Natura non facit saltum?

A frase latina Natura non facit saltum ("a natureza não dá saltos") sintetiza com maestria a crença de Darwin no gradualismo rígido e estrito. Em seu mais conhecido livro “A Origem das Espécies” ele justifica o seu exagerado o apego a este axioma latino da seguinte forma:

Como a seleção natural atua somente acumulando variações ligeiras, sucessivas e favoráveis, não pode produzir modificações consideráveis ou súbitas; só pode agir a passos lentos e curtos. Esta teoria torna fácil de compreender o axioma: Natura non facit saltum, que cada nova conquista da ciência mostra logo todos os dias ser verdadeiro. Vemos ainda como, em toda a natureza, o mesmo fim geral é atingido por uma variedade quase infinita de meios; porque toda a particularidade, uma vez adquirida, é por muito tempo hereditária, e conformações diversificadas por muitos modos diferentes têm que adaptar-se ao mesmo fim geral” (Lello & Irmãos, 203, p. 535).

Embora fosse o mais leal defensor do naturalista inglês, Thomas Huxley chegou a se opor textualmente à incondicional aceitação do
Natura non facit saltum. Em “Darwiniana: a origem das espécies em debate”, argumenta:

Acreditamos que a posição do Sr. Darwin poderia ter sido mais forte s ele não tivesse se preocupado com o aforismo Natura non facit saltum (a natureza não dá saltos) que tantas vezes aparece em suas páginas. Também acreditamos, como já dissemos, que a Natureza, de vem em quando, faz saltos e o reconhecimento do fato não é de pequena importância na disposição de muitas objeções do fato à doutrina da transmutação” (Madras Editora, 2006, p. 48). E mais adiante:

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Realmente, sempre pensamos que o sr. Darwin criou um empecilho desnecessário ao aderir tão estritamente à sua citação favorida: Natura non facit saltum. Em nossa opinião, suspeitamos que, algumas vezes, ela faça saltos consideráveis com respeito à variação e que esses saltos dêem origem a alguns dos lapsos que parecem existir na séria de formas conhecidas” (ibdem, p. 60).

"Stephen Jay Gould, em “
O Polegar do Panda” faz referências a ambas situações: o apego de Darwin ao aforismo latino e a suposta descrença de Huxley nele. Escreve:

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Em 23 de novembro de 1859, dia anterior ao da publicação do seu livro revolucionário, Charles Darwin recebeu uma carta extraor dinária do seu amigo Thomas Henry Huxley, oferecendo-lhe caloro so apoio no conflito que se aguardava e até mesmo o sacrifício supre mo: "Estou preparado para me expor, se necessário ... estou afiando minhas garras em prontidão." Mas a carta continha também um avi so: "Você arcou com uma dificuldade desnecessária ao adotar tão sem reservas o princípio de que Natura non facit saltum.
A frase latina, usualmente atribuída a Lineu, afirma que "a na tureza não dá saltos". Darwin era um adepto estrito a esse velho mo te. Como discípulo de Charles Lyell, o apóstolo do gradualismo na geologia, Darwin concebia a evolução como um processo solene e or deiro, trabalhando a uma velocidade tão lenta que ninguém poderia ter esperança de observá-lo no espaço de uma vida. Antepassados e descendentes, argumentava Darwin, devem ser ligados por "elos de transição infinitamente numerosos" formando "os mais refinados pas sos graduados". Só um imenso intervalo de tempo permitira a um processo tão moroso realizar tanto.
Huxley sentia que Darwin estava cavando uma sepultura para sua própria teoria. A seleção natural não requeria qualquer postula do quanto às taxas: podia operar igualmente bem se a evolução prosseguisse com rapidez” (Martins Fontes Editora, 1989, p. 161). E mais à frente:

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Como acentuam vários outros ensaios, defendo a posição de que a ciência não é uma máquina objetiva e dirigida para a verdade, mas uma atividade quintessencialmente humana, afetada por paixões, es peranças e preconceitos culturais. Tradições culturais de pensamento influenciam fortemente as teorias científicas, dirigindo com frequên cia as linhas de especulação, em especial (como neste caso) quando virtualmente não existem informações para constranger a imagina ção ou preconceito. No meu próprio trabalho (ver os ensaios 17 e 8) fiquei muito impressionado pela poderosa e infeliz influência que o gradualismo exerceu sobre a paleontologia por meio do velho mote natura non facit saltum (a natureza não dá saltos). O gradualismo, a ideia de que toda a mudança deve ser suave, lenta e contínua, nun ca foi lido a partir das rochas. Constituiu um preconceito cultural comum, em parte uma resposta do liberalismo do século
XIX a um mun do em revolução. Mas continua a colorir nossa supostamente objeti va interpretação da história da vida” (ibdem, p. 202).

Parece claro que os esporádicos “saltos” defendidos por Huxley e os “equilíbrios pontuados” de Gould, nada mais foram do que tentativas para salvar Darwin do caos epistêmicos. O gradualismo rígido e seu mantra
natura non facit saltum se mostraram fracassados diante daextrema raridade das formas de transição no registro fóssil. A Natureza não apenas “dá saltos” como, em alguns casos, até chega a suplantar os “grandes saltos”.

É isso!

3 comentários:

  1. Si le interesa la historia del Equilibrio Puntuado de una vuelta por aquí:

    http://lasoledaddelexcentrico.wordpress.com/pierre-tremaux-in-memoriam/

    ¿Pudieron haberse inspirado Gould y eldredge en Pierre Trémaux?

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  2. Caro Emilio,

    Como sempre, suas referências são excelentes. Aliás, seu blog é uma rica fonte de informação sobre o assunto. Considero simplesmente o melhor no idioma castelhano.

    Muito agradecido.

    Saludo de Brasil.

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  3. Um dique natural vai enchendo lentamente e cede. Uma região é devassada. Mmas espécies desaparecem para sempre. Houve um salto na natureza?

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