador do chamado “darwinismo social”, do qual culminou o nazismo, o fachismo e outra ideologias totalitárias, no século passado. Spencer nutria grande estima por Darwin, o qual não nutria menor sentimento por ele. Em quase todas as suas obras Darwin faz menção de Spencer, inclusive no “
A Origem das Espécies” (salvo engano umas cinco vezes).

30 de março de 1859, a CHARLES LYELL:
“Tamém lamento o termo “Seleção Natural”, mas espero conservá-lo como {uma} Explicação mais ou menos assim: - “Através da Seleção natural ou preservação das raças favorecidas” (p. 289).

Originalmente este era o título do livro mais famoso de Darwin. Posteriormente ele fora suprimido de forma estratégica pelos seus admiradores póstumos.

6 de abril de 1859, a WALLACE:
"Tendes razão {em presumir} que cheguei à conclusão de que a Seleção era o princípio da mudança a partir do estudo das produções domésticas; & depois, ao fazer a leitura de Malthus, vi imediatamente como aplicar esse princípio.— A Distribuição Geográfica & as relações Geológicas entre os habitantes extintos e recentes da América do S. foram as primeiras a me conduzir a esse assunto. Especialmente o caso das Ilhas Galápagos” (p. 292).

Isto é para quem acha que Darwin elaborou sua teoria em à base de conceitos originalíssimos! Numa bela poltrona e... tam tam tam! ((rs))

12 de abril de 1859, a J.D. HOOKER:
"Eu recomendaria que tomes cuidado ao fazeres afirmações muito genéricas (achei que talvez soubesses de casos isolados que não me fossem conhecidos) sobre o fato de as espécies não variarem por muitas gerações &, depois, repentinamente, passarem a variar. Até certo ponto, acredito muito nisso, isto é, em que uma planta não varia em menos de algumas gerações (talvez doze, mais ou menos), & depois começa a vadiar, possivelmente de maneira repentina {e}, mais provavelmente, de maneira gradativa. Entretanto, até minha crença nisso é baseada em pouquíssimos dados.— Creio que é possível fornecer uma outra explicação muito diferente de uma espécie de crença corrente na doutrina, qual seja, a de que as variações frequentemente passam despercebidas &, enquanto não são percebidas & não se acumulam, não aparecem (p. 293).
Essa é boa! O que será que Gould viu nos fósseis que o levou a elaborar a teoria do Equilibrio Pontuado?

Esse é "velho" Darwin! Na maior cara de pau pedindo segredo a Hooker que evitasse fazer “afirmações muito genéricas” sobre o que mesmo?

É isso!

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