"Morte e Vida Severina"

Somos muitos Severinos
iguais em tudo na vida:
na mesma cabeça grande
que a custo é que se equilibra,
no mesmo ventre crescido
sobre as mesmas pernas finas
e iguais também porque o sangue,
que usamos tem pouca tinta.
E se somos Severinos
iguais em tudo na vida,
morremos de morte igual,
mesma morte Severina:
que é a morte de que se morre
de velhice antes dos trinta,
de emboscada antes dos vinte
de fome um pouco por dia
(de fraqueza e de doença
é que a morte Severina
ataca em qualquer idade,
e até gente não nascida).
Somos muitos Severinos
iguais em tudo e na sina:
a de abrandar estas pedras
suando-se muito em cima,
a de tentar despertar
terra sempre mais extinta,
a de querer arrancar
alguns roçado da cinza.

“Morte e Vida Severina”, de João Cabral de Melo Neto

Há algum tempo, numa dessas movimentadas ruas de uma grande cidade de São Paulo, encontrei um velho colega de faculdade, um ateu convicto e militante esquerdista. "Marxista até no DNA". ((rs))

Conversa vai e conversa vem e, repentinamente, em forma de desabafo, confessou-me ele que havia passado por duas cirurgias para retirada de tumores malignos no fígado. Para quem havia enfrentado tão árdua batalha e ainda aguardava na fila por um transplante, ele me pareceu um tanto disposto, embora com visível pessimismo. E não era para menos! A morte para ele, segundo suas próprias palavras, era apenas uma questão de tempo! A partir daí, travamos um diálogo cordial sobre esta intricada questão.

- Não tenho nem um pouco medo de morrer, dizia ele um tanto hesitante. Ao que retruquei que o medo da “indesejada das gentes”, como dizia Manuel Bandeira, é algo muito natural, e ninguém está imune a ele.

Após despejar toda sua revolta contra a idéia de um “deus injusto, que nada faz para aliviar a dor humana”, declarou-me que tinha absoluta certeza de que nada havia após a morte, e que a fé na imortalidade da alma era algo profundamente irracional e ilógico.
Argumentei que não havia nada a perder caso pensasse o contrário. Bom, despedimo-nos e seguir para casa a fim de saber notícias de uma conhecida senhora que acabara de falecer...

Que vantagem nossos supostos ancestrais realmente podiam extrair, na
aurora da humanidade, ao saber que tinham que inevitavelmente morrer?

Por que temos medo da morte?

Por que, como dizia Kant, o coração humano recusa-se a acreditar num universo sem uma finalidade?

Por que, como dizia Pascal, é mais fácil suportar a morte sem pensar nela do que suportar o pensamento da morte sem morrer?

Por que, como dizia Bacon, os homens temem a morte como as crianças temem ir ao escuro?

E, para finalizar, Thomas Hobbes, quando em seu leito de morte:
Estou prestes a iniciar minha última viagem, um salto terrível no escuro”.

É isso!

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