Crença religiosa e atentados suicidas

Quais seriam as motivações primárias que levariam as pessoas a cometer atentados suicidas? Será que a crença religiosa é de fato suficiente e necessária para gerar homens-bomba?

Bem. Dawkins (e seus discípulos) não tem a menor dúvida disso:
“Nossos políticos ocidentais evitam mencionar a palavra que começa com R (religião), e em vez disso caracterizam sua batalha como uma guerra contra o "terror", como se o terror fosse uma espécie de espírito ou força, com vontades e razões. Ou caracterizam os terroristas como pessoas motivadas pela pura "maldade". Mas elas não são motivadas pelo mal. Por mais equivocadas que as consideremos, elas são motivadas, como os assassinos cristãos de médicos que fazem abortos, pelo que elas entendem ser a execução correta e fiel daquilo que sua religião lhes diz. Não são psicóticos; são idealistas religiosos que, ao seu próprio ver, são racionais. Percebem seus atos como bons, não por causa de uma idiossincrasia pessoal distorcida, e não porque tenham sido possuídos por Satã, mas porque foram ensinados, desde o berço, a ter uma fé total e indiscutível”.

Fonte:
Richard Dawkins. “Deus, um Delírio”, p. 313, 314.

Pois bem. A conclusão de Dawkins (e de seus discípulos) não pode ser encarada sem levar em conta seu compromisso com o ateísmo dogmático. Sim, pois à luz dos dados observados, a realidade não é tão simples assim como tenta supor esse ideólogo inglês.

Por exemplo, num estudo realizado pelo professor Robert Pape (da Universidade de Chicago), em que foram analisados os 188 ataques suicidas efetuados entre 1980 e 2001, concluiu-se que o terrorismo não está essencialmente ligado ao fervor religioso. O exame de todos os atos de terrorismo suicida ao longo dos últimos 25 anos, levou-o a concluir que homens-bomba são conduzidos principalmente por "uma ideologia perversa independente de outras circunstâncias".

Disse ele:
"Os fatos são que desde 1980 metade dos ataques têm sido seculares. Poucos dos terroristas ajustam-se ao estereótipo padrão... Metade deles não são de todo fanáticos religiosos. De fato, mais de 95 por cento dos ataques suicidas por todo o mundo não são por motivos religiosos, mas para um objetivo específico estratégico — obrigar os Estados Unidos e outros países ocidentais a abandonar compromissos militares na Península Arábica e em países que eles encaram como sua pátria ou estimam grandemente...

A ligação entre a cólera as ações militares americanas, britânicas e ocidentais e a capacidade da al-Qaeda para recrutar terroristas suicidas para nos matar não poderia ser mais estreita". Em outras palavras, o terrorismo, muito mais do que resultado de crença religiosa, é conseqüência lógica da "política externa" de alguns países, como os Estados Unidos e Inglaterra.

Em seu estudo, Pape afirma que “desde 2002, Al Kaeda esteve envolvida em 17 atentados que mataram mais de 700 pessoas – mais ataques e vítimas do que em todas as ações que precederam 11/9”. Todavia, segundo ele, o objetivo estratégico deste grupo, muito mais do que propagar o fundamentalismo muçulmano, é forçar a retirada das tropas dos EUA e seus aliados do Oriente Médio e de outros países muçulmanos.

A grande parte dos terroristas vem da Arábia Saudita e de outros países do Golfo Pérsico, seguidos pelos principais aliados americanos no mundo muçulmano: Egito, Turquia, Paquistão, Indonésia e Marrocos. Ou seja. Não saiu de países que o Departamento de Estado acusa de fomentar o terrorismo, como Irã, Iraque, Líbia e Sudão.

O Afeganistão e o Iraque, principais alvos da contra-ofensiva dos EUA, só produziram seus próprios terroristas suicidas depois das invasões americanas, embora o primeiro fosse claramente o principal centro de treinamento dos jihadistas, com apoio direto do regime criado pela milícia dos Talebã (estudantes) em meio ao caos criado depois da retirada soviética, em 1989.

A seguir, transcrevo uma entrevista de Robert Pape à Folha de S. Paulo, na qual ele aborda com clareza a questão:

Ocupações impulsionam terror, diz especialista

GUSTAVO CHACRA
Colaboração para a Folha de S.Paulo, em Nova York

O terrorismo suicida é lógico, não tem motivação religiosa e poderia ser reduzido ou até mesmo eliminado se os Estados Unidos, seus aliados e Israel se retirassem de territórios ocupados. A afirmação é de Robert Pape, professor da Universidade de Chicago e autor do livro "Dying to Win: The Strategic Logic of Suicide Terrorism" (morrendo para vencer: a estratégia lógica do terrorismo suicida). Leia a seguir, trechos da entrevista à Folha de S.Paulo concedida por telefone, de Chicago.

FOLHA - Afinal, qual é a lógica de pessoas que querem se explodir em aeronaves, restaurantes, ônibus, metrôs e prédios?

ROBERT PAPE - O problema do terrorismo é o da ocupação de território por forças estrangeiras. Isto é, os Estados Unidos estão no Iraque e estavam na Arábia Saudita ou no Líbano desde que se tornaram alvos de ataques terroristas. Não havia ações contra os americanos anteriormente. Israel sofreu ataques suicidas no Líbano quando ocupou o território libanês. Após a sua retirada em 2000, nunca mais foi alvo. O mesmo vale para a ocupação dos territórios palestinos.

FOLHA - São apenas motivações nacionalistas, como o senhor escreveu no seu livro? Não há um fanatismo religioso islâmico?

PAPE - Ao se analisar todos os ataques suicidas cometidos por organizações não-governamentais desde 1980, verifica-se que 95% delas tiveram motivação nacionalista ou secular. Apenas 5% teriam cunho religioso, o que pode ocorrer em qualquer tipo de ataque, não apenas suicida. O grupo que mais cometeu atentados suicidas é Tigres Tâmeis, do Sri Lanka, e eles não são muçulmanos. Todos os líderes da rede terrorista Al Qaeda já deixaram claro que querem a desocupação de territórios ocupados por forças ocidentais e dos regimes aliados locais. Não se trata de uma motivação religiosa, mas territorial ou política. No 11 de Setembro, os EUA tinham tropas na Arábia Saudita. Os líderes dos ataques terroristas contra Londres também deixaram claro que queriam o fim da ocupação do Iraque.

FOLHA - Isso explica o porquê de o Hizbollah reduzir seus ataques após a retirada israelense do sul do Líbano, em maio de 2000?

PAPE - O Hizbollah matou 700 israelenses quando Israel ocupava o sul do Líbano, no anos 1990. Entre 2000 e julho deste ano, quando Israel esteve fora do Líbano, foram apenas 11 israelenses mortos, todos soldados e ainda assim nas fazendas de Shebaa [área ainda ocupada por Israel]. O ataque contra os militares israelenses que serviu de detonador do conflito é algo comum onde há tensão fronteiriça em várias partes do mundo. Com a nova ocupação, mais de cem israelenses já foram mortos. Então é óbvio que o melhor para os israelenses é não ocupar o Líbano. O mesmo se aplica também para os territórios palestinos.

FOLHA - Mas os palestinos continuaram atacando Israel após a retirada da faixa de Gaza.

PAPE - Continuaram porque Israel ainda ocupa a Cisjordânia.

Folha - Tanto o Hamas em Gaza como o Hizbollah no Líbano têm usado mísseis em vez de atentados suicidas. Por quê?

PAPE - Porque eles têm armamentos melhores agora. Assim que o arsenal do Hizbollah diminuir, o grupo voltará a praticar atentados suicidas contra israelenses. Não apenas no Líbano mas também em Tel Aviv desta vez. Porém, se Israel se retirar do Líbano, o Hizbollah encerrará os ataques. Não podemos confundir os grupos. O Hizbollah não atacou Israel na Intifada. Quem atacava era o Hamas, o Jihad Islâmico, as Brigadas dos Mártires de al Aqsa, que são palestinos. Sem ocupação, não há ataques.

FOLHA - É por esse motivo que o Hizbollah praticamente nunca comete ataques fora da região, e o Hamas jamais os realizou?

PAPE - O Hizbollah nunca agiu fora do Líbano ou de Israel. As ações contra alvos judaicos na Argentina nos anos 1990 são atribuídas ao grupo, mas acho que não é obra do Hizbollah. Mesmo que fosse, seria um caso isolado. O Hizbollah, se quisesse, atingiria alvos judaicos em Nova York, mas estrategicamente não é o caso e nem será. Claro que o Hizbollah é anti-semita e odeia Israel, mas taticamente o grupo não levará adiante ataques como os de agora se não houver ocupação.

FOLHA - E as pessoas com ligações com a Al Qaeda que realizaram atentados em Londres, bem longe das zonas de conflito? Como o senhor explica?

PAPE - Esses cidadãos têm dupla lealdade, isto é, também seguem os seus países de origem ou países e povos com os quais simpatizam com a causa. Eles não querem que os EUA, o Reino Unido, Israel ou quem quer que seja ocupe o Iraque, o Afeganistão, o Líbano ou os territórios palestinos. Basta ler o que dizem os comunicados deles. Sempre fazem referência à ocupação desses países. Eles querem que desocupem suas terras, não querem ocupar a de ninguém.

FOLHA - Os EUA e Israel estão errados nas suas políticas para combater a Al Qaeda e o Hizbollah?

PAPE - Estão completamente errados. Israel tem de sair o quanto antes do Líbano. Os israelenses ficariam mais seguros longe de lá. Os EUA também precisam sair do Iraque e do Afeganistão. O terrorismo contra os americanos diminuiria quase 100% se não houvesse ocupação de territórios árabes ou muçulmanos.

P.S.:
Tais dados também servem como refutação ao dogmatismo ateísta de Richard Dawkins e de seus discípulos, que vêem na crença religiosa a raiz de todos os males.

É isso!

Um comentário:

  1. Concordo com o Pape em que os EUA tirassem as tropas do oriente médio, e israel fosse abandonada pelos judeus os ataques não teria mais motivos para acontecer.
    Mas vale destacar dois coisas importantes nisso os países que usam homens bombas são controlados por governos teocráticos (Teocracia é o sistema de governo em que as ações políticas, jurídicas e policiais são submetidas às normas de alguma religião). Também se esqueceu de dizer sobre o Jihad ou melhor guerra santa contra os judeus e os americanos, também não disse que quem morre na guerra santa vai para o paraíso com direito a viver fazendo uma suruba com várias virgens, também não diz que o motivo deles quererem tanto Israel é porque é uma terra sagrada para os muçulmanos também.
    Vamos lembrar da iraniana que vai morrer apedrejada por adultério.
    Vamos celebrar a estupidez humana como você quizer!!!

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