Seleção Natural como agente aperfeiçoador

Não obstante os póstumos discípulos de Darwin ignorem o fato taxativamente, é certo que, para este naturalista inglês, o mecanismo de Seleção Natural deveria funcionar como um agente aperfeiçoador do processo evolutivo, atuando pela vida e pela morte, pela sobrevivência do “mais apto” e pela eliminação dos “menos aperfeiçoados”. A Seleção Natural, pois, de certa forma teria às mesmas credenciais de uma divindade onipotente, que, como um exímio oleiro, molda e dar forma à sua arte com extrema habilidade e perfeição. Em todo o livro “A Origem das Espécies”, Darwin faz menção do processo evolucionário como um evento de progressão contínua do “inferior” para o “superior”, do “menos apto” para o “mais apto” e do “imperfeito” para o "verdadeiro modelo de perfeição". Os trechos a seguir, todos extraídos desse referido livro, se não confirmam com perfeição, ao menos apontam com algum primor para esta tese “herética e antidarwinianamente suspeita”.
“Neste caso, ligeiras modificações, favoráveis em qualquer grau que seja aos indivíduos de uma espécie, adaptando-as melhor a novas condições ambientes, tenderiam a perpetuar-se, e a seleção natural teria assim materiais disponíveis para começar a sua obra de aperfeiçoamento” (p. 96).

“Se é vantajoso a uma planta que as suas sementes sejam mais facilmente disseminadas pelo vento, é tão fácil à seleção natural produzir este aperfeiçoamento como é fácil ao agricultor, pela seleção metódica, aumentar e melhorar a penugem contida nas cascas dos seus algodoeiros” (p.
100).

“Enfim, o isolamento assegura a uma nova variedade todo o tempo que lhe é necessário para se aperfeiçoar lentamente, e é este algumas vezes um ponto importante. Contudo, se a região isolada é muito pequena, ou porque seja cercada de barreiras, ou porque as condições físicas sejam todas particulares, o número total dos seus habitantes será também muito pouco considerável, o que retarda a ação da seleção natural, no ponto de vista da seleção de novas espécies, porque as probabilidades da aparição de variedades vantajosas são diminutas" (p.
119).

“Depois das alterações físicas, de qualquer natureza, toda a emigração deve ter cessado, de maneira que os antigos habitantes modificados devem ter ocupado todos os novos lugares na economia natural de cada ilha; enfim, o lapso de tempo decorrido permitiu às variedades, que habitavam cada ilha, modificar-se completamente e aperfeiçoar-se. Quando, após os elevamentos, as ilhas se transformaram de novo num continente, uma luta muito viva deve ter recomeçado; as variedades mais favorecidas ou mais aperfeiçoadas puderam então estender-se; as formas menos aperfeiçoadas foram exterminadas, e o continente estaurado mudou de aspecto com respeito ao número relativo dos habitantes. Aí, enfim, abre-se um novo campo à seleção natural, que tende a aperfeiçoar ainda mais os habitantes e a produzir novas espécies” (p.
122).

Resulta daí que as espécies raras se modificam ou se aperfeiçoam menos rapidamente num tempo dado; por conseqüência, são vencidas, na luta pela existência, pelos descendentes modificados ou aperfeiçoados das espécies comuns” (p. 123).

“Os descendentes modificados dos ramos mais recentes e mais aperfeiçoados tendem a tomar o lugar dos ramos mais antigos e menos aperfeiçoados, e por isso a eliminá-los; os ramos inferiores do diagrama, que não chegam até às linhas horizontais superiores, indicam este fato” (p.
132).

Mas, durante a marcha das modificações, representadas no diagrama, um outro dos nossos princípios, o da extinção, deve ter gozado um papel importante. Como, em cada país bem provido de habitantes, a seleção natural atua necessariamente, dando a uma forma, que faz o objeto da sua ação, algumas vantagens sobre outras formas na luta pela existência, produz-se uma tendência constante entre os descendentes aperfeiçoados de uma espécie qualquer para suplantar e exterminar os seus predecessores e a sua origem primitiva. É preciso lembrar, com efeito, que a luta mais viva se produz ordinariamente entre as formas que estão mais próximas umas das outras, em relação aos hábitos, constituição e estrutura. Por conseqüência, todas as formas intermediárias entre a forma mais antiga e a forma mais moderna, isto é, entre as formas mais ou menos aperfeiçoadas da mesma espécie, assim como a espécie origem própria, tendem ordinariamente a extinguir-se. É provavelmente da mesma maneira para muitas das linhas colaterais completas, vencidas por formas mais recentes e mais aperfeiçoadas" (p. 33).

"As espécies representativas,
em número de catorze para a décima quarta geração, têm provavelmente herdado algumas destas vantagens; e são, além disso, modificadas, aperfeiçoadas de diversas maneiras, em cada geração sucessiva, de forma a melhor adaptar-se aos numerosos lugares vagos na economia natural do país que habitam" (p. 34).

"Também a luta para a produção de descendentes novos e modificados se estabelece principalmente entre os grupos mais ricos que tentam multiplicar-se. Um grupo numeroso prevalece sobre um outro grupo considerável, reduzindo-o em número e diminuindo assim as suas probabilidades de variação e aperfeiçoamento. Num mesmo grupo considerável, os subgrupos mais recentes e mais aperfeiçoados, aumentando sem cessar, apoderando-se a cada instante de novos lugares na economia da natureza, tendem constantemente também a suplantar e destruir os subgrupos mais antigos e menos aperfeiçoados. Enfim, os grupos e os subgrupos pouco numerosos e vencidos acabam por desaparecer" (p. 137).

" Cada
ser, e é este o ponto final do progresso, tende a aperfeiçoar-se cada vez mais relativamente a estas condições. Este aperfeiçoamento conduz inevitavelmente ao progresso gradual da organização do maior número de seres vivos em todo o mundo. Mas referimo-nos aqui a um assunto muito complicado, porque os naturalistas ainda não definiram, de uma forma satisfatória para todos, o que deve compreender-se por «um progresso de organização». Para os vertebrados, trata-se claramente de um progresso intelectual e de uma conformação que se aproxime da do homem" (p. 138).

"Se adotamos, como critério de uma alta organização, a soma das diferenciações
e de especializações dos diversos órgãos em cada indivíduo adulto, o que compreende o aperfeiçoamento intelectual do cérebro, a seleção natural conduz claramente a esse fim" (p. 139).

"Dei o nome de seleção natural a este princípio de conservação
ou de persistência do mais apto. Este princípio conduz ao aperfeiçoamento de cada criatura relativamente às condições orgânicas e inorgânicas da sua existência; e, por conseguinte, na maior parte dos casos, ao que podemos considerar como um progresso de organização. Todavia, as formas simples e inferiores persistem muito tempo quando são bem adaptadas às condições pouco complexas da sua existência" (p. 145).

"A
seleção natural, como acabamos de fazer observar, conduz à divergência dos caracteres e à extinção completa das formas intermediárias e menos aperfeiçoadas" (p. 146).

"A seleção natural atua apenas pela conservação das modificações vantajosas;
cada nova forma, sobrevindo numa localidade suficientemente povoada, tende, por conseqüência, a tomar o lugar da forma primitiva menos aperfeiçoada, ou outras formas menos favorecidas com as quais entra em concorrência, e termina por exterminá-las. Assim, a extinção e a seleção natural vão constantemente de acordo. Por conseguinte, se admitimos que cada espécie descende de alguma força desconhecida, esta, assim como todas as variedades de transição, foram exterminadas pelo fato único da formação e do aperfeiçoamento de uma nova forma" (p. 185).

"Por conseqüência,
as formas mais comuns tendem, na luta pela existência, a vencer e a suplantar as formas menos comuns, porque estas últimas modificam-se e aperfeiçoam-se mais lentamente" (p. 189).

"A seleção natural atuando somente pela vida e pela morte, pela persistência
do mais apto e pela eliminação dos indivíduos menos aperfeiçoados, experimentei algumas vezes grandes dificuldades para me explicar a origem ou a formação de partes pouco importantes; as dificuldades são tão grandes, neste caso, como quando se trata dos órgãos mais perfeitos e mais complexos, porém são de uma natureza diferente" (p. 214).

"Constituindo o enrolamento o modo mais simples de subir por um suporte e
formando a base da nossa série, pode naturalmente perguntar-se como puderam adquirir as plantas esta aptidão nascente, que mais tarde a seleção natural aperfeiçoou e aumentou" (p. 262).

"Não há improbabilidade
alguma em acreditar que, nos numerosos insetos, que imitam diversos objetos, uma semelhança acidental com um objeto qualquer foi, em cada caso, o ponto de partida da ação da seleção natural, cujos efeitos deviam aperfeiçoar-se mais tarde pela conservação acidental das variações ligeiras que tendiam a aumentar a semelhança" (p. 265).

"Quando um grande número de habitantes de qualquer
região se modifica e aperfeiçoa, resulta do princípio da concorrência e das relações essenciais que têm mutuamente entre si os organismos na luta pela existência, que toda a forma que não se modifica e não se aperfeiçoa em certo grau deve ser exposta à destruição. E dá-se isto porque todas as espécies da mesma região acabam sempre, se se considera um lapso de tempo suficiente longo, por se modificar, porque de outra forma desapareceriam" (p. 383).

"Mas se supusermos a destruição da origem-mãe, o torcaz - e
temos toda a razão para acreditar que no estado de natureza as formas pais são geralmente substituídas e exterminadas pelos seus descendentes aperfeiçoados - seria pouco provável que um pombo-pavão, idêntico à raça existente, pudesse derivar da outra espécie de pombo ou mesmo de alguma outra raça bem fixa do pombo doméstico" (p. 384).

"Temos, até ao presente, falado apenas incidentemente do desaparecimento
das espécies e dos grupos de espécies. Pela teoria da seleção natural, a extinção das formas antigas e a produção das formas novas aperfeiçoadas são dois fatos intimamente conexos" (p. 385).

"A concorrência é geralmente mais rigorosa, como com exemplos o demonstramos
já, entre as formas que se semelham em todos os pontos de vista. Por conseguinte, os descendentes modificados e aperfeiçoados de uma espécie causam geralmente o extermínio da origem-mãe; e se muitas novas formas, provindo de uma mesma espécie, conseguem desenvolver-se, são as formas mais próximas desta espécie, isto é, as espécies do mesmo gênero, que se encontram mais expostas à destruição" (p. 389).

"As espécies antigas, vencidas
pelas novas formas vitoriosas, às quais cedem o lugar, são geralmente aliadas em grupos, conseqüência da herança comum de alguma causa de inferioridade; à medida pois que os grupos novos e aperfeiçoados se espalham na Terra, os antigos desaparecem, e por toda a parte há correspondência na sucessão das formas, tanto na sua primeira aparição como no desaparecimento final" (p. 393).

"Vimos, no quarto capítulo, que, em todos os seres organizados que atingiram
a idade adulta, o grau de diferenciação e de especialização dos diversos órgãos nos permite determinar o grau de aperfeiçoamento e superioridade relativa. Vimos também que, a especialização dos órgãos constituindo uma vantagem para cada ser, deve a seleção natural tender a especializar a organização de cada indivíduo, e a torná-la, em tal ponto de vista, mais perfeita e mais elevada" (p. 402).

"Parece-me, por outro lado, que todas as leis
essenciais estabelecidas pela paleontologia proclamam claramente que as espécies são o produto da geração ordinária, e que as formas antigas foram substituídas por formas novas e aperfeiçoadas, e elas mesmo o resultado da variação e da persistência do mais apto" (p. 412).

"Demonstrei
também que as variedades intermediárias, que têm provavelmente ocupado a princípio zonas intermediárias, devem ter sido suplantadas por formas aliadas existindo de uma parte e de outra; porque estas últimas, sendo as mais numerosas, tendem, por esta razão mesmo, a modificar-se e a aperfeiçoar-se mais rapidamente que as espécies intermediárias menos abundantes; de modo que estas devem ter sido, há muito, exterminadas e substituídas" (p. 527).

"As variedades novas e aperfeiçoadas devem substituir
e exterminar, inevitavelmente, as variedades mais antigas, intermediárias e menos perfeitas, e as espécies tendem a tornar-se assim mais distintas e melhor definidas. As espécies dominantes, que fazem parte dos grupos principais de cada classe, tendem a dar origem a formas novas e dominantes, e cada grupo principal tende sempre também a crescer cada vez mais, e ao mesmo tempo, a apresentar caracteres sempre mais divergentes" (p. 534).

"A extinção das espécies e de grupos completos de espécies,
que tem gozado um papel tão considerável na história do mundo orgânico, é a conseqüência inevitável da seleção natural; porque as formas antigas devem ser suplantadas pelas formas novas e aperfeiçoadas" (p. 539).

"Consideram-se as formas novas como sendo,
em conjunto, geralmente mais elevadas na escala da organização do que as formas antigas; devem-no ser, além disso, porque são as formas mais recentes e mais aperfeiçoadas que, na luta pela existência, têm devido sobrepujar as formas mais antigas e menos perfeitas; os seus órgãos devem ter-se também especializado muito para desempenhar as suas diversas funções" (p. 540).

"Como a
produção e a extinção das espécies são a conseqüência das causas sempre existentes e atuando lentamente, e não por atos miraculosos de criação; como a mais importante das causas das alterações orgânicas é quase independente de toda a modificação, mesmo súbita, nas condições físicas, porque esta causa não é mais que as relações mútuas de organismo para organismo, o aperfeiçoamento de um arrastando o aperfeiçoamento ou o extermínio de outros, resulta que a soma das modificações orgânicas apreciáveis nos fósseis de formações consecutivas pode provavelmente servir de medida relativa, mas não absoluta, do lapso de tempo decorrido entre o depósito de cada uma delas. Estas leis, tomadas no seu sentido mais lato, são: a lei do crescimento e reprodução; a lei da hereditariedade que implica quase a lei de reprodução; a lei de variabilidade, resultante da ação direta e indireta das condições de existência, do uso e não uso; a lei da multiplicação das espécies em razão bastante elevada para trazer a luta pela existência, que tem como conseqüência a seleção natural, que determina a divergência de caracteres, a extinção de formas menos aperfeiçoadas. O resultado direto desta guerra da natureza que se traduz pela fome e pela morte, é, pois, o fato mais admirável que podemos conceber, a saber: a produção de animais superiores. Não há uma verdadeira grandeza nesta forma de considerar a vida, com os seus poderes diversos atribuídos primitivamente pelo Criador a um pequeno número de formas, ou mesmo a uma só? Ora, enquanto que o nosso planeta, obedecendo à lei fixa da gravitação, continua a girar na sua órbita, uma quantidade infinita de belas e admiráveis formas, saídas de um começo tão simples, não têm cessado de se desenvolver e desenvolvem-se ainda!" (p. 553, 554).

Fonte:
Charles Darwin: "
A Origem das Espécies, no meio da seleção natural ou a luta pela existência na natureza". Tradução: Joaquim da Mesquita Paul. Lello & Irmãos Editores. Porto, 2003.

É isso!

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